Análises

A patifaria dos negacionistas climáticos

Carta de negacionistas enviada ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, contém mentiras, erros e distorções da ciência climática

Alexandre Araújo Costa ·
13 de março de 2019 · 6 anos atrás

No último dia 9, 20 “cientistas” publicaram uma “carta aberta” ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em que atacam a ciência do clima e fazem ilações sobre as políticas climáticas sob uma óptica negacionista. Como de praxe, o documento é liderado por Luiz Carlos Molion e, dentre as demais assinaturas, aparece a de Ricardo Felício.

Sem pretender entrar em cada detalhe do documento, me proponho aqui a analisar a parte dele que se propõe a tratar a questão sob uma perspectiva científica. Adianto que o que acontece é justamente o contrário: a carta desfia um rosário de afirmações – sem citar fontes ou citando blogs da internet – que não se sustentam em evidências ou que, em sua maioria, vão abertamente contra as evidências disponíveis. Os contrapontos que trarei aqui são todos devidamente baseados na literatura científica com revisão, principalmente a partir de periódicos científicos do mais elevado prestígio, como Nature e Science.

Negacionistas não sabem fazer contas

O grupo alega que “não há evidências físicas da influência humana no clima global”, o que destoa abertamente de todo o conhecimento acumulado na área. A comunidade científica examinou à exaustão todas as possíveis influências naturais sobre o clima, da atividade solar ao vulcanismo, passando pelas mudanças na órbita da Terra. A conclusão de todos os estudos é que nenhum desses fatores tem contribuição importante para o aquecimento observado do sistema climático. Ao contrário, a combinação dos efeitos naturais mais provavelmente teria levado o planeta, nas últimas décadas, a um resfriamento sutil.

A questão aqui é de física básica. Só pode haver mudanças consistentes na temperatura média de um sistema se houver alguma diferença entre a energia que entra e a energia que sai. Desde o início do período industrial até hoje, as emissões humanas de gases de efeito estufa produziram um desequilíbrio energético em escala planetária ao aprisionar parte do calor irradiado pela Terra que deveria voltar ao espaço. Hoje em dia, a quantidade de calor que fica preso na nossa atmosfera a cada minuto equivale à energia da explosão de 1.112 bombas de Hiroshima, tornando ridícula a afirmação dos negacionistas de que a influência humana sobre o clima se limitaria “às áreas urbanas e seus entornos”.

Santa paleoignorância, Batman!

“O texto dos negacionistas também mente sobre o conhecimento estabelecido sobre o clima do passado. A começar pelo sofisma de que “o clima está sempre em mudança”, equivalente a dizer que “pessoas sempre morrem um dia” é um comentário pertinente diante de um assassinato”.

O texto dos negacionistas também mente sobre o conhecimento estabelecido sobre o clima do passado. A começar pelo sofisma de que “o clima está sempre em mudança”, equivalente a dizer que “pessoas sempre morrem um dia” é um comentário pertinente diante de um assassinato.

Por exemplo, é falsa a afirmação sobre as condições climáticas no chamado Holoceno Médio. Ao contrário do que dizem os negacionistas (“há 6.000-8.000 anos, as temperaturas médias chegaram a ser 2°C a 3°C superiores às atuais, enquanto os níveis do mar atingiram até 3 metros acima dos atuais”), artigos publicados na literatura científica sugerem que as temperaturas médias globais dificilmente estiveram mais do que 1°C acima do período pré-industrial e que mesmo antes da quebra sucessiva de recordes de temperatura entre 2014 e 2016 o planeta já estava mais quente do que em pelo menos 85% do tempo nos 11.700 anos que definem o Holoceno. Mais grave, a literatura científica indica que os oceanos estavam na realidade em níveis mais baixos há 6.000-8.000 anos, justamente o contrário do que foi afirmado.

Também ao contrário do que diz a carta dos negacionistas, períodos recentes, como a Idade Média, não foram mais quentes que o presente. Embora na Europa esse intervalo de tempo tenha sido marcado por temperaturas relativamente mais altas do que em outros momentos históricos, do ponto de vista global a realidade era outra. O planeta estava, em média, mais de 0,2oC mais frio do que a média de 1961 a 1990.

A mentira se completa quando os negacionistas citam os chamados interglaciais, os períodos quentes que se alternaram nas últimas centenas de milhares de anos com os glaciais, popularmente conhecidos como “eras do gelo”. Molion e trupe falam de temperaturas 6oC a 10oC acima das atuais. Tais temperaturas não ocorreram em nenhum momento dos últimos 800 mil anos (na verdade, provavelmente nem nos últimos 55 milhões de anos). A literatura científica identifica 11 interglaciais ocorridos nos últimos 800 mil anos. Destes, dois teriam sido mais intensos (há 125 mil e há 400 mil anos) mas neles a temperatura teria estado somente 1oC a 2°C acima dos valores pré-industriais, ou seja, no máximo 1°C acima dos valores atuais. Há 125 mil anos, essa elevação adicional de 1oC bastou para causar uma subida de 10 metros no nível do mar devido ao derretimento do gelo da Antártida e da Groenlândia. Essa é uma das razões para os cientistas terem fixado o limite de 2oC como o limiar da catástrofe para a humanidade.

CO2 como botão de controle do clima da Terra

“Outra leviandade é a afirmação de que o aquecimento global causado por atividades humanas seria apenas uma “hipótese” e que “ocorreram temperaturas altas com baixas concentrações de dióxido de carbono (CO2) e vice-versa”. As evidências científicas mostram que aconteceu justamente o contrário”.

Outra leviandade é a afirmação de que o aquecimento global causado por atividades humanas seria apenas uma “hipótese” e que “ocorreram temperaturas altas com baixas concentrações de dióxido de carbono (CO2) e vice-versa”.

As evidências científicas mostram que aconteceu justamente o contrário. Isto é, em diferentes escalas de tempo a concentração atmosférica de CO2 e de outros gases de efeito estufa é altamente correlacionada com a temperatura média global. Por exemplo, nos últimos 800 mil anos, período para o qual se tem um excelente registro do clima no passado, gravado no gelo da Antártida, temperatura e concentração de dióxido de carbono sempre aumentaram juntos e diminuíram juntos.

O consenso científico é que os dados obtidos no gelo antártico não apenas demonstram uma influência decisiva do CO2 sobre a temperatura global, como sugerem um importante mecanismo de retroalimentação, ou feedback, em que aquecimento levava à liberação de CO2 e vice-versa. Esse mecanismo de retroalimentação fazia com que pequenas perturbações pudessem levar a uma evolução não-linear do sistema climático terrestre, ao ponto de levá-lo a estados tão distintos quanto os glaciais e os interglaciais. Essa “violenta delicadeza” dos feedbacks climáticos é algo que deveria nos fazer refletir sobre quão grandes podem ser as consequências de uma perturbação no sistema do tamanho da que estamos produzindo, ao injetar uma quantidade de CO2 tão grande na atmosfera que fez sua concentração aumentar quase 50% em apenas dois séculos.

Essa correlação entre CO2 e temperatura também se repete em escalas mais longas, de milhões de anos, ao ponto de alguns dos cientistas mais destacados se referirem literalmente à concentração deste gás como o “principal botão de controle do clima da Terra”.

Reduzir as emissões é imperativo e urgente

Sendo tão abertamente falsas as premissas, as conclusões da carta não poderiam ser menos deslocadas da realidade.

O que os negacionistas propõem nada mais é do que uma irresponsável continuidade do modelo econômico predatório de hoje em dia, intensivo em carbono. Afirmam que “vários países de peso” têm contestado as políticas globais de redução de emissões, o que mais uma mentira: apenas os EUA de Donald Trump manifestaram que sairiam do Acordo de Paris, ratificado por 185 países (inclusive os EUA).

“O que os negacionistas propõem nada mais é do que uma irresponsável continuidade do modelo econômico predatório de hoje em dia, intensivo em carbono”.

Os últimos 5 anos (de 2014 a 2018) foram os 5 anos mais quentes de todo o registro histórico, iniciado em 1880. Entre os 10 mais quentes, apenas 1998 não pertence ao século 21. E, nesse contexto, os cientistas sérios não têm dúvidas: o planeta está aquecendo, as causas estão relacionadas a atividades humanas, especialmente as que sustentam o modo de vida dos mais ricos, e as consequências são e serão muito graves, sobretudo para os mais pobres.

O consenso sobre o tema, reconhecido no Acordo de Paris de 2015, é que para permanecermos em condições minimamente seguras, precisaríamos manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C, sendo que acima de 2°C o risco de catástrofes cresce enormemente. Acima disso, a tendência é que haja uma quantidade muito grande de eventos extremos, quebras de safra agrícola, desabastecimento de água e outras mazelas.

E aí vem a questão mais grave. Um estudo recente do painel de cientistas do clima organizado pela ONU, o IPCC, mostrou que, para termos chances razoáveis de respeitar o limite de 1,5°C, é necessário cortar metade das emissões de gases de efeito estufa até 2030.

Isso significa que necessitamos de uma enorme mudança no modo de vida em nossa sociedade. Vamos precisar de novas fontes de energia, como a energia solar residencial, para abandonar as termelétricas a carvão e gás sem cair em falsas alternativas. Vamos precisar mudar radicalmente o sistema de transportes, apostando na combinação de transporte de massas eletrificado e locomoção ativa para superar o automóvel individual. Vamos precisar inclusive mudar a alimentação, priorizando gêneros de origem vegetal produzidos pela agricultura familiar através da agroecologia. Vamos precisar, sobretudo, colocar um ponto final na farra consumista de uma pequeníssima minoria de muito ricos, cujo modo de vida é insustentável em todos os aspectos e leva a emissões muito maiores do que as das pessoas mais pobres. E não há como fazer essas mudanças apenas no plano das escolhas individuais, sem políticas públicas. Em tais condições, dirigir-se a tomadores de decisão e formuladores de políticas com documentos repletos de mentiras e pseudociência é não apenas irresponsável. É coisa de patifes.

As opiniões e informações publicadas na área de colunas de ((o))eco são de responsabilidade de seus autores, e não do site. O espaço dos colunistas de ((o))eco busca garantir um debate diverso sobre conservação ambiental.

 

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Comentários 22

  1. Luis Lopes Diniz Filho diz:

    O cara acusa os cientistas que discordam dele de serem mentirosos e de fazerem “patifaria”, mas não mostra nenhum dos estudos científicos nos quais diz se basear para fazer tais acusações. Sendo assim, quem é que está mentindo e fazendo patifaria, afinal?


  2. Emir Marques de Liz diz:

    O responsável por esse texto declara que o sua opinião é baseada em estudos científicos e não mostra nenhum. Queremos PROVAS! Aonde estão as provas do aquecimento global? A julgar pelos “intelectuais” que acreditam nisso cada vez mais desacredito no aquecimento global. Nunca vi um estudioso de climatologia de peito aberto discutir com um “negacionista”. Porque será?


  3. Luiz Braga diz:

    Estranho. Chamar de negacionistas 20 pesquisasores de renome só porque eles contestam a ciência predominante? Curiosamente, apoiada pelos bem intencionados dos países mais ricos.

    É muito estranho, pois se a ciência mainstream fosse sempre apoiada, não teríamos saído do motor a vapor.

    Como diz o Ricardo Felicio, do alto de seu bom senso, de sua cátedra na USP e de seus excelentes argumentos: “não me interessa que eles sejam maioria. Interessa é se estão certos ou errados.”

    Se a maioria em ciência fosse o critério, bem, o modelo planetário ainda seria o aristotélico.

    Gente, acorda!


    1. Valmir diz:

      O problema é a polarização emotiva, escrever que os autores da carta são “Cientistas” entre aspas ou chamar pessoas formadas na área de negacionistas. (Termo usado para descrever pessoas que negam algo cientificamente comprovado utilizando livros biblicos ou fé).
      Obviamente não é isso que ocorre nesse casos, basta olhar os curriculos e formações dos supostos “Cientistas” como o autor descreve.
      Mas se a ciência fosse isenta de emoção, talvez Nicolau Copérnico não tivesse sido torturado e morto pela maioria que acreditava que o sol girava em torno da terra.
      Enfim, vivendo e esperando o mundo ser mais civilizado, hoje não torturamos apenas fazemos bullings on line. 🙂


  4. Leandro diz:

    Ricardo Felício deveria ser condecorado.
    O resto é lixo, conspiração feita pelo próprios dirigentes do sistema para causar o caos, que passa despercebida pelo gado mundial, o gadinho estúpido, mentecapto, alienado, covarde, desunido, egoísta, mal-educado e muito, mas muito burro.
    Que venham as dores e, espero, o anticristo. Ele fará uma limpeza necessária…


  5. Silvio diz:

    Por que no inicio era "Aquecimento global" e quando, depois de uma decada se verificou que não estava havendo o aquecimento previsto e ai se mudou para "Mudanças climáticas". E afinal os paises mais poluidores não estavam cumprindo as metas de redução da poluição que haviam assumido. Os paises menos desenvolvidos chegaram mais perto de cumprir as metas a que se propuseram.
    Nas palestras que vi de Molion e Felicio eles não falam que não é preciso combater a poluição. O que eles falam é que não há a capacidade do ser humano de influenciar o clima mundial, só mais local. Já houve alarmismo de que o nível dos oceanos iria subir 6 m. É só fazer uma conta bem simples: 70% da superficie da Terra é coberta por oceanos. Pegando a área do continente Antártico, da Groenlandia, da área do circulo Artico (já que ele é só mar) e ver que altura eles precisariam ter de gelo para que o nivel do mar se elevasse 1 m. Cabe lembrar que icebergs não poderiam entrar na conta, visto que gelo quando derrete, os 10% que ficam acima da água só compensam o volume deslocado pela parte submersa. Só fazer o teste com uma pedra de gelo num copo de água cheio até a borda. Depois que o gelo derrete, nenhuma gota cai para fora do copo.
    A tecnologia irá dminuir substancialmente a emissão de CO2 automotivo pela adoção de carros elétricos, muito antes dos politicos resolverem fazer de fato um combate efetivo à emissão de CO2.


    1. bravim diz:

      o problema é o efeito manada, brasileiro tem preguiça de pensar, msm com tudo sendo esfregado na cara. a mídia inverte tudo, diz que aconteceu um tornado por causa do aquecimento e pronto, é o suficiente.


    2. Alencar diz:

      Concordo plenamente com vc, muito bom seu comentário


  6. Walter diz:

    Esses negacionistas são estúpidos, irresponsáveis e pilantras. Apostam na ignorância da população pra ficar espalhando suas bobagens. E os crentes das balelas, muitos terraplanistas, acham que os pilantras são grande cientistas. O maior problema do Brasil continua sendo a ignorância e o culto a charlatães.


    1. Silva diz:

      Quando você acusa "a ignorância como o maior problema do Brasil", sou obrigado a concordar, afinal, o seu texto é a prova viva disto!


      1. bravim diz:

  7. Algo me diz diz:

    "Existem muitas incertezas em nossas previsões, particularmente no que diz respeito ao tempo, magnitude e padrões regionais das mudanças climáticas, devido à nossa compreensão incompleta de: fontes e sumidouros de GEEs; nuvens; oceanos; lençóis de gelo polar." Primeiro relatório do IPCc de 1990 Fonte; wiki


  8. S. F. do Patrocínio diz:

    Se não está esfriando, o que dizer da diminuição gradual do número de manchas solares durante os últimos 3 ciclos de 11 anos e que o atual ciclo 24 foi o menor em 100 anos, e ainda, a NASA prevê que o ciclo 25 também será de baixa atividade – https://www.tiempo.com/noticias/actualidad/se-ace… – e mais, a parte FRIA da senoide do Ciclo de Gleissberg (90 – 115) anos que vai até, aproximadamente, 2030 e que a Oscilação Decadal do Pacífico, cuja fase FRIA, iniciada em 1998, deverá continuar esfriando até, aproximadamente, 2030? Se todas essas evidências apontam para um resfriamento até o entorno de 2030, como atribuir um aquecimento causado polo CO2, se essas três forçantes apontam para um resfriamento?


  9. Camila diz:

    Vilipendiar um dos maiores nomes quando o assunto é clima, pode, não é mesmo, Alexandre?


  10. Maximiliano diz:

  11. Fabio diz:

    Esse pessoal é tão crível quanto a turma que diz que vacinas causam autismo, dizem que o heliocentrismo é fake e apregoam que a Terra é plana. Nenhum dos que assinam a carta tem um Curriculum Lattes que inspire a menor credibilidade como especialistas em clima. Se estão se manifestando é para se perguntar o que ganham com isso.
    Como alguns já disseram, ignorância não é uma virtude.


    1. carlos diz:

      Vai estudar antes de querer contestar, seu zumbi esquerdista!


  12. Fabio diz:

    É para se perguntar quais as razões dos 20 idiotas, que mostram que ter título de doutor não é sinônimo de saber o que é Ciência. Lá nos USA os negacionistas ganham $$$ das petroleiras. E aqui?


  13. eu mesmo diz:

    Olavo de Carvalho vai nos salvar das mudanças climáticas…


    1. carlos arruda diz:

      Vai estudar antes de querer contestar, seu zumbi esquerdista!


  14. Alexandre diz:

  15. Augusto José diz:

    Disse Alexandre Araújo Costa, "cientista".