Azul é o céu. Verde é a mata. Branco estampa a areia das praias. Rosa pinta a paisagem, seja nas asas dos colhereiros ou nas copas dos ipês em flor.
Mas o Pantanal onde Enilza da Silva nasceu e se criou mudou. A beleza continua a imperar, mas a pescadora artesanal reconhece no cenário sinais de ameaças à natureza e ao seu modo de vida.
Dona Nilza, como ela é conhecida, tem 51 anos e mora num remanso, numa das incontáveis curvas do Rio Paraguai, nas cercanias do Morro Pelado, em Cáceres, Mato Grosso. A região é conhecida pela abundância de peixes, que sustenta a pesca e o turismo.
“O rio mudou muito nos últimos anos. Está assoreado, com menos água, mesmo fora da estação seca”, lamenta ela. Matas que nunca haviam queimado com intensidade arderam até virarem cinzas em 2020 e deixaram em seu lugar os escombros de árvores e o silêncio dos bichos que se foram e não retornaram.
“Depois do fogo, muitos bichos sumiram. Aqui tinha tanto bicho. Apareciam onças, antas, mutuns, macacos. Agora é raro”, diz a pescadora. Ela ainda chora ao lembrar dos gemidos de dor das onças e dos gritos de desespero dos macacos engolidos por labaredas.
Maior planície inundável do mundo, o Pantanal é Patrimônio Nacional pela Constituição de 1988 e Reserva da Biosfera da Unesco. É uma área de acumulação e purificação de água e centro de manutenção de biodiversidade.
Mas é consenso na ciência que não se pode pensar no Pantanal sozinho, isolado. Ele está no coração do Brasil, é influenciado pela Amazônia e depende umbilicalmente do que acontece no Cerrado do planalto, onde estão as mais de 4.000 nascentes dos rios, destaca Marcos Rosa, coordenador-técnico do MapBiomas.
“A maior ameaça ao Pantanal está fora dele, no planalto, que não tem a proteção do mesmo arcabouço legal. Sem as águas do planalto, o Pantanal deixa de existir, já passou da hora de integrar a proteção da bacia”, afirma Gustavo Figueirôa, diretor de Engajamento e Comunicação do Instituto Socioambiental da Bacia do Alto Paraguai SOS Pantanal.
Em sua casa aberta para a mata e o rio, dona Nilza espera que os bichos voltem. Quer de novo a algazarra dos macacos, as cores das araras e a magia das onças.
Também gostaria que populações tradicionais fossem ouvidas nas decisões que definem o rumo de suas vidas.