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Com nota de repúdio e campanha, movimento contra Estrada do Colono ganha força

Mais de 300 instituições e lideranças assinaram repúdio ao projeto de lei que reabre a Estrada do Colono, no Parque Nacional do Iguaçu. PL tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados

Duda Menegassi ·
22 de junho de 2021 · 3 anos atrás

Depois de ganhar o status de regime de urgência na Câmara dos Deputados, o polêmico projeto de lei (PL) nº 984/2019, que visa reabrir a Estrada do Colono – o que rasgaria ao meio uma área de Mata Atlântica no meio do coração verde do Parque Nacional do Iguaçu – segue sob risco de ir à votação a qualquer momento. Enquanto isso, organizações socioambientais e lideranças aumentam a pressão contrária ao projeto e se mobilizam pelo veto ao PL. Nesta segunda-feira (21), mais de 300 instituições assinaram uma nota, enviada aos líderes das bancadas da Câmara, na qual repudiam a aprovação do requerimento de urgência para votação do PL 984 e ressaltam os pontos nocivos do projeto. Além do desmatamento da Mata Atlântica para abrir um corredor de 17,5km de extensão por onde cruzaria a estrada, o texto reforça que a abertura do percurso causaria aumento da caça e tráfico de animais; do transporte de drogas, armas e mercadorias ilegais; prejuízos ao turismo e desenvolvimento econômico do oeste do Paraná; e abriria um precedente para construção de estradas em áreas protegidas.

Entre os signatários da nota de repúdio estão não apenas instituições e associações brasileiras, mas também da Argentina, que divide a fronteira com o Parque Nacional do Iguaçu, e outras organizações internacionais. Entidades e empresas de Foz do Iguaçu, município que é porta de entrada para o parque, também assinam o texto. Celebridades como as atrizes Paolla Oliveira e Sônia Braga endossam o repúdio.

“A antiga ‘estrada do Colono’, fechada judicialmente no ano 2000, encontra-se totalmente regenerada e coberta pela vegetação. A construção da rodovia implicará devastação de área de 17,5 km x 10 m de largura, significando degradação ambiental por maquinário poluidor, além da fragmentação de área preservada, suscitando-a ao desmatamento e ao atropelamento de fauna, dentre outros efeitos deletérios ao meio ambiente”, alerta a nota de repúdio.

Outro ponto destacado pelo texto é o precedente para abertura de estradas em outras unidades de conservação no Brasil, uma vez que o PL 984 cria a categoria estrada-parque, “confundindo o conceito de ‘estrada-parque’ com ‘estrada que corta Parque’”, aponta. O que multiplicaria todos os efeitos nocivos citados na nota em biomas e áreas protegidas de todo o Brasil.

Desde que a Justiça mandou fechar a Estrada do Colono, pipocam projetos de lei tentando reabri-la. O PL 984/2019, de autoria do deputado Vermelho (PSD/PR), é uma cópia de outros projetos que já foram apresentados no Congresso.

“Esse projeto é um dos maiores retrocessos para a gestão das unidades de conservação da natureza”, avalia a bióloga Angela Kuczach, diretora-executiva da Rede Nacional Pró-Unidades de Conservação, uma das signatárias da nota de repúdio. “No caso do Parque Nacional do Iguaçu, teremos perda de biodiversidade em um dos parques mais importantes do Brasil e do mundo, que abriga espécies ameaçadas, como a onça-pintada. Além disso, o projeto representa danos gigantescos para a economia e para a segurança da região. Os turistas não vão querer visitar um parque que desmata a Mata Atlântica, um dos biomas mais destruídos do mundo”, completa Kuczach.

O Parque Nacional do Iguaçu é o segundo mais visitado do país, atrás apenas do Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Em 2019, o parque recebeu mais de 2 milhões de visitantes. Entre 2013 e 2016, a receita bruta oriunda de seus visitantes pagantes foi de aproximadamente US$25 milhões, sem incluir a circulação econômica indireta (comércio, hotéis, restaurantes etc), estimada em mais de US$40 milhões, ressalta a campanha.

“A abertura de uma estrada dividindo o parque em dois traria péssimas consequências para a conservação do Iguaçu e de sua biodiversidade”, diz o presidente do Conselho de Meio Ambiente de Foz do Iguaçu, Raby Khalil, que também assina o repúdio. “Seria o caminho para a destruição, prejudicando não só as onças-pintadas e a natureza, mas toda a cadeia do turismo e a economia da região. Não permitiremos esse retrocesso”, acrescenta.

“Trata-se de um retrocesso sem precedentes, que pode trazer muitos impactos negativos à conservação no Brasil. A aprovação deste projeto autorizaria o retalhamento de parques nacionais e outras unidades de conservação em todos os biomas brasileiros”, avalia a gerente de Ciências do WWF-Brasil, Mariana Napolitano, uma das ONGs signatárias da nota enviada aos parlamentares.

A mobilização contra a Estrada do Colono ganhou também um site exclusivo. O domínio “estrada rasga parque não” concentra os materiais da campanha em oposição ao PL 984/2019, como vídeo, testemunhos e o manifesto de repúdio.

Manifestação da universidade latino-americana

A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA) publicou, nesta segunda-feira (21) uma manifestação contrária à votação do projeto de lei, em que alerta que o regime de urgência compromete o debate sobre o PL 984, uma vez que dispensa a análise e posicionamento de comissões dentro da Câmara dos Deputados, como a de Meio Ambiente e a de Constituição e Justiça. O requerimento de urgência foi aprovado pelos parlamentares no dia 9 de junho e a votação pode ser pautada a qualquer momento na Câmara.

O texto, assinado pela reitoria da universidade, reforça a importância ímpar do Parque Nacional do Iguaçu para a conservação da biodiversidade da Mata Atlântica, uma vez que o parque é o maior fragmento do bioma remanescente no Paraná.

A manifestação também alerta para o erro conceitual da proposta de “estrada-parque” prevista no projeto de lei, uma vez que ela deveria ser criada “visando favorecer a conservação da biodiversidade e de paisagens cênicas em áreas não protegidas pela legislação. Tal premissa não se aplica ao Projeto de Lei em questão, uma vez que o Parque Nacional do Iguaçu (PNI) já é uma Unidade de Conservação Federal de Preservação Permanente. Não obstante, ainda assim o PNI enfrenta hoje problemas para a conservação de suas espécies relacionados à caça, pesca e extração de produtos vegetais e minerais. Tais questões podem ser potencialmente agravadas pela abertura de uma estrada”.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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