Mosaico é um termo inicialmente utilizado como método de criação de obras artísticas, e atualmente empregado também para análises de paisagens naturais ou transformadas. No Brasil, o termo encerra também, como prevê a legislação ambiental, “um conjunto de unidades de conservação (UC) de categorias diferentes ou não, próximas, justapostas ou sobrepostas, e outras áreas protegidas públicas ou privadas” (Lei 9985/2000). São reconhecidos hoje no país, 29 mosaicos de áreas protegidas, criados entre 2002 e 2018, envolvendo unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas.
O Mosaico Mata Atlântica Central Fluminense (MCF) foi oficialmente reconhecido pela Portaria n° 350, de 11 de dezembro de 2006. Desde sua criação, o MCF tem se destacado como um esforço conjunto de integração de unidades de conservação federais, estaduais e municipais, incluindo parques, áreas de proteção ambiental (APA), reservas biológicas (REBIO), monumentos naturais (MONA), estações ecológicas (ESEC), refúgios de vida silvestre (RVS), além de reservas particulares do patrimônio natural (RPPNs). Originalmente, o Mosaico era composto por cinco UCs federais, sete estaduais, seis municipais e quatro particulares, abrangendo uma vasta gama de ecossistemas da Mata Atlântica, desde manguezais até campos de altitude na Serra do Mar fluminense.
Em 2010 foi desenvolvido o Planejamento Estratégico do MCF, com enfoque ecossistêmico, promovendo uma visão integrada e participativa da gestão ambiental, que incluía a utilização de conhecimentos científicos e tradicionais, além de metas de conservação de longo prazo. Nele foi destacado como objetivo geral “integrar esforços para promover a sustentabilidade e a conservação da [sociobio]diversidade nos ambientes de Mata Atlântica, desde os manguezais até os campos de altitude na Serra do Mar Fluminense, minimizando os efeitos negativos da expansão metropolitana e industrial¹.”
Para isso, o conselho gestor do MCF se reunia a cada quatro meses para elaborar e deliberar sobre assuntos estratégicos. Além disso, para dar mais agilidade às temáticas específicas, estruturaram-se câmaras técnicas (CT) focadas em proteção, educação ambiental e pesquisa. A CT de Proteção se dedicava a operações de fiscalização integradas e ao acompanhamento de licenças ambientais, enquanto a CT de Educação Ambiental promovia encontros de comunidades e projetos de educação ambiental integrados, e a CT de Pesquisa organizava e compilava os estudos em andamento. Além dessas câmaras técnicas, o MCF também investiu em ações de comunicação, como a criação de um site e a TV Mosaico, visando ampliar o alcance de suas atividades e engajar a sociedade civil.
Período de Desmonte
Apesar dos esforços iniciais, o Mosaico Mata Atlântica Central Fluminense (MCF) enfrentou um período de desafios significativos durante o governo Bolsonaro (2019-2022). Em 2019, o conselho do MCF foi extinto por meio do decreto nº 9.759, que só viria a ser revogado em 2023. Este ato representou um grave retrocesso para a governança ambiental participativa na região e em todo o país.
Durante este período, houve uma série de desmontes e ataques às políticas ambientais, afetando diretamente a capacidade do MCF de cumprir seus objetivos de conservação e sustentabilidade. A falta de apoio institucional e o enfraquecimento das estruturas de governança resultaram em uma significativa redução das atividades do Mosaico, prejudicando tanto a fiscalização quanto às ações de educação ambiental e pesquisa.
A única ação que o MCF conseguiu manter neste período foi a continuidade da realização dos Encontros de Pesquisadores, iniciados em 2017, que se seguiram, inclusive, durante o período da pandemia da Covid-19 sendo, neste momento, realizado de forma online. Desde o primeiro, estes Encontros foram realizados em parceria com os já tradicionais Encontros de Pesquisadores do Parque Nacional da Serra dos Órgãos (que ocorre desde 2002) e de Educação Ambiental da Serra dos Órgãos (desde 2008), que reúne interessados na temática há duas décadas na região.
Novas perspectivas: a retomada das atividades
Em dezembro de 2023, já sob nova gestão no governo federal, uma reunião no Parque Nacional da Serra dos Órgãos marcou o início da retomada das atividades do MCF, refletindo um alinhamento entre as equipes do Instituto Estadual do Ambiente (INEA-RJ), Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), universidades e instituições de pesquisas, gestão e organizações da sociedade civil. Este encontro contou com a presença de diversos representantes do território do Mosaico, incluindo das prefeituras que sinalizaram um interesse político renovado, além de um potencial para uma gestão mais participativa e uma expansão da sua representatividade territorial com a inclusão de outras áreas protegidas, para além das UCs, com destaque para as áreas quilombolas mapeadas na região: Quilombo Boa Esperança (Areal), Quilombo da Tapera (Petrópolis), Quilombo Maria Conga (Magé), Quilombo do Feital e Quilombo de Bongaba (Magé). Apesar de existirem pessoas que se reconhecem como indígenas na região, não há terras indígenas identificadas no território do MCF e seu entorno.
A partir de março de 2024, um grupo de trabalho (GT) de Reativação do MCF passou a se reunir regularmente, permitindo que as ações começassem a se desenrolar de maneira mais concreta e articulada. As preparações para a retomada incluíram atividades estratégicas, como:
- atualização e reaproximação com gestores municipais e com equipes gestoras das unidades de conservação do território
- estratégias de mapeamento e reuniões de mobilização com representantes da sociedade civil, especialmente de povos e comunidades tradicionais (indígenas, quilombolas, pescadores artesanais e povos de terreiro), visando uma gestão mais inclusiva e representativa.
- identificação de documentos e do histórico do MCF
A mobilização também envolveu a reativação de canais de comunicação, como um canal no YouTube e uma página no Instagram, além de transmissões ao vivo e reuniões online. Estas transmissões abordaram temas como o funcionamento dos mosaicos de áreas protegidas, o histórico do MCF e a geografia do seu território.
Todas essas ações embasaram um segundo encontro da reativação do MCF, realizado em 27 de abril de 2024, também no Parque Nacional da Serra dos Órgãos. Esse evento contou com uma maior representação da sociedade civil e de povos e comunidades tradicionais – a decisão pela realização dessa ação em um sábado contribuiu para isso. O dia foi marcado por apresentações sobre o conceito de Mosaicos, o histórico do MCF e discussões em grupos de trabalho, culminando em uma grande plenária. O foco desse dia foi a análise do território e a composição do conselho do MCF.
A partir desse encontro, foram criados dois grupos de trabalho (GT). O GT Território analisou a abrangência do MCF e definiu critérios para a inclusão e manutenção de áreas protegidas em sua composição, enquanto o GT Composição do Conselho se concentrou na representatividade e na capacidade de tomada de decisões do conselho. Esses esforços resultaram na elaboração de uma proposta de minuta para uma nova portaria ministerial, que ainda está em análise e elaboração pelo GT Reativação, composto por representantes do poder público e da sociedade civil, com a expectativa de ser enviada aos órgãos competentes no início de 2025.
Expectativas e Próximos Passos
Com a retomada das atividades, o MCF está preparado para celebrar seu 18º aniversário em 11 de dezembro de 2024. Os planos incluem contribuir ativamente, a partir da nossa experiência, com o encontro da Rede de Mosaicos de Áreas Protegidas (REMAP) em agosto de 2024, que ocorrerá em Brasília. A expectativa é que a reativação do MCF não só fortaleça a conservação da Mata Atlântica, mas também promova uma governança ambiental cada vez mais participativa e inclusiva, garantindo que o legado ambiental continue a prosperar e que o MCF cumpra sua principal missão.
Autores
Grupo de Trabalho de Reativação do Mosaico Central Fluminense:
Thais Moreno Soares (UFRJ), Juliana Cristina Fukuda (ICMBio), Jorge Luiz do Nascimento (ICMBio e JBRJ), Marcus Gomes (ICMBio), Denise Marçal Rambaldi (INEA-RJ), Gabriela Viana Moreira (Instituto ASA e GIZ), Priscila Santos (ICMBio), Iyálorixá Mônica Baldino (Sociedade da Mulher Guerreira e Rede Vozes Negras pelo Clima).
Colaboradores:
Carlos E. V. Grelle (UFRJ) e Alda Heizer (JBRJ)
Nota
¹ Missão do MCF, Planejamento Estratégico, 2010
As opiniões e informações publicadas nas seções de colunas e análises são de responsabilidade de seus autores e não necessariamente representam a opinião do site ((o))eco. Buscamos nestes espaços garantir um debate diverso e frutífero sobre conservação ambiental.
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