Análises

A vida, a proteção e a “boiada”

É notório que atitudes como a do chefe da pasta ambiental federal nos envergonham perante a comunidade internacional e acabam tendo sérias consequências

Antonio Marcos Barreto ·
26 de maio de 2020 · 4 anos atrás
Não se deve aproveitar a pandemia para passar a boiada. Credito: Bernardo Camara.

Ao longo da crise pandêmica que a população mundial enfrenta, descobrimos, por meio de evidências cientificas, que a Covid-19 surgiu da invasão do homem ao habitat natural de animais silvestres e da consequente degradação ambiental dos ecossistemas. E é no meio desta conjuntura que nos deparamos com uma reunião ministerial, exposta em vídeo divulgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), na qual o chefe da pasta ambiental do Brasil afirma que este seria o melhor momento para “passar a boiada” nas políticas públicas que, desde 1981, com a criação da Lei 6.938/81, vêm aos trancos e barrancos tentando proteger nossos patrimônios naturais.

Em dezembro deste ano, completamos 14 anos da Lei Federal 11.428, que instituiu as diretrizes para a proteção da Mata Atlântica, um dos importantes biomas brasileiros, constantemente ameaçada pelas intervenções do desmatamento ilegal, pelo agronegócio desenfreado e pela industrialização realizada sem regras de sustentabilidade.

É notório que atitudes como a do chefe da pasta ambiental federal nos envergonham perante a comunidade internacional e acabam tendo sérias consequências. Entre elas, a diminuição em larga escala das exportações brasileiras deixando o Ministério da Economia, e até mesmo o da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, preocupados com políticas ineficientes levando o governo a defender conceitos equivocados sobre o desenvolvimento sustentável.

Dia 27 de Maio próximo comemoramos o Dia Mundial da Mata Atlântica. Mas, diante do cenário que nos encontramos o que de fato podemos comemorar?

As oportunidades vão se esvaindo pelos dedos dos gestores e dos líderes do governo federal, que deveriam organizar ações de proteção e valorização da ciência, com positivos reflexos dos mais diversos dentro e fora do nosso país. Estes líderes ignoram a importância e a necessidade da harmonia entre o desenvolvimento de uma nação e as políticas ambientais. Este equilíbrio proporcionaria o avanço a uma esfera de conservação e proteção sem o chamado radicalismo dos apaixonados.

Estes gestores descreditam o embasamento na técnica e em estudos estatísticos, que demostram experiências e resultados relevantes. Estas pessoas parecem esquecer que, sem vida, não há crescimento. Sem políticas ambientais reguladoras e protetivas que resultem em ações socioambientais não há vida!

Resta-nos então fazer um apelo: que desperte a nossa nação!

“Gigante pela própria natureza

És belo, és forte, impávido colosso

E o teu futuro espelha essa grandeza”

Que nossas florestas sejam reconhecidas como o mais vital dos patrimônios brasileiros para que tomemos como aprendizado os erros e acertos cometidos por gerações passadas e assim vejamos com clareza o presente. Desta maneira, poderemos apontar como queremos chegar ao futuro.

Olhemos com otimismo para o “pós-quarentena”, com avanços na restauração de áreas degradadas e produtoras de água; com esperança de investimentos na infraestrutura dos órgãos ambientais, para a evolução da defesa do patrimônio natural brasileiro; com esperança de repensar políticas ambientais que apoiem e invistam em práticas reais de desenvolvimento sustentável.

É desta forma que manteremos a “boiada” presa dentro da cerca da autonomia e inteligência. Assim seguimos o exemplo dos grandes pensadores, como Chico Mendes, que lutou para preservar a vida sem que houvesse, em suas ações, pensamentos e práticas, qualquer movimento criado com o intuito de atender os caprichos de um chefe de estado confiante de que, para plantar, não é necessário uma terra saudável com a flora e a fauna preservadas.

Que possamos refletir e concluir, baseados nas provas e lições que esta pandemia nos traz, que o planeta e seus habitantes estão morrendo pela exploração e inconsequência dos que “passam a boiada” nas leis e normas que protegem a biodiversidade. Que, no futuro, todos nós deixemos de receber dados como os de hoje, que mostram um país no mês de abril, na década de 20, 2000 anos depois de Cristo, batendo recordes de desmatamento na Amazônia, pulmão verde do planeta,

patrocinado pela ignorância e pelo extremismo político. Que caminhemos a passos largos para construir um país de

“Terra adorada

Entre outras mil

És tu, Brasil

Ó Pátria amada!

Brasil!”.

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    Vice-presidente Nacional da ANAMMA (Associação Nacional de Órgãos Municipais de Meio Ambiente)

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