Análises

Celebrando o fortalecimento das Unidades de Conservação do Rio Grande do Norte

A Área de Proteção Ambiental (APA) Bonfim-Guaraíra e o Parque Nacional da Furna Feia ganharam, enfim, seus planos de manejo. Hora de implementá-los

Paulo Henrique Marinho ·
27 de janeiro de 2021 · 4 anos atrás
A caverna Furna Feia, que dá nome ao parque, possui mais de 700 m de extensão. Foto: Juan C. Vargas.

Unidades de conservação (ou UCs, na abreviação mais conhecida) representam uma das estratégias mais conhecidas e importantes para a proteção da biodiversidade, possibilitando um desenvolvimento mais sustentável através do uso racional dos recursos ambientais. De acordo com a legislação brasileira que regulamenta esse tema (ver SNUC), as unidades de conservação são espaços territoriais e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com objetivos de conservação e limites definidos, sendo legalmente instituídos pelo Poder Público, sob regime especial de administração. 

As áreas protegidas, como também são conhecidas as unidades de conservação, possuem diferentes instrumentos e estratégias para auxiliar sua gestão e garantir o alcance dos seus objetivos de conservação e desenvolvimento sustentável. O mais importante destes instrumentos é o Plano de Manejo, que é um documento técnico construído com base em todo o conhecimento acumulado sobre a UC, e através do qual, tendo em vista seus objetivos de conservação, se estabelece as normas gerais de uso e manejo dos recursos naturais de acordo com um zoneamento ambiental.

No Rio Grande do Norte existem atualmente 27 unidades de conservação distribuídas nos biomas Caatinga, Mata Atlântica e zona costeira, entre UCs federais, estaduais, municipais e particulares. Duas destas unidades de conservação tiveram seus Planos de Manejo publicados no finalzinho de 2020, sendo elas a Área de Proteção Ambiental Bonfim-Guaraíra (APA Bonfim-Guaraíra), gerida pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Rio Grande do Norte (IDEMA), e o Parque Nacional da Furna Feia (PARNA da Furna Feia), gerido pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Uma das lagoas da Área de Proteção Ambiental Bonfim-Guaraíra. Foto: Paulo H. Marinho.

A Área de Proteção Ambiental Bonfim-Guaraíra é uma unidade de conservação de uso sustentável criada em 1999 pelo governo do estado do Rio Grande Norte com o objetivo de proteger e preservar a Mata Atlântica e os seus ecossistemas associados, os recursos hídricos e a fauna e flora nativa. Cobrindo mais de 42 mil hectares e seis municípios da região do litoral leste do estado, essa APA se trata da maior unidade de conservação potiguar em ambiente terrestre. Seus recursos hídricos garantem água potável para mais de 30 municípios da região semiárida do estado através do seu sistema de lagoas e do aquífero subterrâneo. Além do abastecimento, essas lagoas, juntamente com as praias, dunas e matas que existem nessa área protegida, atraem milhares de turistas todos os anos.

Daniel Magalhães, gestor que esteve à frente da APA durante o desenvolvimento do seu Plano de Manejo, destaca que o caráter participativo do plano está refletido em todo o seu processo de elaboração, com o papel do conselho gestor sendo decisivo, já que este assumiu uma função de definição, priorização e avaliação dos projetos que serão executados. Para Rafael Laia, coordenador do Núcleo de Unidades de Conservação (NUC) do IDEMA, a publicação do Plano de Manejo é um passo essencial para garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado, e assim pode ser fortalecida a qualidade de vida das pessoas que vivem dentro dos limites da unidade de conservação, bem como da população potiguar e demais visitantes que usufruem dos seus recursos naturais e turísticos. O Plano de Manejo da APA Bonfim-Guaraíra conta com dois volumes, sendo o volume I composto por 114 páginas de arcabouço sobre a unidade de conservação, seus alvos de conservação e estratégias de manejo e gestão. Já o volume II traz a proposta de zoneamento ecológico da UC.

Dunas, vegetação de restinga e lagoas interdunares, ambientes predominantes na Área de Proteção Ambiental Bonfim-Guaraíra. Foto: Paulo H. Marinho.

Enquanto a APA Bonfim-Guaraíra se destaca na conservação da Mata Atlântica potiguar, o Parque Nacional da Furna Feia é a maior unidade de conservação localizada na Caatinga do estado, e a única desta categoria. 

O Parque Nacional da Furna Feia foi criado em 2012 com o objetivo de preservar o complexo de cavernas da Furna Feia, sua principal caverna, e a biodiversidade associada ao bioma Caatinga, bem como de realizar pesquisas científicas e desenvolver a educação ambiental e o turismo ecológico. A unidade de conservação se estende por mais de 8000 hectares entre os municípios de Baraúna e Mossoró, no oeste potiguar, abrigando um patrimônio espeleológico (relativo às cavernas) e arqueológico incalculável. Segundo seu recém-publicado Plano de Manejo, que conta com 57 páginas, essa unidade de conservação possui pelo menos 206 cavidades naturais (cavernas), com a caverna Furna Feia, que deu origem ao nome da UC, sendo a maior e mais volumosa caverna do complexo, com seus 739 metros de desenvolvimento.

O Parna da Furna Feia abriga ainda espécies ameaçadas de extinção como o gato-do-mato-pintado (Leopardus tigrinus), o gato-mourisco (Herpailurus yagouaroundi) e o jacu-do-nordeste (Penelope jacucaca), além do raro caititu (Pecari tajacu) e a maior colônia conhecida do morcego da espécie Phyllostomus discolor do mundo, com seus aproximadamente 5.000 indivíduos abrigados na caverna que dá nome ao parque. Todas essas espécies devem se beneficiar de estratégias de conservação previstas no novo Plano de Manejo.

Pinturas rupestres no abrigo do letreiro, um dos locais mais visitados do Parque Nacional da Furna Feia. Foto: Juan C. Vargas.
Maior colônia conhecida atualmente do morcego Phyllostomus discolor, estimada em 5 mil indivíduos só na caverna Furna Feia. Foto: Juan C. Vargas.
O Parque Nacional da Furna Feia abriga uma porção significativa de vegetação conservada de Caatinga. Foto: Maria Luiza Falcão.

Para Leonardo Brasil, gestor do parque, a publicação do seu Plano de Manejo é um marco não só para a unidade de conservação e a equipe gestora, mas também para o ICMBIO como um todo, pois está entre as poucas UCs com um Plano de Manejo contendo regras para sua zona de amortecimento (veja aqui o que é uma zona de amortecimento). “A participação da sociedade na elaboração do documento e o seu embasamento científico fazem desse Plano de Manejo um marco de gestão para o ICMBIO”, ressaltou Leonardo Brasil.

O próximo desafio da gestão das duas unidades de conservação é colocar em prática os planos, programas e estratégias previstos em ambos os Planos de Manejo, e para isso elas contam com toda a ajuda possível das instituições e da sociedade como um todo. Com estes reforços para a conservação de dois dos biomas mais ameaçados e desconhecidos do Brasil, a Mata Atlântica do Nordeste e a Caatinga, ganham todos: as populações locais, os turistas, os pesquisadores e, principalmente, a biodiversidade.

 

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Comentários 2

  1. Parabéns aos envolvidos pelo lindo texto e pelo emprenho na gestão e desenvolvimento dos planos de manejo, que são de suma importância para o planejamento e efetividade da conservação. Fico muito feliz de mais UCs no nosso estado estarem melhor estruturadas e com bons profissionais à frente da gestão. Divulgar esses avanços para a sociedade também é maravilhoso! Como potiguar, sou grata!

    Att. Larissa Santos
    Bióloga e doutora em Ecologia-UFRN


  2. Carlos diz:

    NOSSA!!! O ECO falando bem do plano de gestão de um parna!!! Em pleno governo Bolsonaro/Salles!!!

    Hoje vai nevar na catinga potiguar…