Reportagens

O inimigo mora no armário

Como a lei não obriga, a indústria têxtil não informa, mas parte das roupas que vestimos contém substâncias tóxicas para o corpo humano e para o meio ambiente.

Diego Rebouças ·
19 de julho de 2006 · 18 anos atrás

Quem acompanha a moda sabe: com o Fashion Rio e o São Paulo Fashion Week nas últimas semanas só falando de moda verão, está oficialmente aberta a temporada de liquidações das coleções de inverno. E aí, é batata: você está passeando tranqüilamente pelo shopping e nem pretendia gastar quando, de repente, seus olhos fixam numa vitrine que anuncia: liqüidação. E são tantas blusas e tecidos coloridos e sapatos e o manequim com óculos escuros vestindo uma calça jeans combinando com uma jaqueta que, francamente, era justamente o que você estava precisando! Você não resiste, compra tudo e tomado pela felicidade do consumo nem desconfia que embrulhado naquela sacola pode haver uma peça que contêm produtos químicos perigosos para a sua saúde e para o meio ambiente.

A contaminação química não acontece só em grandes desastres ambientais. Ela pode acontecer discretamente no seu dia-a-dia quando, por exemplo, a indústria têxtil usa substâncias tóxicas para o organismo no processo de produção. Sem capacidade para dissolvê-las, o corpo humano vai aos poucos acumulando essas toxinas. “O sangue das pessoas que vivem na Europa hoje pode conter por volta de 300 substâncias químicas feitas pelo homem. Nossos avós não eram expostos à maioria dessas substâncias”, revela o catálogo do Moda Sem Tóxicos, projeto do Greenpeace criado para ajudar as indústrias têxteis a substituir produtos químicos perigosos usados na fabricação de tecidos por alternativas mais seguras.

Os primeiros passos nessa direção foram dados no último dia 21 de junho em Madri. Apoiados pela filial espanhola do Greenpeace, um grupo de 16 estilistas realizou um desfile com o objetivo de mostrar que a moda ecologicamente consciente, livre de substâncias perigosas, é possível. Além deles, gigantes da indústria fashion, como as lojas de departamento Zara e Mango e a marca esportiva Puma também aderiram ao projeto. Mas apesar do sucesso do evento – e de reconhecer a importância de um trabalho de conscientização dessa natureza – o Greenpeace não tem planos de desenvolver campanha semelhante no Brasil.

Contaminação silenciosa

As substâncias tóxicas utilizadas pela indústria têxtil para tingir os tecidos não são liberadas apenas durante o processo químico, realizado nas fábricas. Segundo Katharine Mill, do Greenpeace de Bruxelas, as substâncias também podem ser liberadas ao longo do tempo, através do uso e da lavagem. “Isso contribui para a nossa própria exposição diária às substâncias perigosas e para o seu acúmulo no meio ambiente”, diz. Qualquer roupa pode conter essas substâncias, basta que algum agente químico nocivo tenha sido usado no processo de tingimento ou de tratamento. Esses produtos químicos podem causar câncer e problemas de fertilidade. São substâncias como níquel, chumbo e cromo hexavalente – ou cromo VI – como ficou conhecido o material no filme Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento. Nele, a atriz Julia Roberts acusa uma indústria norte-americana do setor de gás e energia de usar ilegalmente cromo VI em seus reatores e contaminar a água consumida por toda uma população. As crianças desenvolveram alergias e anomalias congênitas, os adultos tiveram cânceres e problemas reprodutivos e toda a comunidade sofreu com os danos causados aos lençóis freáticos.

Para os mais céticos, o Greenpeace alerta que o níquel pode, sim, ser absorvido diretamente pela pele através do contato durante o uso da roupa. A exposição a níveis elevados da substância está associada às causas de câncer de pulmão. Segundo informações da organização, de 10 a 20% da população mundial têm algum nível de alergia ao níquel e seus compostos. Já o chumbo pode ser ingerido quando produtos fabricados com esse material são levados à boca.

A campanha do Greenpeace tem uma razão. Entre outubro e novembro a União Européia votará uma lei sobre o uso de substâncias químicas pela indústria. Batizada de REACH, a lei foi proposta em outubro de 2003, mas seu texto original não contém nenhuma exigência para a troca de substâncias químicas perigosas sempre que alternativas mais seguras – e competitivas – sejam possíveis. A pressão do Greenpeace é para que o texto da lei seja modificado e as indústrias sejam obrigadas não só a realizar a substituição como a informar o público sobre a natureza e riscos de seus produtos. Atualmente, esse tipo de exigência não existe. O que explica 97% de todas as substâncias químicas utilizadas no mercado nunca terem sido testadas. “A porcentagem refere-se ao mercado europeu, mas a história é mais ou menos a mesma em todo o mundo”, revela Katharine Mill.

Alternativas

Uma boa alternativa aos tecidos quimicamente tingidos é o algodão que já nasce colorido, que no Brasil é desenvolvido pela Embrapa. Apesar de não ser nenhuma novidade (há 2 mil anos os índios do Peru já cultivavam esse tipo de algodão), as variedades existentes precisaram sofrer aperfeiçoamentos genéticos. Mas isso não significa que as espécies de algodão colorido sejam transgênicas. “O melhoramento genético é necessário para melhorar as características da fibra, a produtividade das espécies, a resistência a doenças e a adaptação delas às nossas condições”, explica Luiz Paulo de Carvalho, melhorista da Embrapa Algodão e criador das espécies de algodão colorido.

A primeira safra, de algodão marrom, foi lançada em 2000. O algodão verde veio em 2003 e dois anos depois foi a vez dos algodões safira e rubi chegarem ao mercado. A má notícia é que, comparado ao consumo de algodão branco, a demanda do mercado brasileiro pelas variedades coloridas ainda é pífia: “O Brasil consome 1 milhão de toneladas de plumas brancas. Desde 2002, a produção de pluma colorida está em torno de 800-900 toneladas por ano. Neste ano, serão produzidas apenas 90-100 toneladas porque não havia perspectiva de consumo pelas indústrias antes do plantio, por isso, a área caiu muito. O mercado do algodão colorido é pequeno, sendo consumido por pessoas alérgicas a corantes e por aquelas que privilegiam os produtos naturais. Mas já é um bom começo”, avalia Luiz Paulo. Hoje, as espécies são plantadas com fins comerciais apenas na Paraíba. Mas outros estados – como o Paraná e o Tocantins – estão realizando testes.

O algodão colorido tem custos de produção mais baixos para as indústrias têxteis e, ao dispensar a etapa do tingimento químico, poupa as fábricas da dor de cabeça dos dejetos poluentes, que exigem todo um tratamento antes de serem liberados no meio ambiente.

* Diego Rebouças é formado em jornalismo pela UFRJ, já trabalhou no Jornal do Brasil e hoje é assessor de imprensa especializado em moda.

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