Recebi hoje com pesar a notícia do falecimento de Alceo Magnanini, aos 96 anos de idade, vítima de COVID.
Uma perda lamentável! Magnanini foi inspirador para muita gente, como eu mesmo, sendo daquelas pessoas que a gente quer que vivam para sempre. Incalculável sua contribuição à conservação da natureza no Brasil. Fosse o Brasil uma nação robusta em termos de educação e ciência, Alceo teria um patamar de respeito muito além do que alcançou aqui, onde sua contribuição é conhecida e valorizada apenas no restrito meio conservacionista.
Se no passado, em dias politicamente melhores da nação, ainda que economicamente complicados, Augusto Ruschi foi homenageado com a nota de 500 cruzados novos, não tenho dúvidas que Magnanini mereceria hoje em dia a recentemente lançada de 200 reais (senão a futura nota de 500 que poderá ser necessária para enfrentar a inflação que temos e que parece que seguirá).
Seus textos e livros foram uma base importante no início de minha carreira, como na de muita gente, sei hoje. Mas conhecê-lo pessoalmente trouxe outro valor ao que eu havia lido. O que ele pensou e criou, na época que o fez, foi realmente ímpar. Assim também foi inspirador!
Como todo mundo, também teve atitudes que alguns questionaram, como o de ter se rebelado contra a mudança da sua divisão de trabalho na conservação, do Rio (antiga capital federal) para Brasília (nova capital), sede do então recém-criado IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal, negando-se a seguir com a instituição. Mas isso não fez e não fará a menor sombra à sua contribuição à ciência e à conservação, que se estendeu do serviço público ao terceiro setor, quando presidiu a FBCN, primeira grande e importante organização não governamental conservacionista do país, a qual presidiu.
Eu o conheci pessoalmente no âmbito de um workshop fechado ao público, durante a preparação do Projeto Nacional de Meio Ambiente, que o Governo Sarney, através da SEMA (Secretaria Especial de Meio Ambiente), preparava para financiamento pelo Banco Mundial, oportunidade em que também conheci todas as “grandes feras” do conservacionismo do país então vivas. Além do Alceo, estavam presentes Maria Tereza Jorge Pádua, sua ex- assistente e posteriormente sucessora na divisão de parques e reservas (ou o que equivalha), Adelmar Coimbra Filho, Ibsen de Gusmão Câmara, Wanderbilt Duarte de Barros e Paulo Nogueira Neto.
Tê-los conhecido foi marcante. E ao contar a experiência a meu Michael Jenkins, hoje presidente da Forest Trends e à época gerente de projetos da Fundação MacArthur, que já havia tido a oportunidade de conhecer Ibsen e Mara Tereza, veio a ideia de fazer um livro que contasse a saga desses importantes personagens e assim inspirar jovens conservacionistas no país. E foi no curso da produção desse livro, “Saudade do Matão”, escrito pela jornalista e militante conservacionista Teresa Urban, que tive a oportunidade de conviver, ainda que por curtíssimo período, de forma muito intensiva com os seis juntos.
Além das entrevistas individuais que Teresa conduziu, programamos como que um seminário fechado, com as seis personalidades reunidas por dois ou três dias, eles mesmos contando a “História” da conservação no Brasil (isso, com H maiúsculo), debatendo ideias, ora se opondo e ora se apoiando, contando casos seríssimos e alguns também hilários, tendo a mim e Elói Zanetti como provocadores. Um evento inapagável na minha memória, feliz de ter vivido isso, uma ocasião para poucos. Tudo gravado e matéria-prima para um capítulo especial do livro.
Ficaram laços de afeição e respeito com todos, destacando-se que com Ibsen e Maria Tereza eu já convivia fazia alguns anos por tê-los no conselho da Fundação O Boticário de Proteção à Natureza (hoje Fundação Grupo Boticário). Com Alceo, Adelmar Coimbra e Paulo Nogueira foram mais esporádicos os encontros e interações, ainda assim sempre importantes e marcantes.
Alceo, um carioca da gema (embora nascido em São Paulo), humor fino de quem perde o amigo para não perder a piada, era o oposto de Coimbra Filho, cientista (primatologista) brilhante, fã de brigas de galos, que defendia como característica natural garantidora da evolução da espécie, era um ranzinza nato, mas não menos especial.
Uma das últimas oportunidades de estar com Alceo foram dois de convívio intensivo na solenidade de entrega do prêmio Henry Ford de Conservação da Natureza, que recebemos juntos, no qual nos divertimos e rimos muito. Lembro dele me dizendo, com a típica malícia carioca, num tom que deixava a dúvida se proposta séria ou mera gozação: “Milano, isso só tem jeito com ecoterrorismo, por bem não vai”, referindo-se à situação ambiental do país. Eu começo a consolidar a conclusão de que ele estava certo!
Longevo como os demais, Alceo nos deixou aos 96 anos, com enorme legado! Vai juntar-se aos companheiros de saga Wanderbilt, o primeiro a nos deixar, em 1997, aos 81 anos; Ibsen Câmara, em 2014, aos 90 anos; Adelmar Coimbra, em 2016, aos 92 anos; e Paulo Noguera, em 2019, também aos 96 anos. Quiçá, juntos, tracem mais alguma estratégia para salvar a natureza do país antes que o Alceo se torne profético!
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