No Brasil, em todo ambiente de vida natural onde se verifica a presença do gato doméstico, sabemos que o mesmo compete com animais silvestres por comida, quando não os transforma no próprio jantar. Esse conflito fica ainda mais evidente em ambientes insulares, com a presença de espécies, grande parte endêmica, que não evoluem para se defender de animais exóticos invasores.
Para entender esse processo e aplicar mecanismos de defesa para espécies ameaçadas em um pedaço de Mata Atlântica do litoral de São Paulo, o biólogo Giovanne Ambrosio Ferreira, em parceria com o Instituto de Pesquisas Cananéia (IpeC), monitorou e controlou gatos domésticos semi-domiciliados nas vilas de pescadores da Ilha Comprida entre os anos de 2009 e 2015.
Em entrevista concedida ao ((o))eco, o hoje doutor pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) nos conta um pouco dos resultados dessa iniciativa.
Leia a entrevista completa:
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Eduardo Pedroso: Por que devemos investigar e entender os hábitos do gato doméstico relacionados à fauna silvestre?
Giovanne Ambrosio Ferreira: A compreensão dos hábitos do gato doméstico em ambientes silvestres é importante para conseguirmos mensurar o impacto que ele pode causar, e para traçar estratégias para minimizar esse mesmo impacto. O gato doméstico, embora seja um animal de companhia, possui uma flexibilidade comportamental e ecológica muito grande. Ele tem um sucesso de adaptação a diversos ecossistemas, podendo desenvolver independência dos seres humanos na questão alimentar. Essa independência aguça seu extinto de predação, que é inato da espécie, pois se trata de um predador natural. Esse comportamento pode oferecer risco às espécies locais que passam a ser presas do gato. Além disso, ocorre a competição por alimentos com outros animais que se alimentam das mesmas presas, e também pode acontecer a transmissão de doenças do felino doméstico para o silvestre.
Lendo as suas teses acadêmicas sobre os trabalhos de campo foi possível constatar que mesmo recebendo alimento dos seus tutores os gatos monitorados predavam pequeno animais da ilha.
Faltou complementar na primeira resposta, o comportamento de predação é inato do gato, muitas vezes independe do fornecimento de comida pelo tutor. A predação dessa espécie não ocorre apenas para saciar a fome.
Você pode nos expor como se deu basicamente seu trabalho na Ilha Comprida?
Importante salientar que o trabalho se deu exclusivamente com animais semi-domiciliados. Fizemos um monitoramento através de radiotelemetria apenas dos machos, coletamos fezes, para identificar o que eles estavam comendo além da comida recebida dos humanos. Da coleta retiramos a informação de que estavam predando vários insetos, aves e pequenos mamíferos.
Pode citar os nomes de algumas espécies predadas pelos gatos semi-domicilados?
Sim, entre as aves temos a corruíra, o sanhaço do coqueiro e o tico-tico. Entre os mamíferos, marsupiais como o saruê e a marmosa, e diversos roedores silvestres, como o rato do arroz, por exemplo.
Continuando. Do monitoramento com radiocolar depreendemos que os gatos que tinham proximidade de fêmeas no local onde moravam, tinham sua área de vida diminuída, ao passo que os machos que não tinham fêmeas próximas, alcançavam muito mais territórios da ilha.
Área de vida são os espaços por onde transitam as espécies, certo?
Sim, isso mesmo.
Esses gatos de vilas de pescadores eram animais inteiros no início do trabalho? Ou seja, não eram castrados?
Exatamente. Monitoramos por um ano grupos de gatos não castrados e registramos seus padrões de predação e área de vida e após esse período castramos todos. Depois de recuperados do procedimento da esterilização retomarmos o monitoramento.
E qual foi a constatação?
Existe literatura científica demonstrando que não há diferenças significativas entre gatos castrados e não castrados no que se refere à área de vida, entretanto no nosso trabalho observamos uma redução de alcance nas áreas quando os gatos foram castrados.
Mesmo dos machos que não tinham fêmeas em suas residências?
Machos que tinham proximidade de fêmeas e machos que não tinham ambos os grupos apresentaram redução significativa do tamanho da área de vida. Acreditamos que diferente do que mostravam os trabalhos anteriores, existe sim uma redução dessa área de vida destes animais após a castração. Diferenças individuais, ou a existência de variáveis diversas, muitas das vezes não observadas nos trabalhos anteriores, tal como a presença de fêmeas, podem não ser consideradas, o que acaba nos levando a resultados imprecisos. Logo, quando monitoramos o mesmo animal, comparando o efeito desta intervenção, é possível notar que sim, a castração provoca uma redução da área de vida.
A predação diminuiu?
Uma vez que a castração tinha limitado a área de vida dos gatos, tínhamos como premissa que a predação teria uma redução significativa. E de maneira surpreendente isso não ocorreu. Nas análises de fezes dos gatos castrados constatamos que um grande número de animais silvestres continuava a ser predado. A castração não diminuiu a predação.
Se a área de vida foi encurtada, o alcance ficou menor, não seria lógico que a predação fosse menos impactante?
Era o que esperávamos, entretanto os entornos das residências são áreas de mata, o gato nem precisa se deslocar muito para ter acesso às espécies nativas. E em geral essas espécies nativas também se adaptam às alterações antrópicas. A proximidade desses animais naturais da ilha das residências gera facilidade para o gato, que preda de maneira oportunística.
Todos os gatos domésticos da ilha foram castrados nesse trabalho de campo?
Conseguimos convencer quase todos os tutores a nos deixar castrar os animais. Foram castrados 75% dos gatos da porção sul da Ilha, Boqueirão Sul.
Algumas experiências ao redor do mundo apontam para a erradicação do gato dos ambientes selvagens afetados, como é o caso australiano, por exemplo. O que você pensa sobre isso?
O estabelecimento de uma estratégia para minimização de impactos é controversa. Há defensores da eliminação da espécie por envenenamento, abate ou captura e eutanásia. Particularmente sou contra a morte desses animais, acredito que procedimentos de captura, esterilização e devolução surtam efeitos, pois diminuem significativamente o número de indivíduos asselvajados. Também é importante identificar os gatos que permitam aproximação e sejam dóceis, para recolhê-los e inseri-los em programas de adoção.
Cabe ainda ressaltar que a responsabilidade pela presença desses animais, principalmente em ambientes insulares, é da nossa espécie, o homem. Dificilmente esses animais chegariam nesses locais de forma natural. Então, se há um verdadeiro responsável pela presença do gato e dos potenciais impactos por ele causados, é o ser humano, que de maneira intencional ou não, acabou introduzindo-os nas ilhas.
Portanto, é de extrema importância não só traçar medidas para minimizar os impactos onde já existe a presença destes predadores, bem como levar até a população destas áreas informações corretas, como a posse responsável, cuidados sanitários e de saúde, e especialmente a castração.
Educação ambiental?
Exato.
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Muito bom o artigo.
Isso não é ciência, é só um amontoado de preconceito de alguém que fala de coisas que não conhece, gatos e pessoas.
Qualquer um que não seja um piá de apartamento sabe que quem mora para fora seleciona gatos caçadores. Eles procuram gatas caçadoras e cruzam elas com gatos caçadores para ter filhotes caçadores, pois é isso que se deseja desses gatos: que cacem. Quem mora para fora tem gato para espantar ratos e cobras, as outras espécies entram como efeito colateral.
Tentar traçar todo o comportamento de uma espécie baseado em um grupo com características selecionadas por humanos é ridículo e absurdo. É como tentar traçar o comportamento de todos os cães baseado na análise de pitbulls.
Outros erros são em relação à castração. Castrar gato na infância e depois na idade adulta são duas coisas completamente diferente. Além do gato adulto já ter hábitos, leva meses (sim, meses) para a castração fazer efeito, pois os hormônios continuam circulando no corpo. Castração não é mágica
Outra questão é a dominância. Tem gatos e gatas que são mais dominantes, e por isso mantém determinados comportamentos mesmo castrados se estiverem na presença de outro gato – principalmente se o outro gato não for castrado
Eu tenho um gato de 10 anos, castrado desde bebê e sem acesso à rua. Ele não "mija em pé" para marcar território, mas se tiver a aproximação de outro gato não castrado, mesmo que seja do outro lado da porta, ele mija. O cheiro não é tão forte, por causa dos hormônios, mas o comportamento está lá. Esse meu gato é dominante. O gato da minha mãe, por sua vez, também castrado, tem contato com gatos não castrados e não mantém esse comportamento porque não é dominante.
Então são muitas variáveis
Isso apresentado não e ciência, não tem rigor científico, porque foi feito por alguém que não conhece o objeto de estudo e tampouco o ambiente estudado. Em outras palavras: um piá de apartamento que não sabe nada de gato e nem das pessoas que moram para fora.
Discutir CONSERVAÇÃO com tarados animalescos e adoradores de gatos é lavar porco com xampu.
Olás. Posso falar por experiência própria. Passo aqui para dizer que, mesmo castrado, continuo adorando comer espécimes silvestres e não me importarei de extingui-las se for esse o resultado. Eu sou fofo e acredito que não me incomodarão até eu atingir esta situação. Chamam essas pessoas que me protegem de "protetores de animais", não? Pena que os bichos que eu como não tenham a mesma sorte de serem fofos ou chamativos. Simplesmente a-do-ro!!! quando um "protetor dos animais" fala que a culpa não é minha, pois o resultado disto é, na prática, manter o que faço hoje. Boa sorte para os outros animais! Tchau!
Genial!
Vale muita pela pesquisa e por novos dados.
Mas, entra no entendimento de que "explica, mas não justifica".
O problema continua. A fauna nativa continua sendo exterminada.