Análises

O Ibama não está contra o governo, mas contra a irresponsabilidade. E isso incomoda

O Ibama não foi criado para dizer "amém" a qualquer projeto de interesse político, e sim para proteger o meio ambiente, garantindo que decisões sejam tomadas com base em ciência e responsabilidade

Wallace Rafael Rocha Lopes ·
13 de fevereiro de 2025

As recentes declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre o processo de licenciamento da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas geraram forte reação entre especialistas e servidores da área ambiental e evidenciaram uma incompreensão preocupante sobre a natureza do órgão e do próprio processo de licenciamento ambiental.

Quando ele afirma que “o que não dá é ficar nesse lenga-lenga. O Ibama é um órgão do governo, parecendo que é um órgão contra o governo“, o presidente coloca em xeque a autonomia do Ibama e ignora um princípio básico: o Ibama não foi criado para dizer “amém” a qualquer projeto de interesse político, e sim para proteger o meio ambiente e as pessoas, garantindo que decisões sejam tomadas com base em ciência e, principalmente, responsabilidade.

É inadmissível que em pleno 2025 ainda seja necessário afirmar para um presidente da república que o Ibama não é um órgão de governo, mas sim um órgão de Estado. Suas decisões devem ser fundamentadas em critérios técnicos, científicos e legais, independentemente de interesses políticos momentâneos. E é especialmente desanimador que, depois de quatro anos de desmonte e assédio sob o governo Bolsonaro, os servidores ambientais ainda precisam lutar para que sua independência seja respeitada. Agora, a pressão vem de um governo que se diz defensor da pauta ambiental, mas que, na prática, quer um Ibama submisso às suas vontades.

A exploração de petróleo na Margem Equatorial, em uma área de altíssima sensibilidade ambiental e grande incerteza científica, demanda rigor na avaliação de impactos, não pressa para atender expectativas políticas. Não há “lenga-lenga” no cumprimento da legislação ambiental; há, sim, responsabilidade técnica e precaução diante de potenciais riscos irreversíveis.

A história já demonstrou os perigos de decisões tomadas sob pressão. O Brasil coleciona tragédias socioambientais resultantes da priorização de interesses econômicos sobre a avaliação técnica, como nos casos de Brumadinho, Mariana, Belo Monte, Balbina, Transamazônica e BR-163, entre outros.

A própria Petrobras tem um histórico que desmente a tese de que a exploração petrolífera no Brasil é totalmente segura. Nos últimos dez anos, a empresa recebeu mais de três mil autos de infração do Ibama, totalizando cerca de um bilhão de reais em multa. A maior parte dessas autuações está relacionada ao despejo indevido de óleo no mar e ao descumprimento de condicionantes ambientais. Acidentes como a explosão da plataforma P-36, que resultou na morte de 11 pessoas, e o caso do navio-plataforma no Espírito Santo, que deixou nove mortos e 26 feridos, mostram que negligências acontecem.

Mais especificamente na Foz do Amazonas, a própria Petrobras já tentou perfurar um poço em uma área próxima à que agora tenta licenciar. Na ocasião, a sonda de perfuração foi arrastada pelas fortes correntes marítimas, provocando vazamento de óleo. Até hoje, a empresa não pagou a compensação ambiental. Inclusive, o problema das correntes marítimas da região e a dificuldade de resposta rápida a um eventual vazamento são justamente algumas das preocupações centrais do Ibama neste processo.

Este ano, o Brasil sediará a COP 30, um dos eventos mais importantes no debate global sobre mudanças climáticas. É contraditório que, ao mesmo tempo em que se apresenta como líder na agenda ambiental, o governo Lula faça coro junto com aqueles que trabalham diariamente para enfraquecer a governança ambiental. Se o governo realmente deseja avançar na exploração petrolífera de forma responsável, deveria investir na Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS), um estudo que poderia ter sido realizado desde 2012 e serviria para definir áreas aptas e não aptas à exploração, dando mais segurança e rapidez ao processo.

A propósito, algo que também ajudaria a acelerar as análises seria a melhoria das condições de trabalho dos servidores e a realização de um concurso público sério, capaz de preencher as 2.400 vagas hoje ociosas no Ibama. Mas no terceiro ano de seu mandato, Lula aprovou apenas 460 vagas, após muita pressão interna, o que mal cobre o número de aposentadorias do período. Um contrassenso inexplicável, ainda mais após aprovar 2 mil vagas para a polícia federal, não é verdade?

A fala do presidente Lula não é mais do que reflexo de uma visão ultrapassada sobre o papel do licenciamento ambiental e do Ibama. Pressionar servidores públicos para aprovar empreendimentos sem a devida avaliação técnica, além de ser desrespeitoso, é também comprovadamente perigoso.

O Ibama não é “contra o governo”. Ele é a favor da sociedade e da proteção ambiental, garantindo que decisões sejam tomadas com base na ciência, na legislação e no interesse público. Se há algo que atrasa o desenvolvimento sustentável no Brasil, não é a cautela do licenciamento ambiental, mas sim a irresponsabilidade e a insistência em ignorar as lições da história.

As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.

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Comentários 15

  1. O caso da exploração de petróleo na foz do Amazonas não é uma situação nova, anômala, mas uma rotina. Vamos lembrar que no primeiro governo de Lula, contra as evidências e EIA/RIMA que, bizarramente não contemplava o trecho baixo do rio São Francisco (hoje penando sem água, totalmente controlada pela CHESF privatizada via Eletrobras não estatal) e relançou a transposição que vem destruindo o Velho Chico, tema tabu na mídia geral. O IBAMA da época, com a mesma ministra Marina, liberou a obra e deu no que sabemos, a infame história do “caneco d’água para o irmão”, quando estudos consistentes provaram que havia água (nas mãos de poucos) no nordeste setentrional. Da mesma forma, também no primeiro governo de Lula, a sociedade do Baixo São Francisco na região da foz se mobilizou, criou a proposta de uma APA na margem sergipana que, sendo exemplarmente afinada pelo IBAMA, se transformou em um projeto de decreto que, na mesa presidencial nunca foi assinado: hoje está destruída, pela carcinicultura (sem qualquer controle e legalizada pelos órgãos ambientais e sem ações dos MPs), além, claro, dos efeitos das operações da UHE Xingó que, graças ao IBAMA, agora uma outra situação, teve em 2021 sua LO renovada com redução da vazão mínima de 1.300 m³/s para 700 m³/s em submissão ao setor elétrico. E Belo Monte e outas UHEs na Amazonia, nos primeiros governos de Lula? O São Francisco é um exemplo feito, acabado, de como é destruido um rio, no caso o maior de todos em território nacional.

    Mais recentemente, tivemos a tentativa da Exxon Mobil de explorar petróleo na foz do São Francisco, com autorização do IBAMA. Conseguimos provar, tecnicamente, que as simulações realizadas para os casos de vazamento de óleo estavam completamente otimistas, apoiadas em vazões reais do rio que não mais existem, por força do controle do ONS e CHESF sobre as águas do Velho Chico que foi reduzido a um fiapo. A empresa foi obrigada a refazer as simulações e em seguida, no português popular “capou o gato”, para a alegria da população da região.

    Assim, há problemas consistentes na manutenção da missão precípua do IBAMA em proteger nosso patrimônio nacional. Não há, como foi dito nesses dias, e em um mundo a caminho do colapso ambiental, uma possível “conciliação entre o desenvolvimento “responsável” e a proteção do patrimônio natural”.

    E não se fala em recuperação do São Francisco, outras bacias, no plantio de bilhões de árvores. É terrível.


  2. douglas cardoso diz:

    Estão a 3 anos com a licença da Petrorio na gaveta, para dizer que é lenga lenga tem que melhorar muito!


  3. Andressa M diz:

    Ótima matéria. Um absurdo um governo que se diz progressista e a favor da causa ambiental se comportar dessa maneira.


  4. Malboro diz:

    O autor não citou de forma clara e objetiva qual seria a irresponsabilidade do IBAMA, caso liberasse a licença à Petrobrás. Não falou porque está suposta irresponsabilidade é uma farsa. É alegada algum prejuízo a fauna e flora submarina, mas na verdade nao tem quase nada naquela região. Pesquisas desde década de 70, até hoje, mostram categoricamente este fato. O Brasil é refém do IBAMA.


  5. Manoel diz:

    Excelente matéria, o brasileiro acha que a natureza só tem valor destruída, acha que a população vai ganhar alguma coisa com o retrocesso do petróleo (o petróleo é nosso!), está na hora de abandonar esse atraso, esse setor pré-histórico, infelizmente a população não tem estudo nem conhecimento para apoiar você e cai na conversa mole de políticos e não conseguem identificar alguém que valoriza a natureza sem pensar em dinheiro


  6. Precisamos que se mostre um único e mísero projeto que o IBAMA deu licenciamento ambiental sem a devida lenga-lenga como disse o cara aí, (o cara aí, é porque não é meu presidente) falou, e esse IBAMA com a parceria do Psol infernizam e atrasam o desenvolvimento do país, enquanto isso a Guiana se esbalda em petróleo.


  7. Edson filho costa figueiredo diz:

    Não me lembro dessa preocupação toda 5 anos atrás quando Bolsonaro praticamente extinguiu o ibama?


  8. brito diz:

    Tudo certo, o IBAMA diz proteger o meio ambiente, etc, etc. Esse texto na verdade atende interesses externos que nos exploram e querem nossas riquesas fazendo o país dependente e nos escravizando. Lula está certíssimo pois se não explorarmos agora tomarão de nos. Meio ambiente é decisão geral e não de conversa fiada. Acorda, Marina!


  9. Rafael José diz:

    O autor trata sobre responsabilidade. Se servidores públicos, inclusive os de tribunais de justiça fossem imparciais como o Sr., com certeza nosso País seria mais eficiente para o bem da população.


  10. sócrates c penna diz:

    falem sério! não é uma decisão de governo, é de nação. quantos acidentes tivemos com a Petrobrás? risco sempre haverá. a questão é de redução do risco. querer comparar a mariana, brumadinho… o ibama avisou sobre as barragens! ah! não era obrigação do Ibama. é uma questão, também, de viabilidade econômica e energetica do Brasil. elaborem projetos com redução de riscos e POPs para caso de acidentes!


  11. MARIO SERGIO diz:

    Se voltamos a um passado não muito distante, onde o Ibama fazia vistas grossa para garimpos ilegais na Amazônia. A Petrobrás é uma estatal séria e responsável, com critérios de exploração muito rígidos. Me admira muito o Ibama está com todo este impedimento. Só resta uma pergunta, o Ibama está preocupado com o Brasil ou serve interesses de fora.


  12. Gilvan Lechiu diz:

    E os garimpos ilegais e o desmatamento que estão devastando a Amazônia, porque o Ibama não intervém. Só por causa dos pistoleiros,bandidos, traficantes e afins. Será que é por causa disso. Agora criticar o governo em explorar a bacia petrolífera que é a mesma da Venezuela ficam enchendo o saco e lá não tem pistoleiros. Será isso.?! 👿👿👿


  13. Jorge diz:

    Sim!
    Posta todas as matérias feita no governo anterior!
    Aquelas, onde toda fiscalização do país foi desmontada!
    Qualquer uma, mineração irregular, etc…..


  14. marcelo diz:

    Muito bem colocado Walace, os órgão públicos não são contra, são para proteger os interesses públicos, ser possível desde que se garanta o menor impacto, a sustentabilidade e a saúde do público.


  15. Sandro Araujo diz:

    Parabéns Wallace, muito coerente e de acordo com o pensamento dos servidores da área ambiental.