Notícias

Maior desmatador da Amazônia, Pará possui lei fundiária que facilita grilagem

Área do estado sem definição fundiária é de 33,8 milhões de hectares, o que corresponde a 27% de todo território paraense

Cristiane Prizibisczki ·
17 de dezembro de 2021 · 2 anos atrás

Responsável por 40% de todo desmatamento registrado na Amazônia Legal entre 1º de agosto de 2020 e 31 de julho de 2021, o Pará figura pelo 16º ano seguido na primeira posição do ranking de destruição da floresta por estado. Desde o início do monitoramento do desmatamento no bioma amazônico, em 1988, esta unidade da federação sempre esteve nas primeiras posições da lista, mas, ainda hoje aplica leis e práticas que favorecem o processo de ocupação ilegal de terras públicas e o consequente desmatamento.

Esta é a conclusão do relatório “Leis e Práticas de Regularização Fundiária no Estado do Pará”, produzido pelo Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).

O relatório é fruto de uma cooperação técnica existente desde 2015 entre o Imazon e o Instituto de Terras do Pará (Iterpa), firmada com o objetivo de aprimorar os procedimentos de regularização realizados pelo órgão. Neste processo, coube ao Imazon não só analisar as práticas executadas pelo instituto, mas também avaliar a legislação sobre o tema no estado.

A lei de terras atualmente em vigor no Pará (Lei Estadual nº 8.878/2019), bem como seu decreto regulamentador (Decreto Estadual nº 1.190/2020) são alvos de muitas críticas. Instituições da sociedade civil e movimentos sociais defendem que tais normas favorecem o processo de apropriação ilegal de terras públicas na expectativa de titulação e premia grileiros.

Dentre as fragilidades apontadas pelas organizações e também pelo estudo do Imazon nas normas paraenses, principalmente no decreto regulamentador, está a falta de um marco temporal claro para todas as modalidades de regularização aplicadas no estado.

Para a modalidade de venda de imóveis em áreas em que não há atividade agrária implementada, a lei não aplica o marco de 2014 adotado nas demais modalidades. “Sem a adoção de prazo, essas ocupações poderiam ocorrer a qualquer tempo, inclusive futuramente. Portanto, é um estímulo para a continuidade da ocupação de terra pública para fins de apropriação”, diz trecho do relatório do Imazon.

A lei estadual também não impede a regularização de áreas desmatadas recentemente ou obriga o órgão fundiário a solicitar a assinatura de um termo de compromisso ambiental antes da emissão do título. Isto é, não é preciso se comprometer a recuperar a área desmatada ilegalmente para receber o título da terra.

Além disso, o texto da norma em vigor não define com clareza a porcentagem que uma área tem que ter de floresta em pé para que ela esteja inelegível para titulação, o que abre a possibilidade para privatizar áreas compostas majoritariamente com cobertura florestal nativa. Apesar de proibir a titulação de áreas compostas integralmente por florestas, a lei não impede a venda de áreas que tenham, por exemplo, 98% de cobertura florestal. Isto é, se um grileiro invadiu área de vegetação nativa e desmatou pequenas porções, essa área é possível de regularização, pois já não tem 100% de floresta. 

Também são citados no relatório a falta de uma base fundiária digital completa e organizada, recursos humanos insuficientes, porcentagem insatisfatória de dados abertos (29%) para acompanhamento público do processo de titulação de áreas, entre outros problemas. 

Apesar de todas as falhas, o Pará está entre os estados da Amazônia Legal que arrecadam e destinam terras de forma mais planejada.

Situação fundiária no Pará

O Pará possui atualmente 33,8 milhões de hectares de áreas ainda não destinadas ou sem informação de destinação, o que corresponde a 27% de seu território. Parte desta área, equivalente a 12% do estado, está inscrita no Cadastro Ambiental Rural (CAR), porém, a ausência de informações públicas sobre a situação fundiária desses imóveis impede de verificar a legalidade da ocupação.

O que se sabe é que destes 33,8 milhões de hectares, 15,2 milhões possuem prioridade para conservação, sendo a maior parte desta área (11,3 milhões de hectares) classificada como de importância biológica extremamente alta.

Do total do estado que possui destinação fundiária (73% do território paraense), 25% é ocupado por Terras Indígenas (30,7 milhões de hectares), 23% por Unidades de Conservação (29 milhões de ha), 11% por projetos de assentamentos (13,5 milhões de ha), 10,5% por imóveis privados (12,8 milhões de ha), 2% por Áreas Militares (2,2 milhões de ha), 1% por Floresta Pública destinada (1,3 milhão de hectares) e 0,5% por Territórios Quilombolas (883 mil hectares).

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

Leia também

Reportagens
11 de novembro de 2020

Regulamentação da Lei de Terras no Pará favorece grilagem, dizem entidades

Sociedade civil paraense tenta mitigar efeitos nocivos de Lei publicada em 2019 com melhorias em decreto regulamentador, mas propostas para pontos polêmicos não foram acatadas

Reportagens
15 de dezembro de 2021

Análise sobre novo texto do PL da Grilagem é adiada para 2022

Proposta do senador Carlos Fávaro (PSD-MT) seria apreciada em comissões temáticas do Senado nesta quarta. Novo texto agrava retrocessos, dizem especialistas

Notícias
13 de dezembro de 2021

Amazonas possui cerca de 58 milhões de hectares em áreas públicas ainda não destinadas

Legislação fundiária no estado permite regularização de terras ocupadas a qualquer tempo, mesmo no futuro, o que estimula a grilagem e o desmatamento

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.