Análises

Tragédias como Mariana deviam ensinar

Desastres ambientais ao redor do mundo deixaram lições valiosas para aqueles que sofreram com eles. Por aqui, parece que não aprendemos com nossos erros.

Paulo Barreto ·
17 de dezembro de 2015 · 9 anos atrás
Imagem do satélite Landsat-8 próximos à barragem e sobre o distrito de Bento Rodrigues em Mariana disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial.
Imagem do satélite Landsat-8 próximos à barragem e sobre o distrito de Bento Rodrigues em Mariana disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisa Espacial.

O rompimento de barragens com resíduos de mineração está deixando um rastro de destruição por centenas de quilômetros do Rio Doce e no seu estuário. O rastro laranja atinge um rio que já agonizava por dezenas de anos de maus tratos. Tragédias como essa deveriam servir para melhorar a prevenção e a punição de crimes ambientais.

Vamos ver lições dos Estados Unidos segundo o livro de Richard Lazarus, professor de direito ambiental na Universidade Harvard. Em 1969, logo que o Presidente Richard Nixon tomou posse ocorreu um vazamento de óleo na Califórnia e um rio (Cuyahoga) em Ohio pegou fogo de tanta poluição acumulada. Nixon, do partido republicano que geralmente evita a regulação, propôs legislação ambiental para evitar que os democratas ganhassem o mérito por iniciativas ambientais. Nos meses e anos seguintes, o presidente e o Congresso aprovaram leis de proteção do ar e da água, incluindo o licenciamento ambiental, e as instituições executoras, como a Agencia de Proteção Ambiental (Environmental Protection Agency – EPA).

Nas décadas seguintes a aplicação das leis ajudou a reduzir drasticamente a poluição. Mas, não foi fácil. Políticos e lobistas empresariais tentaram enfraquecer a lei e os órgãos ambientais. Nixon tentou reverter parte das leis que ele mesmo promoveu ao considerar que não teriam resultado nos ganhos eleitorais que imaginava. O Congresso não deixou. O Presidente republicano Ronald Reagan também tentou enfraquecer as leis. Mas um senador do mesmo partido de Reagan, que era maioria no senado, se juntou aos democratas e bloqueou as medidas do presidente. Quando o presidente indicou gestores do EPA com o objetivo de bloquear a aplicação das leis, o Congresso constrangeu os administradores do EPA por meio de audiências públicas para que eles aplicassem as leis. Em outros momentos, o Congresso também tentou enfraquecer a lei. O Presidente Bill Clinton resistiu.

As ONGs pressionaram por melhorias. Por exemplo, usando as regras de transparência pública, A National Wildlife Federation publicou em 1989 a primeira lista das 500 empresas mais poluidoras do país (The Toxic 500). A sociedade civil demandou intervenção judicial em muitos casos. A Justiça Federal sentenciou contra as empresas e órgãos ambientais. Criminosos ambientais foram presos. Sem a possibilidade de prisão, os empresários incorporariam as multas aos custos de fazer o negócio e continuariam a poluir.

“A presidente Dilma deixaria sua marca positiva se também nomeasse uma comissão independente para aprender as lições do rompimento da empresa Samarco e promovesse as mudanças necessárias. “

A tragédia em Mariana está sendo seguida de algumas medidas punitivas. Os Ministérios Públicos de Minas e Federal cobraram preliminarmente R$ 1 bilhão da empresa para custear ações emergenciais. O governo federal multou a empresa em R$ 250 milhões e prometeu ajuizar ações de reparação de R$ 20 bilhões. Embora estas ações sejam essenciais, são insuficientes para assegurar que a gestão ambiental melhorará. O histórico recente mostra que o poder público tende a enfraquecer as leis ambientais quando elas “pegam”.

Na última década algumas leis ambientais começaram a ”pegar” por causa de pressões da sociedade civil, da independência do Ministério Público, da renovação de pessoal do Ibama e de eventuais líderes comprometidos no poder executivo. Por exemplo, a combinação destas forças ajudou na redução do desmatamento em cerca de 85% entre 2004 e 2012. Porém, o poder público e lobistas se uniram para enfraquecer as leis e os órgãos ambientais. Em 2012, o Congresso e Executivo anistiaram parte do desmatamento ilegal mudando o Código Florestal e reduziram Unidades de Conservação.

Pior , eles ainda querem mais. O Congresso está tentando dificultar a demarcação de Terras Indígenas. Enquanto ainda existem corpos desaparecidos da tragédia em Mariana, a Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional aprovou o projeto de lei 654/2015, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), que facilita o licenciamento de obras de infraestrutura nos sistemas viário, hidroviário, ferroviário e aeroviário; portos; energia; telecomunicações. Se aprovado pelo plenário e sancionado pela Presidente, o órgão ambiental terá 60 dias para avaliar os estudos ambientais e solicitar esclarecimentos. Depois disso, terá mais 60 dias para decidir. Se o órgão ambiental não conseguir avaliar o projeto neste período, o licenciamento será considerado aprovado. Em Minas Gerais, a Assembleia Legislativa aprovou em regime de urgência projeto do governador que impõe prazos para o licenciamento ambiental. Avaliar rapidamente projetos complexos com pouco pessoal é missão impossível para os órgãos ambientais.

Neste contexto, as ideias e pressão para mudar terão de vir de fora. A experiência americana mostra que promotores, judiciário, a sociedade civil e a imprensa foram essenciais. Além de  fazer cumprir as leis existentes, temos que aprender com as tragédias. Nos EUA, depois do vazamento de óleo no golfo do México em 2010, o Presidente Obama nomeou uma comissão independente para avaliar o caso. Um advogado e químico, professor de Harvard, dirigiu o trabalho que apresentou lições valiosas. A presidente Dilma deixaria sua marca positiva se também nomeasse uma comissão independente para aprender as lições do rompimento da empresa Samarco e promovesse as mudanças necessárias. Sem aprender, vamos continuar apenas chorando pelas vítimas e lamentando as perdas ambientais e econômicas.

 

 

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  • Paulo Barreto

    Sonha com um mundo sustentável e trabalha para que este desejo se torne realidade na Amazônia. É pesquisador Sênior do Imazon.

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