O que parecia ser uma péssima notícia para os defensores de espécies ameaçadas fica pior a cada vez que se volta ao assunto. A primeira má notícia foi a morte de dois peixes-boi, ocorrida nos tanques do Centro de Mamíferos Aquáticos (CMA), em Itamaracá, Região Metropolitana do Recife, no fim de agosto. Os animais seriam levados para Porto de Pedras, Alagoas, para em seguida serem soltos – e deveriam estar em perfeitas condições de saúde.
A busca por informações sobre a quantidade de animais em cativeiro, investigação da morte dos dois peixes-boi e manutenção do calendário de deslocamentos dos mamíferos começou a revelar que a havia mais do que dois incidentes fatais e três casos de convulsão a serem investigados. A Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA), que por 20 anos trabalhou em conjunto com o CMA, que pertence ao Instituto Chico Mendes (ICMBio), apontou alguns procedimentos que não foram seguidos e dados preocupantes. O projeto peixe-boi, até então um caso de sucesso, apareceu em seu pior momento.
O CMA abriu suas portas e mostrou as reais condições das instalações. Assumiu a superlotação de peixes-boi, em razão do sucesso do trabalho de resgate de animais encalhados, ofereceu fotos de tanques sujos, denunciou ratos próximos aos mamíferos e permitiu o registro de fotográfico de diferentes casos de infiltração no maior oceanário do centro. E apontou uma responsável: a FMA.
O próprio presidente do ICMBio, Rômulo Melo, em entrevista a ((o)) eco, foi afirmativo. Garantiu não haver problemas de manutenção no CMA, reforçou seu apoio a chefe do centro e disse ter havido uma série de discordâncias com a FMA em relação à aplicação de recursos financeiros. Rômulo Melo disse ainda que tem indícios de que a morte dos peixes-boi tenha sido um ato criminoso. O episódio é acompanhado pela Polícia Federal, que ainda não concluiu o laudo da autópsia dos dois mamíferos mortos e, por isso, ainda não classifica a morte dos animais com criminosa.
Agora, a FMA redigiu uma carta aberta ao público na qual se manifesta contrária ao que classificou de campanha difamatória e pede explicações sobre as causas que levaram a morte de dois peixes-boi. Leia a íntegra do texto escrito pelos dirigentes da Fundação Mamíferos Aquáticos.
Carta aberta à Sociedade
O que cabe a cada um de nós na construção de uma política ambiental responsável?
É com preocupação que a Fundação Mamíferos Aquáticos (FMA) vem acompanhando o desenrolar dos recentes acontecimentos que vieram à tona a partir da morte de dois peixes-bois marinhos no Centro Mamíferos Aquáticos (CMA), na Ilha de Itamaracá (PE), registrados no final de agosto. Causou-nos profunda indignação a postura adotada pelos gestores do CMA e ICMBio, que em lugar de darem as devidas explicações à sociedade quanto sua decisão de manter a agenda de reintrodução frente às mortes ocorridas, deflagrou uma campanha de difamação contra a Fundação Mamíferos Aquáticos.
Em 20 anos de existência, a FMA sempre trabalhou em estreita cooperação com o Governo Federal, ao lado do Centro Mamíferos Aquáticos/ICMBio, definindo estratégias, compartilhando estruturas, pessoal, competências técnicas e conquistas, no contexto do Projeto Peixe-Boi. Cada qual em sua esfera de competência institucional, buscava viabilizar meios e recursos que possibilitassem o desenvolvimento de pesquisas e ações de manejo, por muitas vezes pioneiras no Brasil.
Jamais a Fundação Mamíferos Aquáticos teve sua atuação limitada à viabilização de patrocínio para o Projeto, como vem sendo colocado. O compromisso da Fundação é, desde o seu primeiro dia de vida, com o desenvolvimento de estratégias e ações que promovam a conservação dos mamíferos aquáticos e seus habitats.
Importante também destacar que, como uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, a Fundação preza pela total ética e transparência de suas ações e gestão de recursos. Pela sua natureza fundacional, a FMA é velada pela Promotoria de Fundações do Ministério Público Estadual, à qual presta contas e submete rigorosamente todos os relatórios gerenciais e financeiros dos seus exercícios fiscais, com aprovação do Conselho Fiscal e devidamente auditados por auditoria externa anual. Além disso, toda a utilização dos recursos atende fidedignamente às orientações dos financiadores e à legislação brasileira, e visa o cumprimento dos compromissos assumidos a partir dos projetos, previamente apresentados e aprovados, o que a credencia para a continuidade e obtenção de novos parceiros e patrocinadores.
Apesar das dificuldades vivenciadas entre a FMA e a atual gestão do CMA e ICMBio, que resultaram na ruptura do Acordo de Cooperação Técnica em abril de 2010, a preocupação e as críticas da Fundação foram sempre em relação ao posicionamento técnico adotado pelo CMA/ICMBio quando da morte e da reintrodução de peixes-bois mantidos sob sua responsabilidade. Porém os recentes depoimentos dos representantes do CMA e do ICMBio na mídia, que buscam atingir a honra e a integridade da Fundação Mamíferos Aquáticos, nos leva a este posicionamento perante a sociedade em geral.
COMPROMISSO – A FMA, que há mais de 20 anos tem atuado com o CMA na pesquisa e manejo dos peixes-bois marinhos, entende que a soltura de animais no ambiente natural sem que sejam respeitados os protocolos técnicos é uma atitude inadequada e arriscada, um retrocesso ao nível de conhecimento adquirido e reconhecido, expresso por meio do Programa de Resgate e Reintrodução de Peixes-Bois no Brasil.
A soltura de animais “para não desperdiçar uma estrutura logística complicada” coloca em segundo plano o compromisso que o Projeto Peixe-Boi sempre teve com a conservação da espécie, visto que:
1) não foi identificada a causa mortis e os agentes etiológicos responsáveis pelos transtornos clínicos relatados nos animais;
2) os animais reintroduzidos são indivíduos nascidos em cativeiro e, segundo o Protocolo de Reintrodução, não são prioritários à soltura; 3) como não estavam previstas suas transferências, os animais não passaram por uma triagem prévia completa, conforme exigências do Protocolo II da Instrução Normativa do IBAMA nº 179/2008, das Diretrizes de reintroduções da IUCN e do Protocolo de Reintrodução de Peixes-bois Marinhos no Brasil.
O descumprimento de procedimentos técnicos demonstra a fragilidade que a gestão do CMA vem passando, abre precedente e suas consequências podem causar grande risco para a saúde dos animais nativos, bem como afetar gravemente o equilíbrio ecológico da região onde se situa o cativeiro natural do Projeto Peixe-Boi, em Porto de Pedras (AL). São diversos os agentes patológicos que já foram descritos, por especialistas da FMA e de outras instituições, tanto em peixes-bois evidentemente enfermos, como também naqueles considerados aparentemente saudáveis, nos quais o estado clínico é assintomático.
RESPEITO – Nos últimos cinco anos, a relação de cooperação interinstitucional vinha apresentando fragilidades decorrentes: (1) das constantes mudanças que vem ocorrendo na composição do quadro de gestão do CMA; (2) de discordâncias sobre propriedade e destinação de patrimônio da FMA, disponibilizados ao CMA para a realização do Projeto Peixe-Boi; (3) da suspensão, por parte do CMA, do compartilhamento dos dados gerados conjuntamente; e (4) de determinadas orientações do CMA para aplicação de recursos de projetos geridos pela FMA, que comprometeriam o cumprimento de metas estabelecidas em contratos.
A Fundação tem se deparado com certos atos do CMA que materializa sua atitude em difamar esta instituição. Entre outras, foi enviado ofício a instituições da sociedade e repartições públicas com as quais manteve ou mantém relações institucionais – muitas vezes em parceria com a FMA – para apontar que “as atividades conservacionistas da FMA não estavam sendo realizadas satisfatoriamente”, bem como, “não vinham atendendo às diretrizes do ICMBio”.
É por respeito aos nossos valores, equipe e parceiros que, em meio a tantas acusações ofensivas e inverídicas, a Fundação não somente se coloca a favor de uma auditoria em caráter emergencial nas contas das entidades citadas, como se antecipa e disponibiliza para consulta da sociedade, na sua sede, os relatórios de prestações de contas submetidos ao crivo do Ministério Público e aprovados por este. Essa decisão também visa esclarecer para a sociedade as acusações levantadas pelo ICMBio e CMA em relação à construção do oceanário, bem como ao convênio estabelecido entre IBAMA e FMA. Nesses documentos é possível verificar todos os fatos contábeis e administrativos, bem como os fatores físicos e financeiros que provocaram a suspensão da obra do oceanário, cujo projeto técnico e orçamento original foram previamente aprovados pelo ICMBio.
A Fundação Mamíferos Aquáticos continuará cumprindo com a missão a que se propõe de “promover a conservação dos mamíferos aquáticos e seus habitats, visando o equilíbrio ambiental”, mantendo suas ações pautadas por processos colaborativos e transformadores e alinhadas ao desenvlvimento das políticas públicas do país. Desta forma, não podemos permitir que a imagem e o trabalho de instituições e iniciativas como o Projeto Peixe-Boi, sejam ameaçados por posturas equivocadas dos gestores institucionais do CMA e ICMBio.
Diante do exposto, a FMA convoca a sociedade para que esteja atenta a esta atual prática de gestão, que é imperativa no relacionamento com organizações da sociedade civil, quem sabe por não ter clareza da compreensão dos papéis institucionais, colocando em risco estratégias de conservação construídas em processos participativos e de co-gestão.
Recife-PE, 29 de setembro, de 2010.
Denise de Freitas Castro, Presidente do Conselho Diretor da Fundação Mamíferos Aquáticos e Leonardo Lamartine, Presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Mamíferos Aquáticos.
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