Quem acha que o nome científico dado a plantas e animais só serve para discussões acadêmicas, precisa conhecer a história de Eugênia. Eugenia copacabanensis, bem entendido. Graças a este batismo geograficamente explícito, ela está de volta às suas areias natais, de onde ficou afastada por mais de meio século.
É prima da pitangueira comum, Eugenia uniflora, e o parentesco famoso leva muita gente boa, como o ambientalista Arthur Soffiati a chamá-la de pitangueira-de-Copacabana. Outros tantos a conhecem como araçá da praia, e o Jardim Botânico diz que Eugênia, para os íntimos, atende por cambuí-amarelo-grande. É uma árvore de porte médio, típica de restinga, com frutos pequenos e amarelo-esverdeados.
Descoberta pelo paisagista francês August Glaizou no final do século XIX, tornou-se planta reconhecida cientificamente em 1893, ganhando de um tal Kiaersk o nome do bairro onde foi encontrada. Mas logo chegou a urbanização galopante do século XX e Copacabana virou formigueiro humano, sem espaço para as plantas de restinga que povoavam os contornos de sua praia. O cambuí sumiu de lá, mas sobreviveu em outras localidades litorâneas do estado do Rio, como em Maricá e na restinga da Marambaia.
E levou Copacabana no nome. Foi o que descobriu um curioso que a avistou em Maricá, e se deu ao trabalho de ir investigar sua identidade no Jardim Botânico do Rio. Isso já fazem uns 40 anos. De lá pra cá, houve algumas iniciativas de trazer a boa filha de volta a casa. Mudas de Eugenia copacabanensis foram plantadas no Parque da Chacrinha e no Forte do Leme. Meio caminho andado. Retornou ao bairro, mas até hoje estava afastada de seu habitat: a areia da praia.
Na semana passada a história ganhou final feliz. Por iniciativa do programa “Um Pé de Quê?”, do Canal Futura, o cambuí-amarelo-grande foi replantado em um jardim à beira-mar, junto com outras seis espécies de restinga. O mini jardim botânico fica junto à Colônia de Pescadores de Copacabana, na altura do Posto 6, bem à vista dos passantes do calçadão e da ciclovia.
Há cinco anos no ar, “Um Pé de Quê?” tornou-se o maior sucesso do canal educativo a cabo. A cada programa, Regina Casé apresenta uma espécie de árvore brasileira e conta sua história, suas curiosidades e seu significado para a vida das pessoas. Quase cem árvores já protagonizaram o programa. No início escolhidas aleatoriamente, em 2004 foram apenas espécies amazônicas. Este ano, o tema é mata atlântica. O que levou a produção a repensar o formato da atração.
“Nos deparamos com números e situações muito graves”, diz Estevão Ciavatta, marido de Regina e diretor do programa. Ele explica que nunca adotou uma linha denuncista ou um discurso militante. A idéia é conquistar as pessoas pelo reconhecimento das plantas como parte integrante de suas vidas. “Entendendo a paisagem onde moram, elas se interessam e passam a cuidar. Lixo atrai lixo. Beleza atrai bem-estar”, resume. Mas confessa que a parceria com a ong SOS Mata Atlântica, para a temporada de 2005, e o quadro de degradação constatado, fez surgir um tom mais crítico e a vontade de intervir na realidade com ações práticas.
No programa sobre o xaxim, por exemplo, eles flagraram a venda indiscriminada da planta em vários quiosques das capitais. A espécie está ameaçada de extinção e sua comercialização é proibida. O último episódio de 2005, por sinal, terá como tema justamente as espécies ameaçadas de extinção.
Foi de Estevão a idéia de replantar a Eugenia copacabanensis nas areias que a batizaram. Lembrou do canteiro da Colônia dos Pescadores, um espaço esquecido em área nobre do lazer e turismo da cidade. Para passar da idéia à execução, só encontrou portas abertas. A Colônia achou ótimo alguém querer dar uma melhorada no seu canteiro. A Fundação Parques e Jardins, da Prefeitura, topou criar o jardim de restinga e apresentá-lo como parte do projeto Flora do litoral, que valoriza a arborização urbana com plantas nativas. Além do plantio das seis espécies de restinga, repintou o espaço e substituiu bancos velhos e tubulações enferrujadas. Um coqueiro e uma amendoeira, que já estavam lá, foram mantidos com todo direito. Já um pinheiro que surgiu não se sabe quando nem vindo de onde, foi tirado de cena, por intruso (clique aqui para ver o mapa do parque).
“Um Pé de Quê?” ganhou um programa com tema pra lá de charmoso (estréia no Futura, canal 32 da Net). E um jardineiro aposentado chamado Antônio, que todos os dias sai do Méier, no subúrbio do Rio, para cuidar do canteirinho dos pescadores, foi presenteado com uma nova ocupação: a de guardião da restinga em Copacabana.
De quebra, Estevão Ciavatta viu comprovada sua tese: canteiro pronto, às vésperas da inauguração, os pescadores da colônia resolveram pintar por conta própria a estrutura metálica adjacente ao jardim. “Fiquei feliz em ver como eles se mobilizaram. Só o anúncio do jardim já está fazendo as pessoas ficarem mais cuidadosas com o lugar”. Beleza atrai beleza.
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