A região amazônica é um dos locais mais importantes do mundo, pois abriga a maior floresta tropical e um dos maiores rios do planeta que serve de habitat para milhares de espécies de peixes de água doce [1]. Porém, constantemente esta região é notícia, devido a diversos problemas ambientais que ocorrem ali, como o desmatamento descontrolado e os recordes de queimadas.
Enquanto alguns problemas são mais evidentes e ganham as manchetes dos jornais e revistas, existem outras ameaças silenciosas longe dos olhos da mídia, como é o caso das espécies exóticas. Espécies exóticas são espécies que foram introduzidas fora do seu local de ocorrência natural devido à ação humana, e podem representar uma ameaça causando efeitos negativos ao meio ambiente, desde redução da biodiversidade até desequilíbrios ecossistêmicos.
Recentemente um grupo de 36 pesquisadores de oito países (entre eles Brasil, Bolívia, Colômbia, Peru, Equador e Venezuela) publicou um estudo revelando um número alarmante de espécies de peixes exóticas presentes na região amazônica [2]. Neste estudo, os pesquisadores conseguiram reunir registros de mais de mil indivíduos de 41 espécies, mostrando um aumento surpreendente nas últimas duas décadas, tanto em relação ao número de espécies quanto ao número de indivíduos. Dessa forma, apesar da região amazônica ainda ser considerada relativamente conservada, aos poucos as alterações humanas como o desmatamento, a mineração e a construção de barragens, ajudam a disseminar espécies exóticas com potencial de reduzir a impressionante diversidade deste ambiente único e tão importante para o planeta (Figura 1).
As espécies com maior número de registro de ocorrências são o pirarucu (Arapaima gigas), o barrigudinho (Poecilia reticulata) e a tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus). Mas como essas espécies chegaram à essa região? A maioria delas está diretamente relacionada às atividades de aquicultura e aquariofilia, como é o caso destas espécies mais comumente encontradas. A tilápia é dominante nos sistemas de cultivo em tanques-rede e tanques escavados, e frequentemente escapa para o ambiente natural causando impactos negativos ao ecossistema como já comentado em outro texto aqui no ((o))eco [3]. Outra espécie que é bastante problemática na região é o pirarucu. Apesar de nativa da bacia do rio Amazonas, essa espécie foi levada para outros locais onde não ocorre naturalmente, como a bacia do rio Madeira, para ser cultivada em cativeiro. Já o barrigudinho é uma espécie de interesse comercial na aquariofilia, devido a sua coloração e tamanho reduzido, mas fora dos aquários ela pode ser encontrada hoje em vários rios da região de Manaus.
A falta de conhecimento da população em geral sobre espécies exóticas e de tecnologia para evitar escapes de cultivos, aliada à fiscalização quase inexistente, faz com que os impactos negativos das espécies exóticas, como a introdução de parasitas e redução das populações de peixes nativos, sejam cada vez comuns, podendo trazer problemas socioeconômicos como a diminuição dos estoques de peixes para pesca artesanal. Além disso, ao contrário das nativas, as espécies exóticas geralmente resistem às alterações e impactos ambientais como as mudanças climáticas e o desmatamento, fazendo com que persistam por muito tempo na natureza.
O estudo é o primeiro a compilar informações sobre espécies exóticas em grande escala na região amazônica. Estes dados têm um valor inestimável, pois irão chamar a atenção para o problema, que muitas vezes é esquecido pelo poder público, com leis e regulamentações falhas que incentivam o cultivo de peixes exóticos e não garantem a proteção da biodiversidade. Dada a complexidade de acesso para estudos na região amazônica é possível que estejamos perdendo recursos naturais que sequer sabemos da existência e importância para o ecossistema.
É claro que muitas destas espécies exóticas podem trazer benefícios econômicos a curto prazo através da aquicultura e aquariofilia, porém, os prejuízos ambientais a longo prazo não podem ser ignorados. A solução para esta ameaça silenciosa depende de investimentos relevantes e integrados do governo, em fiscalização, pesquisa, conservação e manejo. Enquanto houver negligência com estas áreas e um interesse claro em favorecer apenas a determinados setores da economia, estaremos destruindo cada vez mais os recursos da nossa preciosa Amazônia.
Referências:
[1] RUIZ-VÁSQUEZ, Melissa et al. Effects of Amazon basin deforestation on regional atmospheric circulation and water vapor transport towards tropical South America. Climate Dynamics, v. 54, n. 9, p. 4169-4189, 2020. [2] DORIA, Carolina Rodrigues Da Costa et al. The silent threat of non-native fish in the Amazon: ANNF database and review. Frontiers in Ecology and Evolution, v. 9, 2021.[3] CHARVET, Patricia et al. Tilapia farming threatens Brazil’s waters. Science (New York, NY), v. 371, n. 6527, p. 356, 2021.
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