Reportagens

Quem não tem pirâmides, olha para terra preta

Documentário lançado pela SESC TV acompanha expedição arqueológica em Rondônia e joga luz sobre a história secular dos povos da amazônia e sua relação com a floresta

Marcio Isensee e Sá ·
10 de maio de 2022 · 2 anos atrás

Em 1542, o colonizador espanhol Francisco Orellana (1490 – 1550), vindo do Peru por via fluvial, atingiu o Rio Amazonas, tornando-se o primeiro europeu a navegar pelo rio. Junto com ele na expedição, o padre Gaspar de Carvajal (1504 – 1584) descrevia a aventura e achados da viagem. Na sua posterior publicação, Relación del nuevo descubrimiento del famoso río Grande que descubrió por muy gran ventura el capitán Francisco de Orellana, Carvajal afirmou:

Todo este rio das Amazonas, nas ilhas, nas margens e terra adentro, está povoado de índios·e tantos em número, que para dar uma ideia da sua multidão (…) que são tantos e sem número os índios, que se do ar deixassem cair uma agulha, há ele dar em cabeça de índio e não no solo. Tal é a sua quantidade, que não podendo caber em terra firme, se arrojaram para as ilhas. Não só o rio Amazonas está tão povoado de gente, mas também os rios que nele desaguam.

Por muito tempo nós, brasileiros contemporâneos, acreditamos que a história da Amazônia começa a partir da colonização européia, o que talvez seja a primeira fake news local, corroborada por exploradores europeus dos séculos XVI ao XIX. Bastava ler com mais atenção o relato de Carvajal para entender que a Amazônia foi largamente ocupada (por milênios!), mas convenientemente os livros de história apagaram esses registros. Se os povos seculares não construíram pirâmides e outros monumentos, para que vamos registrar sua história?

Quem está ajudando a mudar essa história é, mais uma vez, a ciência. Arqueólogos, botânicos, antropólogos e muitas outras áreas de pesquisa começam a nos provar que sim, nós temos nossas pirâmides: “Na verdade, a Amazônia é um monumento, eu digo que ela é o nosso monumento. Ela é a nossa pirâmide”. Essa afirmação é da cineasta Tatiana Toffoli, que dirige a série Amazônia, Arqueologia da Floresta, e se refere a como as pesquisas recentes comprovam e desvendam a ocupação secular. 

A primeira temporada foi lançada em abril pela SESC TV e acompanha o trabalho do arqueólogo Eduardo Góes Neves e sua equipe, refletindo sobre como a presença humana ajudou a moldar a floresta, ocupada e transformada pelos povos que a habitam há milhares de anos.

Durante os quatro episódios, Tatiana nos convida a imergir na pesquisa de campo de um grupo de pesquisadores ao sítio arqueológico Monte Castelo, em Rondônia e também à aldeia Palhal, dando protagonismo aos indígenas Tuparis e registrando suas histórias. Foram 15 dias de filmagens que resultam uma série documental extremamente bem produzida, com ritmo e informações relevantes não apenas para quem se interessa por arqueologia, mas para quem quer conhecer a verdadeira história da Amazônia, uma história que precisa urgentemente ser reescrita: “A série é um registro importante, a gente está registrando um momento importante da Amazônia, acompanhando os trabalhos de cientistas, é uma maneira de falar de meio ambiente sem ser panfletário”, afirma a diretora.

Muito falamos sobre o futuro da floresta dado os recordes de desmatamento sendo batidos recorrentemente, substituindo uma biodiversidade de milhares de espécies por pouco mais de meia dúzia de espécies. Apesar do clichê, para olhar para o futuro, temos que conhecer o passado: “A gente não tem futuro sem a Amazônia, e a gente não consegue entender a Amazônia sem ouvir os povos originários”, discorre Toffoli.

((o))eco conversou com a diretora Tatiana Toffoli sobre arqueologia, Amazônia e os processos de filmagem. Confira a entrevista abaixo:


((o))eco: Tatiana, para começar, pode nos contar um pouco da sua trajetória profissional?

Tatiana Toffoli: Eu sou de Porto Alegre e lá eu já era bem híbrida. Sabia fazer fotografia still, fazia teatro e também trabalhava com audiovisual, como assistente de produção, assistente de direção. Aí eu saí de Porto Alegre, fui para o Rio e, por conta de um convite de um projeto para televisão, acabei ficando no Rio, trabalhei como atriz. Quando vim para São Paulo, eu falei: quero trabalhar na minha área de jornalismo. Então eu tive a sorte de chegar em São Paulo e cair na MTV. Em 2000 surgiu a oportunidade de fazer um documentário pequeno sobre o Baden Powell. Acompanhei a gravação do que acabou sendo o último disco. E aí eu fiz a câmera,  aprendi a montar e foi a primeira coisa que eu fiz mais no estilo documental. Logo em seguida, em 2001, a Mônica Ximenes, que é uma produtora já falecida, convidou a minha irmã Dainara Toffoli, que é diretora, para fazer um filme chamado Dona Helena, sobre a Helena Meirelles e eu, pela primeira vez, montei um documentário maior. 

Eu sempre gostei de montagem de documentário. Eu sou rata de festival, conheço todo mundo. Minha família, meu tio avô era caixeiro viajante de cinema. Ele projetava nas praças. Então, sei lá, acho que de criança, aquele cinema que não funcionava direito mais, mas tinha uma história que a família inteira tinha trabalhado como bilheteira, vendendo bala, minha mãe, minha tia. A gente cresceu com essas histórias. 

A gente conhece o arqueólogo Eduardo Góes Neves desde 2000. Então desde o início queríamos gravar. A minha irmã acompanhou uma viagem lá em 2000 e pouco. Os arqueólogos nos pediram porque não tinha nada, ninguém gravava, porque eu acho que havia uma separação entre meio ambiente, cinema, televisão, ciência e arte. É uma coisa que já não existe mais. Mas eu sofri a vida inteira com isso, porque lá no segundo grau, eu era vice-presidente do Kaa-eté [Movimento Ecológico Estudantil, na época da construção da Usina de Tucuruí], na escola que eu estudava, o Colégio Estadual Júlio de Castilhos. Então essa relação com a questão ambiental sempre esteve presente, eu queria ter trabalhado no Repórter ECO [risos].

Aí, em 2011 mais ou menos, eu e minha irmã falamos “vamos fazer o projeto”. A gente chamou o jornalista Felipe Milanez, que tinha feito uma matéria com o Edu na National Geographic, pedimos para o Felipe fazer uma entrevista com ele, conversar com ele. Foi quando a gente fez esse primeiro projeto. O projeto era diferente, era bem maior, um projeto que tinha toda a Amazônia e começava nos Andes e ia até o Oiapoque. 

A gente se inscreveu no NET LABTV, logo depois entrou no DOCSP, ganhou um prêmio de desenvolvimento do Proac de série pra TV e conseguimos ir para o [sítio arqueológico] Monte Castelo. Eu fiquei fascinada pelo Monte Castelo. Tem lá ossos inteiros e isso não tem em outros lugares e só tem isso por conta das conchas, então essa riqueza do Monte Castelo, desse sítio arqueológico, ela é muito interessante. Tudo é interessante ali, sabe?

Eu me aproximei do SESC porque eu produzi uma mostra chamada Cinema Ambiental de Adrian Cowell, que foi o Felipe que me apresentou, eu não conhecia o trabalho do Adrian Cowell. Mas eu lembrava do Lutzenberger dizendo que na Amazônia, quando tirava a floresta, virava areia. Quem será que levou o Lutzenberger para a Amazônia? Pode bem ter sido o próprio Adrian Cowell. Naquela época não era tão fácil ir pra Amazônia, e o Lutzenberger era uma liderança, um ambientalista extremamente conhecido, extremamente importante. E o Cine SESC foi muito bacana. Quando foi 2018, quando a gente começou a ver que a gente tinha um horizonte muito instável, uma previsão bem ruim para o futuro. O Sesc TV falou “lembramos o teu projeto, vamos fazer, mas diminui ele”. E foi uma coincidência muito grande, porque o Eduardo Góes Neves estava fechando um projeto junto à FAPESP e a Universidade de Reading, na Inglaterra. Então a gente reconstruiu o projeto, levei pro SESC TV e foi aprovado.

A gente passaria 2020 gravando em todos os sítios arqueológicos, mas veio a pandemia e então eu acabei ficando esse período montando o Monte Castelo e a gente viu que tinha uma série, que não tinha só um episódio. São vários cientistas, são vários trabalhos interessantes. Fora que a relação com os Tuparis acontece de um jeito muito natural. Já era uma ideia que sempre houvesse uma relação com a população do lugar. É importante mostrar os Tupari. Eles são um povo de origem Tupí e as pessoas não sabem que os tupis desceram daquela região. Não sabem que o berço da língua tupi é ali. A gente ficou um pouco no sítio arqueológico e um pouco com os Tuparis. Essa temporada da série é composta disso tudo.

Como foi a produção da série?

A gente começou a pré-produzir em novembro de 2019. E a nossa primeira viagem foi em fevereiro de 2020. É uma viagem longa: de São Paulo à Porto Velho, depois a noite inteira num ônibus até São Francisco do Guaporé, depois um carro nos levou até o Rio Guaporé, daí mais 5 horas de voadeira até o Rio Branco e ficamos hospedados numa casa-barco. Eram duas turmas de arqueólogos, uma turma que saiu, uma turma que entrou, porque não dava para todo mundo ficar, tinha um limite. A gente ficou em torno de 15 dias. Então, foram 15 dias entre o sítio arqueológico e os Tupari, onde a gente ficou três noites. A minha equipe é muito pequena: viajo eu, que sou produtora/diretora, o fotógrafo Gustavo Almeida e o Rafael Veríssimo, que é técnico de som. Depois, já no contexto da pandemia, foi um trabalho muito longo, um trabalho muito extenso de montagem, arte, trilha sonora e finalização. 

Foto: Divulgação

Como a arqueologia pode transformar os indígenas em agentes da própria história? Como você trabalhou isso na série?

Eles já são agentes da própria história. O que acontece é que a história deles fica limitada à aldeia, porque não tem repercussão, não tem eco no mundo do branco, no mundo dos invasores. A gente não construiu canais, não deu a dignidade cidadã que as populações originárias do Brasil deveriam ter. Eu posso dizer que eles realmente têm uma civilização e você vai perceber que toda a relação entre eles, com a comunidade e com o ambiente, é sofisticada. Eles partem de uma premissa de que todos têm voz, todos podem se expressar, inclusive os seres que nós não consideramos como não-sencientes, que são as plantas e os animais. Para eles, todos têm propósitos e sentimentos. Isso é comum aos povos originários aqui do Brasil, dos que eu conheço, pelo menos. E também com o mundo do invisível, né? Porque nem tudo passa pelo racional, a gente sabe disso. Na verdade, a gente decide pelos nossos impulsos, pelo nosso coração, por um outro entendimento. E isso é levado em conta no mundo dos povos originários. 

Eu acho que a arqueologia, o que ela pode fazer é contar uma história que nunca foi contada, porque, obviamente, não interessava contar. O que está escrito na terra? O que está escrito na terra é a vida dos antepassados, da população que vive ali, dos povos originais. Por isso é interessante. O milho está lá, o milho aparece no período Sinimbu de 5000 à 4085 anos antes do presente. O milho veio da Mesoamérica. Como é que ele chegou aqui? Eles plantaram e ele se modificou também aqui. O milho está sendo cultivado por toda aquela população de povos originários, ali o milho é muito importante, continua sendo.

É uma arqueologia viva, porque os povos ainda estão ali…

Exato, a arqueologia é o método científico, mas o olhar é amplo. O olhar é muito amplo, porque é um olhar para a ocupação do território. Eu estou trazendo para o audiovisual o pensamento de arqueólogos, do Eduardo e de todos que trabalham com ele, que é um pensamento que, como ele diz, não é o Indiana Jones, o cara aventureiro, até porque, como diz a Anne [Rapp Py-Daniel] no final, o arqueólogo não descobre o sítio arqueológico, eles vão seguindo os passos das pessoas que estão lá, os quilombolas, os povos originários, ou mesmo os caboclos, os ribeirinhos, as pessoas que sabem onde estão os vestígios. Eles só não sabem escavar. E agora a gente vê muitos arqueólogos indígenas sendo formados e você vê muitos antropólogos indígenas sendo formados. E isso muda toda a perspectiva. E é uma ferramenta de luta. 

A série é um registro importante, a gente está registrando um momento importante da Amazônia, acompanhando os trabalhos de cientistas, é uma maneira de falar de meio ambiente sem ser panfletário, é falar de meio ambiente através da ciência. E isso eu acho muito legal, é uma série ambiental. Mais do que de arqueologia, ela é uma série socioambiental.

Cacique Fernando (Seu Farias) com foto de Waitô com Franz Caspar. Foto: Divulgação.

Tem uma fala na série que diz “A Amazônia é a fronteira de conhecimento do passado” e, ao mesmo tempo, a gente ouve muito a Amazônia como esse lugar importante para o futuro. Como você quis trabalhar a arqueologia, que invariavelmente fala do passado, com o presente e futuro?

A gente não tem futuro sem a Amazônia, e a gente não consegue entender a Amazônia sem ouvir os povos originários. Uma coisa que eu conheci com essa série foi essa questão da mudança climática. A Amazônia viveu uma mudança climática há 4000 anos, essa mudança climática fez com que chovesse mais na Amazônia. Por que houve a mudança climática? Não sei te dizer. Foi um ponto de virada nesse manejo da floresta? Isso tem a ver com o manejo, com o cultivo dessa floresta? Essa mudança climática traz para a região uma nova fauna e uma nova flora. Então, a gente vai acabar com isso? Uma floresta que levou 4000 anos para ganhar essa exuberância, a gente vai cortar como se fossem recursos para a vida na cidade? Não tem nenhum sentido, é um suicídio o que a gente está fazendo e os cientistas falam isso. Então é muito sério o que está acontecendo e é muito urgente.

Eu acho que a série vem trazendo duas questões importantes: revisitar a história do Brasil para a gente aprender a contar direito a nossa história, de um outro jeito e de outro ponto de vista. Tá na hora de largar mão dessa história oficial que não faz sentido, que não é real, que é uma Fake News. O outro ponto é essa questão da urgência de preservação. E a preservação, ela não é só a conservação,é socioambiental. A gente precisa valorizar o conhecimento que as pessoas têm sobre a floresta. Aquela mata para eles é o lugar onde eles foram, aos poucos, criando, manejando e sendo manejados por ela.

Queria falar sobre a história do sítio arqueológico de Monte Castelo, que era uma fazenda, depois se tornou parte da Rebio do Guaporé, ou seja, uma unidade de conservação de proteção integral, restrito para pesquisa e educação, que compõe um mosaico formado também por terras indígenas. Isso, de certa forma, possibilita também que a pesquisa se desenvolva nessa região, né? 

[As Unidades de Conservação] são super importantes. Eu acompanhei muito de perto o trabalho do Edu. Ele ficou muitos anos escavando um sítio arqueológico que ficava em frente a Manaus, em Iranduba, o sítio Hatahara. E o que aconteceu: Fizeram uma ponte [entre Manaus e Iranduba] e perderam o controle do sítio arqueológico. O fato do Monte Castelo estar dentro de uma Rebio [reserva biológica], é extremamente importante, porque eles conseguem ter uma longevidade de trabalho, sem serem importunados ou interrompidos por uma ação desenvolvimentista que acaba jogando fora todo o material, como acontece muito.

As evidências arqueológicas apontam para “um grande quintal”: a Amazônia seria um grande quintal, uma floresta construída cultural e socialmente. A ciência clássica entendia-a como uma floresta “intocada”, desabitada. Como a arqueologia e a ciência contemporânea estão mudando essa visão?

Tem esse mito da floresta intocada. A primeira arqueóloga que veio para cá, Beth Meggers, dizia que era impossível viver na floresta porque tinha muito mosquito. Eram questões dela para justificar porque não dava para sustentar grandes populações. Mas isso é um ponto de vista europeu. Não tem nada a ver com os trópicos. Aqui cai fruta na sua cabeça, aqui tem muito peixe. Então era uma visão totalmente pouco íntima, né? A gente não entende os preconceitos impregnados na gente. Somos criados de uma maneira, dentro de uma fôrma e é muito difícil desenformar, descolonizar, que é a palavra do momento. Descolonizar é um trabalho diário para todos nós. Quando a gente vê essas populações originárias, a maneira como elas pensam, a maneira como elas vivem, a gente, querendo ou não, está sempre olhando com certo preconceito. A gente precisa tirar essas máscaras do preconceito e chegar perto com o coração aberto, para poder ouvir e entender, para poder trocar. Por exemplo: o ritmo de fala é outro, eles tem dificuldade de falar o português que a gente fala, a gente não fala a língua deles, desconhece a língua deles. E eles têm que fazer um esforço para falar nossa. Então é um lugar que tem que ter muito cuidado nessa relação, nessa interação, para a gente sair desse lugar de olhar fechado, colonialista. 

Os primeiros arqueólogos que vieram trabalhar aqui estavam impregnados desse pensamento. Ao mesmo tempo, tinham os primeiros relatos, como o do [Gaspar de] Carvajal [no séc XVI], dizendo que tinha tanta gente nas margens dos rios que se você atirasse uma flecha, você matava alguém. Então aí a gente tem uma outra visão, uma visão de que tinha muita gente. E a terra preta, que a gente vai falar na próxima temporada, ela prova isso. A terra preta é essa terra formada de resíduos. É uma terra tão estável que eles plantam e replantam na terra preta e ela não perde estabilidade. Um cientista da Embrapa tentou refazer a terra preta e não conseguiu o mesmo nível de estabilidade. É um marcador da presença de grandes populações. Não são pirâmides, porque não tinha pedra. Como é que pode ter pirâmides sem pedra? E o que eu vejo quando eu penso sobre isso: pra você construir uma pirâmide tem que ter uma sociedade hierarquizada. Aqui a tendência é quando cresce muito, dividir. Quando fica insustentável manter comunidades grandes, criam-se núcleos Então eu acredito que a sociedade dos povos originários daqui são muito mais horizontais.

Agora, claro, temos ali uma ruptura da época da colonização, que matou muita gente, dizimou populações e os indígenas tiveram que praticamente se esconder e fingir que não eram indígenas. Tiveram que se abrasileirar, tiveram que perder a cultura, perder a língua, como uma maneira de tentar se adaptar, de tentar sobreviver. E aí se perderam muitos conhecimentos. Mas eles ainda guardam muitos conhecimentos sobre a floresta. A gente precisa aprender com os indígenas. Estamos atrasados demais, entendeu? A Amazônia não era um espaço vazio, não era uma terra sem gente para a gente sem terra, nunca foi.

Cerâmica. Foto: Divulgação

A série traz essa ideia de ecologia histórica, né? Como é possível pensar a Amazônia na ótica da ecologia histórica?

Os cientistas começaram a estudar as plantas que estavam ao redor das aldeias e começaram a perceber que não era à toa que aquela planta estava ali, aquela planta tinha sido manejada. Na verdade, a Amazônia é um pouco um monumento, e eu digo que ela é o nosso monumento. Ela é a nossa pirâmide. Foi o William Balée, junto com um outro cientista, que cunharam esse termo ecologia histórica, que é entender a ecologia como parte da história, olhando as populações e olhando a paisagem tendo como ponto de vista também as plantas, os recursos naturais, a construção e o manejo dos recursos naturais. Não à toa temos muitas etnobotânicas, muitas arqueólogas, que trabalham com as plantas, só com as plantas. A questão da gente entender o manejo dos recursos naturais é muito importante. A floresta não estava ali, não é dada.

Mas é por isso que precisa da ciência para estudar. É preciso ter gente que se dedica a isso, essas minúcias, para poder entender exatamente como essa construção da floresta se deu. A gente não consegue isso sem estudar profundamente em vários locais. 

A série “Amazônia, arqueologia da floresta” terá outras temporadas?

Sim, a gente continua com as novas temporadas, estamos fazendo novas gravações. A gente gravou no sítio [arqueológico] Teotônio, que é a próxima temporada da série. Esse sítio é no norte de Rondônia, o lugar onde tem a terra preta mais antiga que já foi datada, onde tem a cachoeira de Teotônio que foi coberta pela Usina Hidrelétrica Santo Antônio, então nessa temporada vamos falar muito dessa questão da ação humana e dessa tentativa de ocupar a floresta. 

Depois tem uma terceira temporada que a gente vai começar a gravar em junho, que é nos Kuikuro, com o Michael Heckenberger, um americano que conheceu o Afukaka Kuikuro na Eco 92 e, desde então, eles são como irmãos. Eu recebi o Daniel Kuikuro e a gente já começou a trabalhar juntos. Não é uma série da Tatiana, é uma série de todo o mundo junto. Então a gente vai contar uma história nessa terceira temporada, que os Kuikuro também querem contar, não é só nossa.

  • Marcio Isensee e Sá

    Marcio Isensee e Sá é fotógrafo e videomaker. Seu trabalho foca principalmente na cobertura de questões ambientais no Brasil.

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