Nas últimas semanas, acompanhamos as negociações da COP26 do Clima, em Glasgow na Escócia, com debates em torno da regulamentação do tratado do clima, ampliação do financiamento climático e aumento da ambição relacionada às metas de corte de emissões de gases de efeito estufa entre os países.
A expectativa em torno do tema é inevitável. A pandemia de COVID-19 chegou para mostrar ao mundo que o desequilíbrio que estamos provocando nos ecossistemas tem impacto direto nas nossas vidas. Além da crise causada pela COVID, as crises que se seguem associadas às mudanças climáticas e ao colapso da biodiversidade poderão resultar em impactos ainda mais devastadores.
Diante desse cenário, uma sensação de desalento pode começar a tomar conta de parte da sociedade. Já temos publicações, inclusive, que falam sobre a “ecoansiedade” ou ansiedade climática e seus impactos psicológicos. Mas afinal, há algo que possamos fazer? Como podemos contribuir para transformar esse panorama?
Um relatório recente das Nações Unidas estima que um bilhão de pessoas se voluntariam a cada ano para ajudar suas comunidades ou para fazer a diferença nas causas em que acreditam. Ou seja, é uma legião de pessoas de todo o mundo buscando fazer a diferença, seja em seus territórios ou além deles. Olhar para números tão expressivos, talvez nos dê pistas de como podemos incentivar a sociedade a tomar parte de ações concretas para a transformação socioambiental tão urgente.
Com relação à crise climática e ambiental que vivemos, o Voluntariado para a Conservação é um caminho promissor. A partir do conhecimento, tempo disponível e vontade para contribuir por uma causa em que acredita, a sociedade pode apoiar ações de conservação no Brasil e, com isso, contribuir para o alcance das metas de biodiversidade, desenvolvimento sustentável e clima.
Todo esse potencial de mobilização e de ação está sendo cada vez mais reconhecido e valorizado. O voluntariado já é considerado uma estratégia importante para apoiar a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), uma vez que atingir essas metas a nível global exige a cooperação e o compromisso dos governos, da sociedade civil, da academia, do setor privado e dos indivíduos. O Plano de Ação para Integrar o Voluntariado na Agenda 2030 estabeleceu três objetivos: I. fortalecer a apropriação das pessoas pela agenda de desenvolvimento sustentável; II. integrar o voluntariado em estratégias de implementação nacionais e globais; III. medir o voluntariado para contribuir para uma compreensão holística do envolvimento das pessoas na implementação dos ODS.
No Brasil, o movimento também tem crescido, mas quando se trata do voluntariado para a conservação ainda tem muito espaço para avançar. O Programa de Voluntariado do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) abrange mais de 260 áreas entre Unidades de Conservação e centros de pesquisa, e é um dos maiores da América Latina. Já é uma referência e inspiração para muitos estados e municípios. Em seu cadastro existem mais de 40.000 inscritos de todo o país, que buscam oportunidades de se voluntariar. São pessoas de todas as regiões, de todas as idades e formações, que querem doar parte do seu tempo, conhecimento e energia para apoiar a gestão das nossas Unidades de Conservação.
Além da esfera federal, alguns estados também já têm iniciativas próprias, assim como já existem redes de iniciativas voluntárias como a Rede Brasileira de Longo Curso que agrega centenas de voluntários de todo o país com ações de construção, manutenção e sinalização de trilhas e de restauração, contribuindo para ampliar o uso dessas áreas pela sociedade e a conexão entre áreas protegidas. Outra iniciativa que tem crescido é a Rede Nacional de Brigadas Voluntárias que reúne centenas de voluntários que ajudam na prevenção e combate a incêndios em áreas naturais.
O IPÊ – Instituto de Pesquisas Ecológicas realizou, no mês de outubro, dois eventos que também evidenciaram o potencial do voluntariado para a conservação. O I Fórum Brasileiro de Voluntariado em Unidades de Conservação e o I Encontro de Boas Práticas em Voluntariado em Unidades de Conservação. Durante dois dias de fórum, servidores federais, estaduais e municipais, gestores de unidades de conservação públicas e privadas, representantes de instituições parceiras, pesquisadores, estudantes e voluntários reuniram-se para compartilhar experiências, além de inspirar e promover o engajamento de profissionais e voluntários.
O evento trouxe a importância das mobilizações de voluntários e de recebimento de doações, como as que ocorreram durante os grandes incêndios no Pantanal em 2020, além de experiências inspiradoras de voluntariado na Amazônia, Pantanal e Rio de Janeiro. Também apresentou aprendizados do voluntariado no Brasil, Alemanha e Estados Unidos. Especialistas destacaram a importância do voluntariado para o cumprimento das metas globais de desenvolvimento sustentável, e ainda foi discutido o potencial de aproximar mais o voluntariado para a conservação do ambiente corporativo, dentro da agenda de ESG das empresas (sigla que em inglês significa Ambiental Social e Governança).
O Encontro de Boas Práticas mostrou que temos muitas experiências ricas e inspiradoras de voluntariado em unidades de conservação no Brasil. Foram selecionadas 25 experiências que envolveram mais de 20.000 voluntários do Brasil. Elas serviram de subsídio para discussões sobre desafios e aprendizados na gestão do voluntariado. As boas práticas, as apresentações do fórum e outros materiais estão disponíveis na página de voluntariado do IPÊ e no Canal do IPÊ no Youtube.
A quantidade e diversidade de participantes dos eventos, que já somam mais de 3.500 visualizações no YouTube, reforçam que as pessoas querem buscar caminhos para contribuir. Cabe ao poder público, organizações da sociedade civil e empresas apoiarem a implementação dessas iniciativas que precisam ser vistas como parte de uma política pública mais ampla, de reconhecer o voluntariado e promover essa alternativa de participação social na agenda de conservação.
Ainda é um desafio mensurar os resultados e impactos do voluntariado para conservação no país, mas sabemos que são milhares de pessoas engajadas, contribuindo para ações como a construção e sinalização de centenas de quilômetros de trilhas, prevenção e combate a incêndios, ações de educação ambiental em comunidades e escolas, plantio de árvores, restauração de áreas degradadas, monitoramento ambiental, apoio às comunidades, capacitação, comunicação, entre muitas outras.
E os ganhos não param por aí. Todos esses voluntários juntos formam uma grande rede de pessoas que acredita que é possível se dedicar a uma causa. Eles têm a oportunidade de vivenciar experiências transformadoras, conhecer os desafios e oportunidades das nossas unidades de conservação, ampliar sua conexão com essas áreas e, assim, se tornarem seus defensores. Fortalecer o voluntariado nessas áreas contribui para ampliar a participação social na sua gestão e para aumentar o engajamento da sociedade na conservação da sociobiodiversidade. Além disso, é uma oportunidade para oferecer o contato com a natureza, tão importante para saúde física e mental de todos, e para formar novas gerações de conservacionistas.
Ser um voluntário é sobre tudo isso, e também sobre não ser apenas espectador diante dos desafios climáticos e da proteção da biodiversidade que temos pela frente. É sobre ser protagonista e parte da solução.
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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Belo artigo!