Tem assunto que volta sozinho. Não aprende a ficar quieto no seu canto, nem quando os brasileiros estão ocupados demais com a Copa do Mundo para ouvir falar deles. Como o guarda-parque Marcos Botelho, homageado esta semana num aniversário que não era bem o seu, mas o do Parque Nacional do Itatiaia, o que no caso vem a dar quase no mesmo. A festa se contentou com o que o eterno aperto do Ibama permite. Teve “Caminhada ecológica” no planalto das Agulhas Negras, concerto ao ar livre com músicos da serra e piquenique com queijos e vinhos no abrigo Rebouças, presenteado com uma placa dizendo que seu nome se deve ao engenheiro André Rebouças, que andou lá por cima no século XIX e foi o primeiro brasileiro a falar em parques nacionais, mal os Estados Unidos patentearam a idéia em Yellowstone.
Ou seja: a data tinha tudo para, fora dali, passar em branco, se não incluísse uma homenagem aos “relevantes serviços prestados pelo servidor do PNI Sr. Marco Antônio Moura Botelho”. Não é todo dia que neste país aparece um bom motivo para se homenagear um funcionário público. Muito menos um negro de cabeça branca, que estreou no parque capinando beira de estrada e quase 40 anos depois estava metido, com sua brigada de combate a incêndios, no batente pesado, quando a copa de um eucalipto lhe entortou o braço esquerdo e o fim de carreira. O primeiro parque do Brasil fez 69 anos. O currículo de Botelho cobre mais que a metade de sua história.
Na ativa, ele parecia inquebrável. Não tinha hora para subir a montanha. Emendava meses sem folga. Fazia planos de morrer escalando as Agulhas Negras. Era capaz de atravessar a mata mais densa do parque por trilhas que só existiam em sua memória. Apagou fogo em Roraima, fez cursos nos Estados Unidos e um dia saiu na primeira página do Wall Street Journal. Guiando pesquisadores nos labirintos do parque, virou um arquivo ambulante de informações botânicas e zoológicas. E foi citado, pelo apelido Marcão, em muita tese de doutorado. Tudo por R$ 2 mil de salário. Doente, encostado, Marcão provou a outra banda do serviço público. O braço não cicatrizou. O seguro de saúde não cobriu as sessões de fisioterapia que mantêm os movimentos do braço deformado. Com o acidente de trabalho, veio à tona uma infecção que tornou a fratura inoperável. E o processo para indenizá-lo paralisou-se no Ibama. Ainda bem que pelo menos Itatiaia não se esqueceu dele na festa de aniversário.
Grande Sertão
Outro parque que volta por sua conta e risco é o do Grande Sertão Veredas, trazido pela resposta de “um jagunço, direto dum lugarejo perdido no meio do cerrado que é a metade norte de Minas Gerais”, a comentários que sairam aqui no cinqüentenário do livro de Guimarães Rosa. A mensagem veio sem assinatura. Mas o endereço do e-mail identificava o remetente como José Luiz Neto. E seu texto é coisa muito fina. “Na condição de Geraiseiro”, ele dá notícias frescas do estado em que se encontra, na vida real, a paisagem que no romance virou obra-prima.
O Urucuia, “paz das águas, ainda vem dos montões oestes” e “continua piscoso e preservado”. No município de Buritis, “próxima ao local onde FHC tinha suas terras”, ele “banha a antiga fazenda Santa Catarina, aquela da noiva do Riobaldo”. Andrequicé ainda é o mesmo “povoado do município de João Pinheiro, centro de peregrinação de romeiros devotos de Santa Luzia”. Mas Traçadal, nas margens do rio do Sono, “finou-se há muito”.
Conta tudo isso para lembrar que Grande Sertão: Veredas “não é um romance do Rosa”, pelo menos “para nós que vivemos nesta região”, reconhecendo em sua topomínia, sua gente e sua topografia “uma fiel reportagem do Rosa, poeticamente romanceada, mas tratando de casos reais que ele não presenciou, mas cujos relatos recuperou durante suas viagens”. Os Gerais, ele informa, são “o país real”, porque “o Grande Sertão nunca foi imaginário”. Só “o Coisa Ruim, Diacho, Capeta” não está mais ali para propor pactos a Riobaldo Tatarana. Mudou-se “há muito dos buritizais, depois que eles ficaram ralos”. Dizem que foi “prá Brasília”, onde encontrou “lugar apropriado para a escondeção”.
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