Enquanto não há barros que consigam adubar o Laranjal, uma Ilha que apareceu no meio do Rio há cerca de quatro anos parece estar dando jeito nos Parques Fluminenses.
Refiro-me a André Ilha, montanhista de carteirinha, que embarcou na caravela de Cabral ainda no seu primeiro mandato, como responsável pela área de unidades de conservação na Secretaria capitaneada por Minc.
Precisou de coragem para subir a bordo. A Nau fazia água por todos os lados e parecia destinada a ir a pique. Com dedicação e amor ao trabalho, Ilha e uma bem escolhida tripulação de assessores foram aos poucos calafetando o casco, costurando o velame, extirpando os gusanos da bolina e corrigindo a rota.
Antes mesmo da reeleição o navio já não estava mais à deriva. Via-se claramente que singrava rumo a um porto seguro. Com efeito, embora dê menos mídia e holofotes, é justo dizer que os resultados do governo Cabral na área da conservação rivalizam em qualidade com aqueles obtidos no setor de segurança pública. Agora, com 100 dias de segundo mandato, parece que a caravela fluminense enfunou os panos de vez. Vejamos se o leitor concorda:
Na próxima sexta-feira, dia 15 de abril, o Governador vai pessoalmente comandar a cerimônia oficial de criação do Parque Estadual da Costa do Sol, que abrange 10.000 hectares espalhados por seis municípios da Região dos Lagos, cerca de 100 km ao norte da baía de Guanabara. O Parque, idealizado por Paulo Bidegain, é pioneiro, no sentido em que abre um precedente nacional (ainda que haja exemplos bem sucedidos em países estrangeiros) do estabelecimento de uma unidade de conservação sem continuidade territorial. Vale? Creio que sim. Afinal o Brasil, ao ratificar as decisões da Convenção da Diversidade Biológica, aceitou conceitualmente que é imperativo preservar pelo menos 10% de cada bioma de maneira a salvaguardar minimamente suas características naturais. Nesse sentido, se sabemos que nos restam apenas cerca de 7% da cobertura original da Mata Atlântica, então temos obrigação de proteger TUDO o que dela sobrou.
A maior fatia do novo parque está em Maçambaba, nos municípios de Saquarema e Araruama. As outras parcelas, entre as quais se destaca a Serra das Emerências próxima a Búzios, espalham-se por cidades próximas e incluem o ameaçadíssimo ecossistema de restingas, vegetação xerofítica, brejos, dunas, manguezais, lagoas e lagunas. Os, que como eu, desenvolveram um cinismo calejado na experiência dos anos, devem estar se perguntado: “ok, mas se já é muito difícil fiscalizar um parque contínuo, como será garantir a integridade desta colcha de retalhos que o próprio André Ilha chamou de “um dálmata!”?
Boa pergunta, mas tem resposta. Sabemos que, há um par de anos, o setor de unidades de conservação Fluminense foi travado pelo Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros do Estado, que torpedeou o projeto de criar um Grupamento Guarda-Parques no âmbito daquela instituição militar . O navio sentiu o baque. Adernou, mas não afundou. Como embarcação sem tripulantes não navega, o Secretário Estadual e ex-Ministro do Ambiente, Carlos Minc continou sua faina para conseguir suprir essa lacuna fundamental. Não descansou até fazer valer o ditado que diz “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”. No início deste mês, Minc conseguiu autorização para abrir processo de seleção pública pelo prazo temporário, de dois anos, com o obejetivo de contratar 220 guardas-parques para o Sistema Estadual de Unidades de Conservação.
O leitor já está achando que vai ter muito guarda para pouco Parque? Não se preocupe.Na segunda quinzena deste mês será realizada a última consulta pública sobre a criação do Parque Estadual da Lagoa do Açu, que abrange 8.000 hectares, incluindo um banhado que cobre mais da metade da nova área protegida.
Tudo bem, dirá o leitor, muito bonito no papel, mas quando a gente quer desfrutar dessas belezas públicas, é um descalabro. As trilhas são mal mantidas, não há centro de visitantes, não existe sinalização. Não é mais assim. Quem se animar a checar os caminhos do Parque Estadual do Desengano, criado em 1970, encontrará .um centro de visitantes completamente reformado e pronto a receber os eco-turistas de braços abertos. Quer ir além do Centro e explorar as matas exuberantes do Parque?. No último dia 6 ficou pronto o Guia de Trilhas do Desengano, que abrange picadas naturais nos municípios de Santa Maria Madalena, Campos dos Goitacazes e São Fidélis, cobrindo uma área total de 22.400 hectares de montanhas, cachoeiras e visuais belíssimos e virtualmente desconhecidos dos brasileiros.
O livro, coordenado pelo Instituto Terrabrasil e elaborado com o apoio de montanhistas do Centro Excursionista Brasileiro, tem 336 páginas a cores, que destrincham o percurso e os atrativos de 19 trilhas ilustradas com fotos, mapas e gráficos. Infelizmente, a burocracia brasileira ainda está na era das Caravelas, o que torna quase impossível colocar à venda uma publicação encomendada por instituição oficial. Por isso, os 1.000 exemplares da 1ª edição serão distribuídos para clubes de montanhismo, secretarias de turismo e outros setores ligados ao Parque. Mas não há de ser nada, André Ilha garante que, muito em breve todo seu conteúdo estará disponível gratuitamente no sítio eletrônico do INEA-RJ.
Por fim, mas não menos importante, a título pessoal André Ilha está lançando em co-autoria com Kika Bradford o “Guia (de vias de escalada) da Zona Sul e Ilhas Costeiras do Rio de Janeiro”. São 283 vias e variantes detalhadas e esmiuçadas em fotodiagramas, ao longo de 320 páginas.O guia, escrito por dois dos escaladores mais experientes do Brasil, será lançado na Abertura da Temporada de Montanhismo de 2011, na Urca, no próximo dia 1º de maio.
Esperamos que André continue a utilizar sua destreza de homem aranha, pois com ele lá no alto do cesto da gávea, podemos ter esperança de que a caravela de Cabral nos levará muito além de um mero grito político de “Terra à Vista”.
Podemos mesmo aspirar que ela vai nos conduzir ao porto seguro de uma terra protegida, conservada e equipada para receber marinheiros de primeira viagem interessados em conhecer suas belezas.
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