Recentemente zoos e aquários estiveram com os holofotes voltados para eles, por conta da vinda de dois ursos polares para o Brasil. Isso acirrou a já complicada disputa entre conservacionistas e defensores da “causa animal”.
Diante deste cenário, é interessante e esclarecedor discutir aqui alguns pontos do excelente artigo de Michael Hutchings e Christen Weemer “Wildlife conservation and animal rights: are they compatible?” (em português, “Conservação da vida selvagem e direitos direitos dos animais: eles são compatíveis?”).
Os autores fazem uma clara distinção entre o que eles chamam de ética de conservação ambiental e a ética dos direitos animais. As duas têm um ponto em comum que é a preocupação com animais. Mas daí para frente, o conflito surge especialmente por causa da abordagem e do escopo.
A ética de conservação ambiental tem como base a conservação da biodiversidade, o que significa que a prioridade não são os indivíduos, mas espécies, populações e ecosistemas como um todo.
A perspectiva da ética dos direitos animais ignora a importância de espécies e ecossistemas e enfatiza apenas o bem-estar de indivíduos, e usa a sensciência como única característica que merece um julgamento moral de como agir com relação aos animais. Defendem acirradamente a criação de “santuários”, onde cada animal possa supostamente viver feliz e não vêem legitimidade em programas de reprodução em cativeiro para conservação nem acreditam no trabalho de conscientização e educação que zoos e aquários podem realizar.
Preservação das espécies
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Os autores argumentam que esta perspectiva reducionista do mundo natural é ingênua. Para Rodman (1977), a cultura de liberação animal é uma filosofia antropomórfica, o que explica parte do seu apelo popular.
Geralmente os discursos contra zoos os acusam de “especismo”: colocar as necessidades humanas acima das dos não-humanos senscientes.
O que assusta no discurso do pessoal da Liberação Animal é justamente o desinteresse pela conservação. Literalmente nos dizem que a conservação que “se dane” se tiver que ser feita às custas da manutenção de animais em cativeiro. Essa visão é simplista e antropocêntrica. E geralmente vem associada a uma negação da ciência, pois acham que ela “justifica a exploração animal”.
Bons zoos e aquários seguem o caminho conservacionista: acreditam que devem fazer todo o esforço possível para a recuperação de espécies ameaçadas, pois elas são, como colocado pelos autores, representantes de um processo de degradação ambiental e importantes para a integridade de ecosistemas.
O fato de não termos indivíduos como prioridade não é descaso ou falta de preocupação com animais. Basicamente todos que trabalham em zoos e aquários amam animais. Mas conseguimos ter uma visão macro que nos permite pautar nossas ações com o objetivo de conservação.
O movimento de liberação animal nega qualquer legitimidade na associação de animais com benefícios financeiros. Na prática, quem trabalha com conservação sabe que muitas espécies terão mais chances de proteção se os projetos trabalharem a questão de geração alternativa de renda para as comunidades locais, ou investirem recursos para mitigar possíveis prejuízos que a fauna possa trazer para populações carentes. Por exemplo, em um artigo anterior, descrevi a importância da distribuição de galinheiros a donos de sítios para proteger suas aves, e assim evitar que eles matem os lobos.
Zoos na conservação
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Temos no Brasil um bom exemplo de que o recurso arrecadado por zoos e aquários possibilita a conservação de espécies na natureza. É o Projeto Tatu-Canastra, coordenado pelo biólogo Arnaud Desbiez. O projeto, desenvolvido no pantanal, tem obtido dados importantes e inéditos sobre uma espécie que era pouco conhecida. Este projeto acaba de receber o Whitley Award, o “Oscar Verde”, e tem 80% do seu financiamento proveniente de zoos. Como diz o próprio Arnaud “sem zoos, sem projeto”.
A Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB) fez em 2014 o Ano do Tatu, em parceria com este projeto, para divulgar entre os visitantes de zoos a importância da conservação dos tatus brasileiros. Uma parceria que permitiu que a mensagem do projeto tivesse um alcance que dificilmente alcançaria de outra forma.
O termo “sequestrar” animais na natureza também é uma constante nos ataques que recebemos. Claro, ignoram o fato de que muitas vezes a retirada temporária da natureza pode ser a única chance de sobrevivência de muitas espécies. O Amphinian Ark é uma entidade que busca assegurar a sobrevivência e diversidade das espécies de anfíbios com foco nas que não podem atualmente ser protegidas nos ambientes onde vivem, e eles indicam que pelo menos 500 espécies no mundo todo precisam ser resgatadas imediatamente na natureza para evitar que sejam extintas.
A SZB criou uma força-tarefa, Zoos Unidos pela Conservação de Anfíbios, e vamos começar a buscar parcerias com universidades para começar projetos de resgate e reprodução em cativeiro, sob a orientação do Amphibian Ark.
O mutum-de-Alagoas (Pauxi mitu) é um bom exemplo de uma espécie que só existe por causa da intervenção humana. Os últimos três indivíduos selvagens foram retirados da natureza praticamente enquanto a mata atrás deles era derrubada para o plantio de cana. Hoje o Programa de Reprodução em cativeiro é um sucesso e em breve a espécie deve ser reintroduzida em sua área de ocorrência. Se olharmos a questão do mutum-de-Alagoas pelo prisma da ética de liberação animal, o resgate das últimas aves na natureza nunca deveria ter sido feito, pois seus defensores em geral fazem a afimação – antropomórfica — que têm “certeza absoluta” de que “os animais prefeririam estar extintos do que confinados para o resto da vida”. Este é um exemplo do direito individual de cada animal colocado acima das prioridades de conservação e, mais, acima da razão e da coerência.
Os zoos brasileiros acabam de se juntar ao programa de reprodução em cativeiro da espécie, e também queremos auxiliar nos trabalhos de reintrodução.
Na SZB, acreditamos que o futuro dos programas de conservação de espécies ameaçadas é o “One Plan Approach” (ou Plano Único, em tradução livre), proposto pelo Grupo Especialista em Reprodução para a Conservação (CBSG), da IUCN. Esta é uma estratégia que propõe trabalhar a conservação de espécies de forma integrada, através do desenvolvimento de estratégias de manejo e ações de conservação por todas as partes envolvidas, seja dentro ou fora da área de ocorrência das espécies, o que inclui programas de cativeiro.
Ainda temos esperança que conservacionistas e ativistas da libertação animal possam encontrar uma forma de colaboração e trabalho conjunto, para combater o inimigo comum que é o uso insustentável dos recursos naturais.
Finalizo com uma ótima citação de Hutchings: “Aderir a uma filosofia que enfatiza a reverência à vida, mas ignora as condições para que ela exista, faz com que você seja infiel às suas próprias ideias”.
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Muito obrigado Yara ! Seu artigo como os outros que você nos deu o prazer de ler está correto e vem tentar explicar a importância da Conservação "ex-situ" para a sobrevivência de espécies em risco de extinção pela pressão demográfica humana ! O que seria da Mutum do Sudeste , da arara de Lear para ficarmos aqui no Brasil ou do Cervo de Pére David ou do Órix Damah se não fosse os zoológicos ?
Credibilidade de uma pessoa e de um grupo de pessoas que está salvando espécies da extinção. Isso é pouco para você?
Excelente artigo Yara! Brilhante iniciativa, pois precisamos mesmo debater mais isso!
Eu gostaria de saber qual a credibilidade de uma pessoa que trabalha para a indústria dos zoológicos em defender a indústria dos zoológicos e ainda se referir sarcasticamente aos veganos (o nome correto do 'pessoal da liberação animal').