Reportagens

Um problema visto de cima

Secretário de Meio Ambiente de São Paulo sobrevoa mosaico de unidades de conservação da Juréia-Itatins e se compromete com mudanças a favor da preservação da Mata Atlântica.

João Teixeira da Costa ·
8 de março de 2007 · 18 anos atrás

No dia 2 de março o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano, embarcou em um helicóptero com tempo de sobra para chegar em Peruíbe, para a reunião extraordinária do Conselho Consultivo da Estação Ecológica Juréia-Itatins (EEJI). O objetivo era aproveitar a folga no relógio para fazer um vôo panorâmico sobre as unidades de conservação do mosaico e ver o que a região tem de especial e o que ela tem de problemático.

Mas antes disso a comitiva – Graziano, José Pedro de Oliveira Costa, e o novo diretor-executivo da Fundação Florestal, José Amaral Wagner Neto – fizeram um pequeno desvio de rota para que Graziano visse com os seus próprios olhos as notórias áreas invadidas do município de Cubatão: os bairros dentro do Parque Estadual da Serra do Mar e as vilas que avançam sobre os mangues. O governador José Serra colocou a remoção dessas invasões entre as suas prioridades de governo, e Graziano promete fazer a sua parte: tirá-los de lá. Primeiro, o governo do estado precisa encontrar um lugar para mandar os invasores. Até lá será necessário manter um modus vivendi com esses moradores – e com o prefeito de Cubatão, que não vem demonstrando muito entusiasmo pelo projeto.

A bordo do helicóptero, o arquiteto José Pedro de Oliveira Costa– primeiro secretário do meio-ambiente do estado de São Paulo, padrinho da Estação Ecológica, e negociador do acordo que levou à criação do mosaico – contou um pouco da história da ocupação do litoral sul do estado e dos critérios que orientaram a criação da EEJI. Seguindo a linha do litoral – Praia Grande, Mongaguá, Itanhaém, Peruíbe – constatamos que se a frente do mar está quase totalmente ocupada, ainda resta verde entre a praia e a Serra do Mar, protegida pelo Parque Estadual.Mas a urbanização avança rapidamente, e são numerosas as casas de veraneio muito novas.

José Pedro guiou o sobrevôo do mosaico Juréia-Itatins, indicando para o comandante do helicóptero as direções e chamando a atenção de Graziano para as fisionomias dos diferentes trechos das áreas de proteção e do seu entorno. Lá do alto é possível apreciar a beleza da Serra do Itatins, assim como as zonas da baixada – as últimas preservadas do estado. Nos momentos em que o helicóptero se aproximou mais dos morros, notamos a presença de árvores grandes, portanto, antigas.

A perspectiva aérea também permitiu ver claramente as áreas problemáticas. Do lado de fora do mosaico, o pior problema se chama Vista Grande. Antiga fazenda desapropriada pelo governo federal na década de 80, foi abandonada pelo INCRA. A cena atual é de devastação. A derrubada dos remanescentes florestais é visível e aparentemente recente. De acordo com José Pedro, não é fácil determinar a quem pertencem essas terras. Graziano, por sua vez, quer acionar o INCRA na justiça.

O helicóptero sobrevoou também as Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) estabelecidas pela lei 12.406 de 2006, que criou o Mosaico de Unidades de Conservação. São duas as principais: a de Barra do Una, em frente ao mar, próxima a Peruíbe, e a do Despraiado, que compreende o vale do rio do mesmo nome, na parte noroeste do mosaico. Vista do alto, a RDS do Despraiado parece um imenso bananal. O plano do governo do estado, no entanto, é trabalhar com os moradores dali no sentido de recuperar os ecossistemas afetados. RDS, afinal, também é unidade de conservação. 

O ponto alto do programa, no entanto, estava em terra. O helicóptero desceu em um braço de areia na foz do Rio Verde, um dos trechos mais bonitos e mais preservados da Juréia. Dois funcionários do Parque o esperavam com um pequeno barco a motor para levar o secretário e sua comitiva pelo rio até a Cachoeira do Tombo. O conjunto impressiona: praia preservada, com vegetação de dunas; vegetação de manguezal ao longo do rio; e forte presença de aves, apesar de não ser o horário delas.


Com o tempo ficando curto, a comitiva embarcou para Peruíbe, objetivo final da viagem. O helicóptero seguiu a linha do litoral. No mar, a pesca de arrastão; em terra, automóveis na praia do Una. Ainda assim, parece um milagre que ainda exista uma área costeira tão extensa a duas horas de estrada de São Paulo.

O almoço serviu para um encontro entre o secretário, pessoal da secretaria do meio ambiente e representantes da comunidade e das ONGs locais. O líder comunitário Arnaldo Rodrigues das Neves Jr., grande defensor do conceito de reserva de desenvolvimento sustentável, propôs uma parceria. Sugeriu que os moradores passem a trabalhar com as autoridades para coibir o roubo de palmito. Parece crer que com a RDS os moradores se tornaram quase como donos da área, e querem cuidar dela como se donos fossem.

A reunião do Conselho Consultivo decorreu de maneira organizada. Joaquim do Marco Neto, diretor da Estação Ecológica, dirigiu os trabalhos e deu a palavra aos representantes das ONGs ambientais e dos moradores. Falou-se da reestruturação do conselho, da necessidade de ações de emergência, da infraestrutura e capacitação dos moradores para receber turismo com foco ambiental.

Chegou a vez do secretário. Com seu jeitão meio caipira de falar, e com a sua evidente simpatia por agricultores, Graziano estabeleceu um tipo de diálogo franco com os presentes. Disse que gosta de escutar e que a Juréia é importante como exemplo para outras áreas complicadas. Como a do Jacupiranga, onde a secretaria negocia a implantação de outro mosaico de unidades de conservação.

Ele propês um pacto aos moradores: prometeu intensificar a fiscalização, mas quer que eles ajudem o estado a combater a extração ilegal de palmitos. Perguntou quem sabia como os palmitos saem da Estação Ecológica. O assunto é quente, e muitos se propuseram a falar. Moradores disseram que os índios são responsáveis, protegidos pelo seu status legal peculiar. Graziano disse que não vai admitir mais isso. Outros acusaram moradores de ajudar na extração. O major Hirota, representante da Polícia Ambiental, garantiu que a força terá presença mais forte ali.

Chegou a vez dos prefeitos da região. O discurso foi um só: faltam recursos para tudo. Alguns dos residentes tentaram levantar questões que não foram discutidas, como a pesca predatória na faixa de oceano que faz parte do mosaico. Graziano pediu para que ninguém introduza problemas novos até que os antigos tenham sido resolvidos. Ele prometeu, ao final, voltar dentro de quatro meses para prestar contas, e deixou assim um sinal claro do seu engajamento com a implementação efetiva do conceito de mosaico na área da Juréia-Itatins.

Ainda há muito o que fazer, mas todos parecem conscientes de que o que está em jogo – um dos mais importantes remanescentes de Mata Atlântica, e uma modelo de convivência com populações tradicionais – vale o esforço.

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