Zanetti já foi professor de alunos de Engenharia Florestal no Mato Grosso e participou de pesquisas e da implementação de certificações florestais (selos) nos sistemas FSC (Forest Stewardship Council) e Cerflor (Programa Brasileiro de Certificação Florestal), para matas nativas.
Há dois anos, iniciou doutorado sobre Manejo Florestal Sustentável na Amazônia Brasileira, na Universidade de Brasília. Mas quando começou seu trabalho como pesquisador em Mudanças Climáticas Globais e Serviços Ambientais das Florestas na Embrapa, retornou à UFPR. Lá segue com sua tese, agora com apoio do Centro Francês de Cooperação Internacional em Pesquisa Agropecuária para o Desenvolvimento.
Nesta entrevista, o engenheiro revela um pouco sobre a realidade do manejo florestal em países asiáticos, africanos e latino-americanos que respondem por 92% da madeira tropical do Planeta. Também mostra que as concessões de florestas, alta aposta governista, podem ser um tiro no pé da conservação das matas nativas brasileiras. Tudo isso com a primeira concessão federal entrando em campo, na Floresta Nacional do Jamari, em Rondônia.
Afinal, o que é manejo florestal sustentável?
Éderson Zanetti – É um meio para se explorar florestas sem esgotar seus recursos e uma atividade produtiva do setor rural que precisa ser mais competitiva. No Brasil, se manejam árvores nativas e plantadas, com regras diferentes. Para nativas, há uma série de restrições para se tentar garantir a manutenção da biodiversidade em cada ecossistema. A princípio, qualquer espécie nativa é passível de manejo florestal, mas há restrições para a Araucária, na Região Sul, e ao Mogno, no Norte, pela ameaça de extinção. Já as plantações servem para abastecer a indústria, com enfoque em biodiversidade apenas nas reservas legais em cada propriedade.
O manejo sempre busca madeira?
Zanetti – É importante salientar que as florestas que chamamos de nativas, na verdade, vem sendo manipuladas há pelo menos oito mil anos por populações que não tinham um enfoque madeireiro. Procuravam óleos, alimentos, fibras e outros produtos úteis. Hoje o manejo pode ser de múltiplo uso. Além da função produtiva, há a de conservação, seqüestro de carbono, manutenção da qualidade da água, servir para o ecoturismo e de habitat para várias espécies, principalmente em matas nativas. O manejo florestal equilibrado não comprometerá essas funções.
E sua tese, como se encaixa nesse panorama?
Zanetti – Ela surgiu da evidência de que o manejo florestal sustentável na Amazônia tem uma contribuição muito pequena no total de madeira produzida, consumida e exportada pelo País. Menos de 5% da madeira comercializada no Brasil vem de manejo. A maioria vem de áreas convertidas (desmatadas), de forma legal e ilegal. Meu trabalho é um estudo comparado em 18 países (quadro abaixo) que respondem por 92% da madeira tropical comercializada no mundo. Estou analisando políticas, legislação e reflexos na sustentabilidade econômica, ambiental e social. O objetivo é identificar casos positivos e negativos de manejo.
Qual o estágio da pesquisa?
Zanetti – Já avaliei países na região da Ásia-Pacífico, como Índia, Malásia, Filipinas e Papua Nova Guiné, e na África, como Congo, Camarões, Costa do Marfim e Nigéria. Agora começo a pesquisa na América do Sul. Tudo é feito com ampla pesquisa bibliográfica e, a partir de 2008, serão feitas visitas de campo a vários países. A publicação está prevista para 2009.
Zanetti – A Ásia tem uma história bem antiga em manejo. A Índia tem registros de mais de três mil anos nessa área, por exemplo. Com a pesquisa, ficou claro que o manejo de nativas é inviável para a produção industrial e tem levado à exaustão de florestas, à sua substituição por plantações ou à quebra da indústria. As florestas naturais não conseguem suprir as fábricas no ritmo necessário. Na Ásia, estão optando pelas plantações, de árvores exóticas e nativas, para abastecer o setor industrial. Há uma separação cada vez maior entre conservação e produção. Lá aproveitam mais de 30 árvores – 20 nativas e muito usadas para plantios comerciais. Uma delas é a teca, árvore mais cultivada no mundo. Também há manejo de áreas nativas com teca. Mas, ao longo dos anos, ela foi dominando áreas e eliminando outras árvores. Houve perda de biodiversidade.
E quanto à legislação?
Zanetti – As leis asiáticas sobre manejo baseiam-se em concessões e observavam muitos costumes locais e regionais, mas, desde a década de 1990, houve uma profunda reformulação nas políticas públicas. O impulso veio de ações combinadas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), Banco Mundial (Bird) e Organização Internacional de Madeiras Tropicais (ITTO, do inglês International Tropical Timber Organization), para a definição de novos critérios para o manejo em nível global. Das concessões na Malásia e Indonésia, 60% delas estão degradadas e 20% já não têm floresta alguma.
E Papua Nova Guiné, um dos líderes globais em desmate de florestas tropicais?
Zanetti – O país é um dos casos bastante críticos da Ásia, junto com as Filipinas. Além de ter perdido muitas florestas, não tem um sistema nacional de manejo. Agora, no entanto, há uma guinada nos dois países na direção dos plantios florestais de árvores exóticas.
Como têm se comportado os países africanos em termos de manejo?
Zanetti – A situação é muito insatisfatória. Há perda de cobertura florestal e da titularidade das terras. Alguns países adotaram sistemas de concessões florestais, como o Congo, que tem 85% de cobertura verde e onde 95% das concessões são para empresas européias. Vemos as florestas saírem do controle dos africanos, com forte influência européia. As concessões têm na maioria por volta de quinze anos, mas algumas chegam a 50 anos.
Zanetti – Peru e Bolívia têm experiências antigas, há mais de 40 anos. Mas na Bacia Amazônica, as políticas florestais são muito insipientes. Há dificuldade muito grande no acesso a áreas florestais e profunda ausência do estado, fato comum em todos os países da região. A falta de infra-estrutura dificulta o trabalho nas florestas e desestimula profissionais públicos e privados a se estabelecerem na região. O que se vê, ainda, é a exploração predatória dos recursos naturais.
Em termos globais, quais são bons exemplos em manejo?
Zanetti – O Brasil pode ser destacado, apesar da legislação restritiva que desencoraja a atividade florestal, pois aqui há certa manutenção da cobertura nativa e avanço das plantações. Apesar da organização meio caótica da população, a Índia tem objetivos bastante claros de manejo e tem investido largamente em plantações de espécies introduzidas e nativas. Tem enfrentado pragas e doenças, investido em pesquisas para superar esses problemas. A Finlândia é outro destaque. É um dos melhores países em qualidade ambiental, em todos os sentidos. O manejo é de padrão mundial, mas sua população é muito pequena. Quando a população é baixa, as florestas estão garantidas. Um trabalho da Embrapa mostra que, quando a densidade populacional passa de 40 habitantes por quilômetro quadrado, florestas naturais não conseguem suprir as necessidades das populações locais.
Qual a sua opinião sobre a lei brasileira para concessão de florestas públicas?
Zanetti – A lei parece bem similar a de Gana (África). Do ponto de vista macro, a aprovação da lei foi um avanço para o setor florestal brasileiro. Havia lacuna sobre regras para uso das florestas públicas, que vinham sendo usadas de maneira irregular. Os Distritos Florestais Sustentáveis também podem ajudar na ampliação do manejo, mas ele não pode ser receita de cura para todos os casos. Na a Amazônia, as situações se modificam muito ao longo do território, é uma região de inúmeros contrastes. E como toda lei nova, ela terá que avançar para se adaptar às realidades nacionais. Não é por falta de árvore que não se faz manejo na Amazônia. A falta de infra-estrutura é o principal entrave, compromete democratização do uso florestal. Maquinário e planejamento são caros e os critérios de concessões ainda são onerosos para populações locais.
A lei não depende muito do Estado brasileiro, sempre carente na área ambiental? Como funciona em outros países?
Zanetti – De forma geral, países que colocam muito peso no Estado na gestão de florestas recaem nos problemas comuns de ineficiência e burocracia. Uma participação maior do setor privado seria bem vinda. O Estado brasileiro sempre foi muito carente e essa legislação trará mais ônus. O modelo já foi testado antes, na Floresta Nacional do Tapajós, sem sucesso. Um sistema com implantação mais cautelosa teria maior chance de sucesso.
Quando o projeto foi aprovado no Senado, o senhor criticou a competência do Ministério do Meio Ambiente para gerir sozinho o setor florestal. Mantém a crítica?
Zanetti – É, o projeto deveria ter um modelo que estimulasse as plantações industriais de espécies nativas e exóticas e não só de uso de florestas nativas públicas, que têm função de manter biodiversidade e funcionamento de ecossistemas. A exploração industrial de matas nativas compromete essas funções e têm resultados pífios em termos econômicos. Espécies amazônicas como o taxi-branco podem ser plantadas, reduzindo a pressão sobre as florestas nativas. O sistema de concessões também deveria ser por produto e não por área, dando mais flexibilidade aos pequenos empresários. Florestas são espaços amplos que não deve ser vistos só pelo viés ambiental, mas com olhares de ciência e tecnologia, defesa, mudança climáticas, desenvolvimento agrário.
É difícil prever, mas o histórico de concessões no País mostra que não há interesse da indústria. Em 1995 foram abertas cinco áreas para concessão com financiamento da ITTO. Uma delas foi na Floresta Nacional do Tapajós, onde os resultados econômicos do manejo foram bastante insatisfatórios. Há pouca probabilidade de que o empresariado se interesse pelas concessões. E os pequenos têm pequenas chances de participar, sua presença na lei é marginal. A princípio, seu acesso às florestas não trará desenvolvimento local e manterá populações na mesma situação.
E o prazo inicial de até 40 anos para concessões?
Zanetti – Ele pode ser renovado, mas é difícil pensar que uma empresa investirá pesado para deixar infra-estrutura para outro explorador. Outra falha é o licenciamento de áreas para exploração em ciclos de 25 anos. Um trabalho do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e da Universidade de Nottingham (Inglaterra), publicado há cerca de um mês, mostrou que a recuperação de espécies de interesse madeireiro pode demorar até 180 anos. Logo, pode haver superexploração dos recursos florestais.
Como fica a biodiversidade ao longo dos anos de manejo?
Zanetti – Um experimento da Universidade de Wageningen (Holanda) realizado no Suriname (Amazônia), em uma pequena área de manejo, revelou que, depois de 25 anos, as espécies manejadas comercialmente não retornaram. A floresta foi alterada pelo manejo.
Quais as relações entre manejo florestal e questões climáticas?
Zanetti – Há muitos comentários sobre a Amazônia, sobre sua ‘savanização’ decorrente do aumento da temperatura global. O aumento das concentrações de Dióxido de Carbono (CO2) levará a um incremento da produção das florestas. Em matas naturais, espécies que consomem mais carbono levarão vantagem, resultando em perdas de biodiversidade. Logo, será necessária uma intervenção nas práticas de manejo florestal para que se ajustem às novas realidades climáticas.
O manejo é reconhecido pelo Protocolo de Quioto ou outros mercados de créditos de carbono?
Zanetti – Sim, de nativas e exóticas. No entanto, ainda não existe uma metodologia adequada para se medir as reduções de emissões de Dióxido de Carbono (CO2) oriundas do manejo florestal sustentável.
E o imbróglio envolvendo a Incomati Florestal e o Centro dos Trabalhadores da Amazônia (CTA)*, que acusou a empresa, de sua família, de ter prejudicado populações no comércio de madeira manejada?
Zanetti – A Justiça já determinou indenizações para que a entidade se retrate frente a suas acusações. Não guardo nenhuma mágoa em relação ao CTA, a questão envolveu mais uma pessoa da entidade.
Países avaliados
As florestas tropicais cobrem cerca de 1,680 bilhão de hectares no globo – 55% na América do Sul, 29% na Ásia-Pacífico e 16% na África. Hoje, 330 milhões de hectares são explorados (19% do total), produzindo 140 milhões m3 anuais de toras, dos quais 18% são destinados às indústrias.
* A Incomatti Florestal pertence à família Zanetti e havia sido acusada de lesar projetos comunitários de entidades amazônicas como Organização dos Seringueiros de Rondônia, Associação Seringueira de Porto Dias, Associação de Produtores Agroecológicos de Rio Preto d’Oeste e Associação das Quebradeiras de Coco Babaçu do Maranhão. Segundo o Centro de Trabalhadores da Amazônia, associações teriam vendido madeira manejada à empresa, que não teria pago pelo frete e material.
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