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O promissor caminho da conservação privada em Curitiba

Um quinto da cidade é coberto por mata e a lei de RPPNs municipais aumentou incentivo para que proprietários conservem áreas florestadas.

Betina Bruel ·
12 de dezembro de 2013 · 11 anos atrás

RPPN Reserva Barigui, que fica dentro de Curitiba. Foto: Tarcisio Cavalcante
RPPN Reserva Barigui, que fica dentro de Curitiba. Foto: Tarcisio Cavalcante

Curitiba é uma das grandes cidades brasileiras localizadas no bioma Mata Atlântica. Situada no primeiro planalto paranaense, Serra do Mar acima, a 900 metros de altitude, sua paisagem original era formada pelos Campos Naturais, capões de Floresta com Araucária, rios, riachos, banhados e nascentes, e tribos tupis-guaranis. A primeira vilazinha de exploradores brancos à procura de ouro instalou-se na região em meados do século XVII, às margens do rio Atuba. Hoje, a cidade é uma metrópole com quase 2 milhões de habitantes e de seus campos naturais restaram apenas alusões nos nomes de bairros: Campo Comprido, Campina do Siqueira, Campo de Santana… Apesar das transformações, a Mata de Araucária resistiu e o verde-escuro das copas dessa magnífica árvore se destaca no cenário da cidade.

Segundo a Secretaria do Meio Ambiente de Curitiba, 18% da cidade estão cobertos por mata em diferentes estágios de regeneração e graus de conservação, mas trata-se, é certo, de vegetação de porte arbóreo. E destes, 75% são de propriedade particular. Os números foram levantados em 2012.
Leis municipais sobre o zoneamento e o uso do solo restringiram a ocupação em terrenos com vegetação, e seus proprietários hoje se sentem donos de um elefante branco. Cuidar de uma floresta em plena cidade não é tarefa fácil, nem barata. Desmatar é contra lei, se bem que matas continuam desaparecendo do dia para noite e, mesmo abafado, o barulho dos motosserras continua a ser ouvido.

RPPNs municipais

Para incentivar a preservação da mata, instituiu-se em 2006 uma lei sobre RPPNs Municipais em Curitiba.

Prevista no Sistema Nacional de Unidades de Conservação, a RPPN – Reserva Particular do Patrimônio Natural é a única categoria de Unidade de Conservação privada, e a sua criação é um ato voluntário que parte do desejo de seu proprietário de assegurar a preservação do patrimônio natural que possui. Mais comuns de serem criadas longe dos grandes centros, as RPPNs urbanas são raras e desconhecidas pela maior parte da sociedade.

Curitiba possui algumas peculiaridades que a tornaram famosa, como ser a capital mais fria do Brasil (com seus moradores igualmente frios e fechados), a capital ecológica, a cidade verde, bonita e boa de viver. Mas, o que poucos sabem, até mesmo os curitibanos, é que a cidade possui 12 RPPNs! Juntas, elas somam mais 111 mil m2 de floresta protegida a poucos quilômetros do centro agitado da capital. Seus proprietários são também bastante peculiares e vêm chacoalhando o tema de conservação de áreas privadas, assunto jogado para escanteio no Brasil.

Há quem considere esses proprietários loucos — inclusive funcionários da própria prefeitura — por terem decretado perpetuidade à floresta em áreas nobres da cidade, quando poderiam lucrar milhões com a venda do imóvel para incorporadoras. Sanos ou não, a cidade precisa deles, e também das centenas de outros proprietários de imóveis com floresta. E ela que assegura, entre outros serviços ambientais, a boa qualidade do ar, numa das cidades com a maior frota de veículos por habitante.

As RPPNs cumprem um papel importantíssimo na conservação da biodiversidade no Brasil e seus proprietários devem ser reconhecidos e recompensados. Nada mais justo, uma vez que todos compartilham dos benefícios.

Em Curitiba, a recompensa é a permissão da venda do potencial construtivo, isto é, os metros quadrados inexplorados no terreno decretado Reserva poderão ser vendidos para construtoras aumentarem os pavimentos em prédios que ficam em outras áreas. Esta conta é complicada, inclui fórmulas mirabolantes, e os proprietários de RPPN em Curitiba têm enfrentado inúmeras dificuldades neste processo. Mas eles querem eternizar essas matas e estão dispostos a enfrentar o que for preciso pelas araucárias, cedros, xaxins da cidade e seus tucanos, saracuras, preás, bugios e borboletas. Que esta loucura pela natureza seja contagiosa!

Curitiba tem potencial para mais de 500 Reservas. E com certeza ficaria conhecida como a cidade dos loucos pela conservação. Esperamos que sim!

 

*Betina Bruel é Bióloga, Mestre em Ecologia e Conservação e Técnica do ConBio.

 

 

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