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Qual será o resultado da COP?

Conferência sobre Biodiversidade (COP-8), em Curitiba, é mais um capítulo da discussão sobre o difícil equilíbrio entre desenvolvimento e meio ambiente.

1 de março de 2006 · 19 anos atrás
  • Suzana Padua

    Doutora em educação ambiental, presidente do IPÊ - Instituto de Pesquisas Ecológicas, fellow da Ashoka, líder Avina e Empreen...

A esperança de que grandes reuniões resolvam problemas do mundo moderno ligados ao meio ambiente já não é tão facilmente aceita como algumas décadas atrás. Os primeiros encontros internacionais foram realizados com o propósito de refletir sobre o futuro do planeta quando as crises ambientais se tornaram evidentes. Em um primeiro momento formou-se o “Clube de Roma”, composto por um grupo de especialistas de vários países que analisaram desafios e possíveis soluções para as catástrofes que estavam ocorrendo em diferentes partes do mundo.

Um dos resultados foi a Conferência das Nações Unidas em Estocolmo, em 1972, na qual já se admitia que alguns problemas ultrapassavam fronteiras, como é o caso da chuva ácida e outros processos poluidores. As idéias predominantes, no entanto, partiam da ótica do primeiro mundo.

Um exemplo foi a proposta de Meadows conhecida como “crescimento zero”, que, após analisar os efeitos do modelo de desenvolvimento moderno, sugeria frear o crescimento econômico mundial. Tal proposição poderia até ser aceita por aqueles países que já tinham atingido um alto estágio de progresso. Mas as nações que ainda enfrentavam carências básicas não admitiam conter seu desenvolvimento antes de saborear seus benefícios. O argumento acabou por acirrar a antipatia de muitos pelo tema ambiental, ao invés de conquistar adeptos. Até hoje se ouvem barbaridades como “se o primeiro mundo destruiu suas florestas e atingiu progresso, nada nem ninguém vai nos impedir de fazer o mesmo”.

Quanto aos problemas enfrentados pelo Hemisfério Sul, a maioria nunca se tornou prioridade, e muitos eram vistos como conseqüência de mera incompetência dos países onde ocorriam. Mesmo que comumente disfarçadas, essas premissas eram comuns quando relacionadas, por exemplo, à perda da biodiversidade. As pressões impostas pelo primeiro mundo por pagamentos de dívidas externas que nunca diminuem, ou o consumismo exagerado com demandas por determinados recursos naturais, causa direta das perdas da diversidade biológica, não eram fatores tão divulgados como as taxas de desmatamento e outros processos de extração insustentável. O conhecimento fragmentado e a falta de visão macro impediam que se percebesse a inter-relação do que estava ocorrendo no âmbito global.

Aos poucos as necessidades sociais foram se relacionando às questões ambientais, como mostra Ignacy Sachs quando cria a expressão “ecodesenvolvimento”. Desenvolvimento e meio ambiente para ele são indissociáveis, princípio que foi sendo difundido até se popularizar no termo “desenvolvimento sustentável”. Esta passou a ser uma das idéias dominantes da Rio-92, a maior das reuniões ambientais já realizada.

Desequilíbrio

Um dos coordenadores da Rio-92, Maurice Strong, enfatizou ainda mais complexidades que mereciam atenção. Deflagrou os males da globalização, que beneficia o Norte e torna o Sul vítima dos sistemas econômicos dominantes, sendo os países pobres obrigados a pagar dívidas externas impossíveis, que dificultam ainda mais a melhoria de suas condições internas. Fatores como esses aumentam as distâncias entre os mais e os menos privilegiados, tendência crescente nas últimas décadas.

As ameaças ambientais não parecem suficientes para o primeiro mundo romper com o modelo de desenvolvimento insustentável vigente. Por um lado, as taxas de consumo nos países ricos são cada vez maiores, mas muitos dos impactos decorrentes ocorrem nos países pobres. Há uma demanda cada vez maior por recursos naturais extraídos, é claro, dos países pobres para suprir esse consumismo exagerado dos ricos. Por outro lado, as produções agrícolas e pecuárias causam danos ao meio ambiente, como a suinocultura, por exemplo. Essas se deslocaram para o Sul com o atrativo de terem seu consumo garantido pelo Norte.

Atualmente, talvez o processo mais avassalador de perda da cobertura natural no Brasil seja a monocultura da soja, que vem invadindo a Amazônia. Milhares de hectares de Cerrado e de matas naturais estão se transformando em tapetes de soja com prejuízos sociais e ambientais inestimáveis. Soja, hoje, é sinônimo de concentração de riqueza e de empobrecimento e poluição ambiental. O mais grave é que a soja exportada serve para alimentar gado e frango do primeiro mundo, e não gente. E ainda, como ironia final, os países pobres incentivam ou permitem a instalação de redes de fast-food que muitas vezes servem carne cujo boi pode ter sido alimentado com a soja brasileira causadora de tanto dano. Algo parece fora de propósito nessa equação, mas nós brasileiros aceitamos e ainda somos conduzidos a pensar que a exportação de soja é um bem para a nação. Seria de fato um bem se houvesse planejamento e se as conseqüências fossem tratadas com a devida atenção.

Os países do Sul, onde a maior parcela da biodiversidade do planeta se encontra, enfrentam ainda cenários como aumento populacional, proliferação de doenças, além de deficiências nas áreas de educação, saúde e infra-estrutura. Os efeitos perniciosos do progresso não são tratados na velocidade com que aparecem e por isso as conseqüências nesses países são sempre mais graves do que nas nações ricas, que investem rapidamente em soluções.

A COP-8

A Rio-92 foi um marco na busca de caminhos mais promissores. Diversos documentos elaborados naquela ocasião refletem objetivos que contemplam mudanças socioambientais. A Agenda 21, por exemplo, propõe a construção de uma nova sociedade a partir da participação coletiva nos processos de decisão.

Na mesma ocasião, foram elaboradas as Convenções do Clima, que os Estados Unidos, maior emissor de gases poluidores, recusou-se a ratificar, e a Convenção da Biodiversidade, que analisa as necessidades relacionadas ao tema. O propósito é implementar os princípios propostos pelos países participantes, de modo a aumentar as chances de sobrevivência do planeta, dos ecossistemas e das espécies neles encontrados.
Em relação à biodiversidade, um grupo de países passou a se reunir de dois em dois anos para analisar as condições que ameaçam e afetam sua conservação. É a chamada a Conferência das Partes, ou COP.

De 21 a 30 de março deste ano ocorrerá, no Expo Trade, em Curitiba, a COP-8, com delegações dos 188 membros da Convenção sobre Diversidade Biológica, CDB (187 países e um bloco regional). Participam órgãos governamentais, organizações acadêmicas, ONGs, lideranças indígenas e órgãos das Nações Unidas. Juntos os participantes articulam, discutem e aprovam decisões de interesse para seus países e também aquelas de repercussão internacional.

É a primeira vez que o Brasil irá sediar esse encontro. A decisão de ser aqui foi tomada após a participação da ministra Marina Silva na última COP, realizada na Malásia. Certamente é uma oportunidade para o Ministério do Meio Ambiente promover maior envolvimento de representantes dos diferentes setores do governo e da sociedade civil para participar, informar e influenciar na tomada de decisões sobre a biodiversidade no âmbito nacional e internacional. Além disso, poderá divulgar as inúmeras experiências exitosas de gestão da biodiversidade no Brasil, muitas inovadoras e únicas no mundo. A COP poderá, ainda, servir de palco para maior colaboração técnico-científica, ou simplesmente estimular a solidariedade e a cooperação em projetos que possam contribuir para uma proteção ambiental mais efetiva e uma maior eqüidade social.

Cada reunião da COP dura duas semanas e é composta por duas sessões de trabalho paralelas com tradução simultânea para as seis línguas oficiais das Nações Unidas: inglês, francês, espanhol, árabe, russo e chinês. Diariamente, realizam-se reuniões preparatórias dos grupos políticos regionais da ONU: (1) América Latina e Caribe; (2) África; (3) Ásia e Pacífico; (4) Leste Europeu e Ásia Central; (5) Europa Ocidental, Canadá, Japão, Austrália e Nova Zelândia; (6) o Grupo dos 77 e China; e (7) o Grupo dos Países Megadiversos Afins. Mais de 100 eventos paralelos são organizados sobre temas e iniciativas especiais nos intervalos do almoço e do jantar. No período noturno são realizadas reuniões temáticas com determinados grupos de países. Um Fórum Global, proporcionado por organizações ambientalistas, acadêmicas e grupos indígenas, antecede a reunião oficial, que conta com a presença de mais de uma centena de ministros de Meio Ambiente de todos os continentes.

Trata-se, portanto, de uma oportunidade singular de se debaterem temas e trazer à tona realidades que precisam de atenção. Em um país megadiverso como o nosso, que infelizmente preza pouco suas riquezas naturais, a COP pode significar um estímulo à reflexão sobre a biodiversidade do Brasil. A interface internacional aumenta as chances, ainda, de ampliação do senso de orgulho e de uma revisão dos valores nacionais que priorizem a conservação, não importando as pressões internacionais que o país possa enfrentar. Se o Brasil vai ou não tomar medidas à altura de sua riqueza só o tempo dirá. Mas, mesmo que muitos fatores nos levem a questionar se esse será o resultado do evento, vale a pena alimentar mais uma vez a esperança por mudanças positivas. Vamos torcer e aguardar os resultados da COP 2006.

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