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Era um choro doído, agudo e depois rouco, no bairro londrino de Soho.
A senhora Lewis embalava sua filha de 6 meses que se contorcia entre crises violentas de cólica, vômito e diarréia
A criança finalmente sucumbiu ao cansaço e adormeceu.
Enquanto seu marido roncava, a senhora Lewis limpava o chão e recolhia as roupas encharcadas de excretos fétidos.
Ela despejou o lixo pestilento na fossa que ficava em frente à sua casa, as roupas estavam contaminadas com bactérias Vibrio Cholerae e a fossa, em péssima conservação, contaminou o abastecimento de água do bairro.
Em 1854, Londres já era uma metrópole com dois milhões e meio de habitantes
Famílias inteiras viviam espremidas em cômodos minúsculos e fezes se acumulando por toda parte.
A mortalidade alcançada, equivalente a meses da doença, foi atingida em questão de dias.
Corpos começaram a ser empilhados no meio da rua à espera da remoção para covas públicas.
Jornais como o Times e o Globe publicaram uma enxurrada de anúncios pagos por cirurgiões, boticários e qualquer um que quisesse promover novas curas infalíveis, inventadas no quintal de casa.
Em meio ao caos de desinformação, o médico John Snow estudava os padrões de transmissão do cólera, mas foi ridicularizado ao defender que a doença era transmitida pela ingestão de água contaminada.
Snow traçou um mapa de todos os enfermos do bairro de Soho e apontou para a bomba da Broad Street como causadora do surto de cólera. Apresentou sua teoria ao conselho administrativo paroquial de St. James, convencendo os seus membros a desativar o poço da Broad Street.
Pela primeira vez, uma pesquisa científica se desvencilhou de lendas e preconceitos sociais para agir.
Posteriormente, a desativação daquela bomba d'água seria considerada como o marco histórico da Epidemiologia.
COLUNISTA Gualter Santana Pedrini ILUSTRAÇÃO Fernando Rocha Aguiar EDIÇÃO Marcio Isensee e Sá 25 de fevereiro de 2022
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