Terminou no último dia 17 o encontro anual dos países integrantes do G8 (as sete nações mais ricas do planeta, mais a Rússia), na cidade de São Petersburgo. O bombardeio israelense ao Líbano tomou conta das discussões, mas sobrou um pequeno espaço de tempo para se tratar de segurança energética, assunto previsto na pauta.
O tema, proposto pelo presidente anfitrião, Vladimir Putin, foi alvo em junho de um manifesto encomendado às academias de ciência dos países participantes (incluídos os convidados Brasil, China, Índia e África do Sul). Os cientistas recomendaram aos chefes de estado que investissem maciçamente em infra-estrutura, para efetuar uma “transição para sistemas sustentáveis de energia limpa, a custos aceitáveis e sustentáveis”.
Queriam que os governos focassem seus esforços em estimular pesquisa e tecnologia em alguns campos, como eficiência energética, hidrocarbonetos não convencionais (como petróleo de difícil acesso, retirado de águas profundas ou da zona polar) e carvão “limpo”, com seqüestro de CO2. Falaram também em energia nuclear inovadora, fontes renováveis de energia, e uso de biomassa para produção de gás combustível.
O documento foi usado como base científica para o debate entre os governantes, que no domingo, dia 16, produziram uma declaração fraca, dizendo que cada nação tratará do tema como lhe convir. “Reconhecemos que os membros do G8 seguem caminhos diferentes para atingir as metas de segurança energética e proteção climática”, diz o texto no ponto sobre energia nuclear.
O modelo nuclear é uma bandeira levantada pelos americanos e ingleses, mas que os alemães adorariam queimar – eles se comprometeram a acabar com suas próprias usinas até 2020. O documento final do encontro fala da importância de pesquisas que levem às tecnologias inovadoras citadas pelo parecer das academias, e até lembra o vigésimo aniversário do acidente em Chernobyl. Mas os países que apostam na energia nuclear não abrem mão das usinas que já têm, ainda que se proponham a aumentar a sua segurança. Na declaração, eles chegaram a se comprometer a “reduzir os riscos associados ao uso seguro da energia nuclear”. Ou seja: uso seguro, mas arriscado.
Também fica explícita no texto a divergência em relação ao Protocolo de Kyoto, acordo favorável à diminuição das emissões de CO2 que os Estados Unidos se recusam a assinar. “Aqueles de nós comprometidos em fazer do protocolo de Kyoto um sucesso ratificam a importância que lhe emprestamos”, dizem os governos. Poertanto, há quem pouco se importe com o sucesso do protocolo.
Para o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Eduardo Klieger, que participou da formulação do manifesto científico em junho, só o fato de os governantes demonstrarem preocupação com o futuro dos modelos energéticos utilizados hoje representa um avanço. Esta é a segunda vez que academias de ciência do mundo se unem a pedido de um dos chefes de estado do G8 para produção de pareceres sobre temas específicos. No ano passado, o primeiro-ministro inglês Tony Blair encomendou estudos sobre alimentos na África e aquecimento global.
Retrocesso
A segurança energética é um dos argumentos que têm sido usados pelo presidente norte-americano George W. Bush para a não-assinatura do tratado de Kyoto. Ele alega que a adesão colocaria em risco o abastecimento de energia dos Estados Unidos. Klieger reconhece que a escolha do tema este ano pode representar um retrocesso para o meio ambiente em relação às discussões de 2005, quando os países explicitavam mais abertamente a necessidade de agir para reverter o quadro das mudanças climáticas. Mas ele acredita que as resistências, mesmo por parte do governo americano, têm sido quebradas aos poucos. “Bush já fala bastante em utilização de etanol, lá proveniente do milho. Mas é lógico que as mudanças deveriam ser mais rápidas”, diz o cientista.
A mudança climática causada pela poluição atmosférica proveniente da queima de combustíveis para produção de energia – e portanto pelo homem – já é fato científico comprovado. Pesquisadores do mundo inteiro têm alertado para o problema há anos. Mas só agora, segundo Klieger, começa a aparecer maior consciência por parte dos chefes de estado, principalmente da Europa.
Para ele, a política não age ainda em harmonia com o que diz a ciência por conta da complexidade econômica de se adotar as medidas necessárias. “Não é mais falta de conhecimento. Mas agir, neste caso, pode afetar a economia dos países e, também, diretamente a vida de sua população, que pode não apoiar as ações. Todo mundo quer usar automóvel aos montes, sem precisar se preocupar com a poluição”, explica Klieger. Ao menos em uma declaração do presidente da França, Jacques Chirac, essa conscientização parece estar em estado avançado. “A humanidade está dançando na beira de um vulcão”, concluiu ele em São Petersburgo.
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