terreno hostil, jacarés e cobras para restaurar bosques de flores e água
A natureza imprimiu em cor e esculpiu na madeira das árvores a marca da tragédia climática no Pantanal. A memória da seca e das queimadas históricas de 2020 permanece acesa na Estação Ecológica de Taiamã, em Cáceres, no Mato Grosso. E é lá que cientistas buscam o segredo para restaurar paisagens, água e vida.
Berçário de aves e peixes, a unidade de conservação federal é uma ilha fluvial relativamente pequena. Mas se torna um lugar de vastidões selvagens porque nela o Rio Paraguai escavou um labirinto de meandros, baías e corixos, que se enrosca em si mesmo pelos campos inundáveis e parece não ter fim.
Água há por todo lado, mas não bastou em 2020 para segurar o fogo que queimou 35% da área da Unidade de Conservação, diz Solange Ikeda-Castrillon. A cientista explica que o fogo se propagou pelo batume, a miscelânea de plantas aquáticas flutuantes das margens pantaneiras em Taiamã. Extinto na superfície, continuava a arder por baixo.
Ikeda-Castrillon está à frente do Projeto de Restauração da Biodiversidade, Conservação das Águas e Prevenção dos Incêndios das Áreas Úmidas do Pantanal – Estação Ecológica Taiamã. Restaurar florestas e campos é difícil, mas no Pantanal é como trabalhar em terra incógnita.
“Nos outros biomas você espera chover para plantar mudas e sementes. Aqui, quando chove, alaga. O que se faz? Estamos correndo contra o tempo para descobrir”, afirma Ikeda.
Chegar ao abobral calcinado exige força, equilíbrio, fôlego e coragem. O batume afunda do nada. Não é solo para pés humanos. Um passo é na maciez da folhagem, que chega à altura dos olhos. O segundo é em falso, sobre uma cobertura flutuante, que cede ao peso do corpo e onde se afunda até acima da cintura. No passo seguinte, se tomba.
A fusão de água e mata alagada de Taiamã abriga tesouros de biodiversidade, como a maior densidade de onças-pintadas do mundo (12 a cada cem quilômetros quadrados). Ali as onças aprenderam a pescar tamanha a fartura de peixes.
As onças pescadoras de Taiamã são a primeira população de pintadas conhecida a basear a alimentação em peixes, segundo revelou estudo publicado ano passado na revista Ecology. Armadilhas fotográficas as flagraram capturando piranhas-vermelhas, pacus, cascudos e cacharas.