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A última cartada

Em entrevista exclusiva, ministra Marina Silva diz que ainda aposta na lei de concessões florestais. O futuro da Amazônia, segundo ela, está nas mãos do Senado.

Cristina Ávila ·
18 de novembro de 2005 · 19 anos atrás

Ninguém espera que ministro do Meio Ambiente, no Brasil, tenha vida fácil. O assunto está no fim da fila das prioridades administrativas, políticas e orçamentárias, além de não render voto.

Ainda assim, no início do governo Lula criou-se grande expectativa em torno da atuação de Marina Silva, senadora do PT e ambientalista respeitada por sua atuação no Acre.

Chegando ao fim do terceiro ano de sua gestão, ela coleciona mais derrotas do que vitórias à frente da política ambiental brasileira. Transgênicos, hidrelétricas e grandes obras de infra-estrutura atropelam as tentativas de precaução ambiental. Resultado: sobra para a ministra. Em vários momentos de impasse, foi dito que Marina Silva estava enfraquecida e sairia a qualquer momento. Mas ela seguiu em frente, com estilo manso e discurso conciliador.

Para coroar sua atuação com uma conquista de peso, Marina aposta tudo no projeto de lei que abre concessões para a exploração econômica das florestas públicas. Aprovado na Câmara, o PL estancou num impasse político que parece não ter fim, e já cheira a gaveta, às vésperas de ano eleitoral. “O problema hoje é o PFL”, ela reconhece. E não tem resposta pronta sobre os rumos da política para a Amazônia, caso seu principal projeto seja arquivado. “Pergunte ao Congresso”, esquiva-se.

Num vôo de 40 minutos, entre Porto Alegre e Bagé, no Rio Grande do Sul, Marina Silva concedeu esta breve entrevista a O Eco, analisando os embates de sua gestão.

Por que é preciso liberar a exploração das florestas públicas?

Marina Silva – É fundamental. Se a floresta em pé é rentável, é claro que se vai evitar que se derrube para outras atividades. Estamos aproveitando experiências já desenvolvidas por movimentos sociais e instituições de pesquisa que iniciaram a trajetória de manejo, principalmente no Acre e Pará, inclusive a Embrapa. Temos uma economia florestal, temos a maior floresta tropical do mundo e mais de 80% da madeira do país vem dessa floresta. E nunca se pensou em fazer uma lei para regulamentar o uso das florestas públicas, que eram simplesmente griladas e garimpadas ao longo de todos esses anos.

A senhora ainda acredita que a lei seja votada este ano?

Marina Silva – Tudo o que podia ser feito, foi feito. O PFL é que não concorda em botar a lei em votação. Não sei qual é o problema, já que não se trata mais de uma questão de mérito. O próprio líder do PFL, senador José Agripino, foi relator da matéria na Comissão de Mérito. Ela foi aprovada em todas as comissões, agora está no plenário. Mas eles estão impondo resistência.

Isso tem a ver com o momento de fragilidade do governo?

Marina Silva – Eu espero sinceramente que não. A Amazônia está acima dos problemas políticos. Por isso eu pedi ajuda para todo mundo. Pedi ajuda para o ex-presidente Fernando Henrique, para ele conversar com o PSDB. Ele me disse que ligou para o deputado [Alberto] Goldman. Foi assim que o projeto foi aprovado na Câmara. Conversei com todos os partidos. No Senado, conversei com o senador Artur Virgílio. O senador Jefferson Perez, muito embora seja de oposição, é um homem que sabe o quanto isso é importante para a Amazônia. O problema hoje é o PFL, e eu não consegui alcançar do que se trata.

A senhora esperava tantas dificuldades à frente do Ministério?

Marina Silva – Quando aceitei o convite do presidente Lula para ser ministra, sabia que não seria fácil. Claro que quando a gente se depara com a estrutura em si, percebe que existe uma trajetória muito grande a ser seguida, que é a implementação da lei. Os meus antecessores, como [José] Lutzenberger e o dr. Paulo Nogueira Neto, desde a Secretaria Nacional de Meio Ambiente, contribuíram na criação do marco legal para o país. O desafio agora é implementar a legislação já existente e criar outras que passem a trabalhar a questão do uso dos ativos ambientais, em base sustentável. Não se trata apenas da regulação do que pode ou não, mas de como pode. E, quando não pode, deve ser aplicada a lei.

Por que é tão difícil aplicar a lei?

Marina Silva – Quando você está fazendo a lei, a maior parte das pessoas recebe isso como algo positivo, ainda não caiu a ficha de que aquilo pode ferir alguns interesses setoriais. Quando você tem a tarefa de implementar a lei, aí as pessoas começam a verificar: “Opa, então esse negócio significa que eu não posso fazer a hidrelétrica de qualquer jeito, que não posso fazer a estrada de qualquer jeito?”. Isso significa ferir determinados interesses imediatistas que no processo da feitura da lei não são tão visíveis.

O combate ao desmatamento na Amazônia ainda está aquém do desejado?

Marina Silva – É meu maior desafio. Em 2001/2002, o desmatamento chegou a crescer 27%. A questão ambiental era tratada só pelo Ministério do Meio Ambiente, querendo segurar ações predatórias, e quando chegava o momento da divulgação do índice ele tinha que, sozinho, fazer o anúncio. Sem que os setores que causam impacto ambiental, na área de infra-estrutura e de agricultura, tivessem qualquer envolvimento. Quando assumimos o governo, 13 ministérios passaram a se empenhar no combate ao desmatamento. Operações da Polícia Federal, Ministério Público e Ibama resultaram na prisão de 186 pessoas, inclusive servidores públicos…

Mas demora.

Marina Silva – Avisamos que não faríamos pirotecnia, que íamos criar uma coisa que demorava, mas seria consistente. Criamos, junto com o Ministério de Ciência e Tecnologia, um sistema de detecção do desmatamento em tempo real dando total transparência a uma informação que as pessoas só tinham em números secos. As imagens de satélite são disponibilizadas na internet. Esse esforço fez o desmatamento sair de um crescimento de 27%, em 2002, para uma queda de 40% em 2005.

Obras como a BR-163 (Cuiabá-Santarém) não são um estímulo ao desmatamento?

Marina Silva – A BR-163 poderia ser feita no governo anterior, sem política de desenvolvimento sustentável, no coração da Amazônia, com desmatamento crescendo a 27%. Paramos o processo de licitação para a construção, sugerimos ao Ministério dos Transportes um Plano de Desenvolvimento Sustentável da BR. Isso nunca foi feito na história deste país: o setor ambiental chegar para os governadores, prefeitos, para o ministro dos Transportes, e dizer “A estrada só pode ser feita se forem criadas unidades de conservação, demarcada a terra indígena”. Se o setor de Transportes vai fazer a estrada, é uma questão de priorizar recursos. Mas o arranjo social, ambiental e econômico foi feito, por um conjunto de 18 ministérios.

Em meio a embates…

Marina Silva – Não vejo isso como embate. Cumprimos com a função de fiscalizar, de controlar, ao mesmo tempo em que se coloca para os demais setores de governo que devem estar preocupados com o critério de sustentabilidade. Vejo isso como a construção de um novo processo, que é difícil, tensionado, e precisa capacidade de diálogo. Sem preocupação com a imagem. Se você acumulou credibilidade pelo trabalho já feito, tem que usar essa credibilidade para continuar fazendo coisas. Senão você morre empanzinada com a sua credibilidade.

Qual foi sua maior briga dentro do governo?

Marina Silva – Um embate público foi a questão dos trangênicos. O Ministério do Meio Ambiente propunha uma lei que possibilitasse a coexistência de trangênico e não-trangênico. Isso só é possível se tiver licenciamento ambiental, rastreabilidade, se tiver segregação na hora do beneficiamento, no transporte. A lei aprovada foi excessivamente permissiva. Tivemos uma disputa, não se pode confundir com inimizade. Mas, de fato, o Ministério do Meio Ambiente foi derrotado, foi derrotada a legislação ambiental, a Constituição Federal e todos os acordos que o Brasil assinou. Da Convenção da Biodiversidade ao Protocolo de Cartagena, que preconizam a precaução.

Como a senhora lida com tantas críticas?

Marina Silva – O Brasil não me conhecia antes. No meu estado, eu era criticada 24 horas pelo que eu fazia. Vi várias pessoas ligadas a mim não só serem criticadas, mas morrerem. Fiquei durante quatro anos sem poder andar na metade do meu estado, sob pena de ser linchada. Eu era contra o desmatamento e contrariava uma série de interesses. Chegaram a fazer uma campanha de que eu era contra o desenvolvimento. Não podia sequer dar minha versão nos meios de comunicação. O que se faz não é para aparecer, se cacifar para alguma coisa. Sempre fiz o que era justo, mesmo quando não rendia simpatia e voto.

Se o Projeto de Lei das Florestas Públicas não passar no Senado, como fica a política para a Amazônia?

Marina Silva – Essa é uma boa pergunta para se fazer ao Congresso Nacional. Os criminosos estão sendo punidos. Os produtores corretos precisam da lei para viabilizar seus empreendimentos. E os que fazem errado porque não tiveram alternativa querem se legalizar. A bola está na mão do Congresso em relação à política florestal.

* Cristina Ávila é jornalista freelancer em Porto Alegre e tem 25 anos de profissão.

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