Quanta diferença um ano novo às vezes faz.
Por essa época, em 2005, nem os madeireiros que exploram os recursos naturais da floresta amazônica legalmente queriam ouvir falar do governo por conta do que classificavam de excesso de burocracia e fiscalização para liberar seus planos de manejo na região. Era o prenúncio de ano ruim para o setor. E foi. Nem as madeireiras certificadas escaparam. O Ibama não soltou seus Planos de Operação Anual (POA) e elas não puderam cortar praticamente nada da mata. No segundo semestre, sem madeira para trabalhar no pátio de suas serrarias, demitiram empregados e aumentaram o seu grau de mau humor com o governo. Algumas operaram graças apenas à liminares obtidas na Justiça.
O clima só começou a desanuviar com a aprovação do Projeto de Lei de Florestas Públicas em janeiro. Ele estabeleceu um novo marco legal para o corte de madeira em terras da União, estimadas em 40% da extensão total da Amazônia e foi aplaudido de modo quase que unânime por quem corta madeira na região. A recepção dada à ministra Marina Silva pelos expositores na Feira de Produtos Certificados em São Paulo, na semana passada, prova que a situação mudou. Foi beijinho para lá, sorrisos para cá, indicando que o relacionamento entre as partes voltou a ficar mais ameno. Não, entretanto, necessariamente mais tranquilo. “Ainda é cedo para dizer que tudo voltou à normalidade”, afirma Leonardo Sobral, gerente de marketing da Cikel, uma madeireira certificada do Pará.
“As chuvas aqui tem sido rigorosas, o que está dando tempo de trabalhar junto com o Ibama para liberar os nossos Planos de Operação Anual (POA)”, diz ele, referindo-se ao papelucho que permite os detentores de planos de manejo autorizados a entrarem nas suas áreas para trabalhar. Vão sair? “Tudo indica que sim. Estamos na reta final. Quando saírem, direi a você que estou tranquilo”. Adalberto Veríssimo, do Instituto do Meio Ambiente e do Homem da Amazônia (Imazon) conta que assim como as certificadas, a indústria de madeira da região que tem interesse na exploração legal está cheia de esperança, mas cautelosa. “Eles estão dando tempo ao governo para ver como é que o novo marco legal toca suas vidas”, diz. “Ao contrário do ano passado, pelo menos agora não tem quase ninguém reclamando”.
Quem chia
A exceção fica por conta dos madeireiros do Sudoeste do Pará, que andam berrando e fazendo pressão para o governo desatar o nó legal em que se meteu a exploração madeireira naquela área. No dia 12 de abril, uma delegação do governo federal esteve a ponto de desembarcar em Novo Progresso, na região da BR-163 para conversar com a liderança dos madeireiros locais. Mas a reunião, segundo as autoridades, acabou cancelada. “Não cancelamos nada”, diz Luis Carlos Tremonte, vice-presidente do Sindicato da Indústria Madeireira do Sudoeste do Pará (Simaspa). “Eu disse apenas que se era para eles virem e não dar uma solução, melhor não aparecer”. Claro, ninguém apareceu.
Até porque, como o próprio Tremonte reconhece, qualquer solução para liberar os planos de manejo no Sudoeste do Pará é, do ponto de vista legal, no mínimo complexa. Há quem diga até que ela é impossível. O problema da região reside principalmente na sua história de ocupação ilegal do solo. Lá, desde 2004, 202 planos de manejo foram cancelados ou por irregularidades na sua execução ou porque foram pegos por uma portaria do Incra ordenando o recadastramento de áreas de posse superiores a 100 hectares. No final de 2005, Ibama, Incra, Ministério Público e lideranças madeireiras chegaram a um acordo sobre um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que permitiria a liberação dos planos de manejo.
O que complicou a coisa foi que seu texto, para acompanhar o novo marco legal estabelecido com a aprovação da lei de Florestas Públicas, obriga o madeireiro a renunciar à reclamação de posse da terra no Incra como passo necessario para ter seu plano de manejo aprovado. Tremonte conta que até novembro 45 contratos com base neste TAC tinham sido assinados. Mas apenas 4 foram liberados. Ele jura que os madeireiros da região se sentem enganados pelo governo federal. “Demos o nosso apoio a tudo que eles queriam e o resultado é esse: continuamos parados”, diz. “Não é simples”, diz Tasso Azevedo, diretor de Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“O que está acontecendo é que lá o madeireiro fez plano de manejo em cima da posse de outro. E o sujeito que tem a posse não quer abrir mão dela”, continua, reconhecendo que apesar disso, de fato 45 contratos com base no TAC foram assinados. Mas não foram liberados porque as assinaturas não batem com os cadastros que existem no Incra e no Ibama. “Tem posseiro assinando plano de manejo no Ibama e madeireiro assinando contrato no Incra. Assim fica difícil”, diz Azevedo. O vice-presidente do Simaspa reconhece que a situação fundiária no Sudoeste do Pará complica a vida de seus liderados. Mas insiste que o governo faça alguma coisa.
Culpa
“Serrarias estão fechadas, há desemprego. A crise social é horrível. O governo precisa fazer algo”, diz Tremonte, afirmando ainda que a postura dura das autoridades está empurrando muito madeireiro para a ilegalidade. “Não vou mentir. Tem gente que precisa comer”. Azevedo, do MMA, rejeita a acusação de que o governo é quem tem culpa pelo desastre social. “Não incentivamos esse tipo de ocupação e mesmo que liberássemos todos os planos de manejo de lá, isso não chegaria a suprir 20% do consumo histórico da região”, diz. “É verdade”, reconhece Tremonte. “Mas isso não quer dizer que podemos conseguir madeira ilegal fácil”. O que também não deixa de ser verdade.
Estimativas do Imazon dão conta que o consumo de madeira pelas serrarias locais, que em 2002 alcançou um pico de 600 mil metros cúbicos, no ano passado ficou em apenas 130 metros cúbicos. O problema de Tremonte e seus associados no Simaspa é que eles foram atropelados pelo novo marco legal com poucas ou nenhuma condição de se adaptarem a ele. Salvação, só mesmo se o governo resolver abrir exceções às suas regras. E isto está difícil, o que significa que para os madeireiros do Sudoeste do Pará é quase certo que este ano vai ser igualzinho ao que passou.
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