O aquecimento global caiu na rede. Agora, quem procura por carbono no E-bay, o balcão de leilões na internet, entre filtros, tubos de ligas leves para bicicletas e produtos tão especiais que os anunciantes nem se preocupam em explicar para que eles servem, pode topar, sem mais, nem menos, com certificados de que o comprador tem créditos de CO2 com o planeta.
O atestado custa 75 dólares. O endereço do vendedor fica em Tulsa, no Oklahoma, que é mais ou menos o Tocantins dos Estados Unidos. O papel vem garantido por uma tal de Clean Air Action Corporation, que assina o diploma vistoso, afirmando que só em 2005 tirou cinco toneladas de carbono da atmosfera, através de árvores plantadas na Índia, no Quênia, na Tanzânia e em Uganda. Metade da folha é decorada pela fotografia de gente em trajes étnicos, agachada à sombra de uma copa frondosa.
Beatrice, por exemplo
Mas é preciso ir mais fundo para encontrar, por trás do certificado, histórias como a da africana Beatrice Ahimbisibwe, uma professora de Geografia em Bushenye, nos confins da selva ugandesa. Em sua vizinhança fica o parque nacional Rainha Elizabeth, terra de leões, elefantes e hipopótamos. E em seu horizonte se erguem as montanhas azuladas do Rwenzori, santuário de gorilas.
Como professora primária, ela ganha cerca de US$ 150 por mês. Nada mal, numa região onde a renda mensal per capita anda pela casa dos US$ 70. Ahimbisibwe é viúva, mãe de dois filhos. Três anos atrás, ela aceitou a proposta de uma ONG africana para investir no mercado global do seqüestro de carbono, antes mesmo que o Protocolo de Quioto deixasse o berço de seus entraves diplomáticos.
Tudo o que ela tinha que fazer para isso era devolver ao mato um pedaço de sua roça, plantando mudas nativas e deixando que elas cresçam em paz pelo menos a maturidade. Ahimbisibwe reservou ao programa de reflorestamento um hectare dos 100 que cultiva, o suficiente para tirar do ar em dez anos 57 toneladas de carbono, que acabaram vendidas como créditos à TetraPak, fabricante inglesa de embalagens descartáveis. Não chegava a ser um negócio da China, o de Uganda. Se tudo der certo, a US$ 8 por tonelada, Ahimbisibwe colherá ao todo US$ 456. Pagos em longas prestações que não ultrapassam, na melhor das hipóteses, US$ 120.
Em compensação, ela tem pouco a perder com o investimento em despoluição, exceto a certeza de que, sem mato perto de casa, os macacos e os rinocerontes continuarão longe de suas safras. Enquanto as árvores sobem, ela está livre para soltar suas cabras no bosque. Para cortar galhos para usar na cozinha como lenha. E sobretudo para fazer planos de vender a madeira, se precisar de dinheiro quando se aposentar, lá pela década de 2020.
Ahimbisibwe, se tivesse escolha, plantaria eucaliptos, em vez de espécies africanas “que a maioria de nós nem conhece”. Mas parece difícil vender cotas de carbono extraídas de um eucaliptal em Uganda a fregueses como Mick Jaegger, Leonardo di Caprio e Pink Floyd, que enfeitam a clientela de corretoras desses títulos. Como a The CarbonNeutral Company, que recentemente negociou 10 mil toneladas de carbono seqüestrado por pequenos agricultores de Uganda. Não era, no caso, o CO2 de Ahimbisibwe. Mas nunca se sabe o dia de amanhã, num mercado que nasceu outro dia mesmo e só no ano passado apostou US$ 100 milhões em modestos negócios como o da professora.
“É assim que as coisas começam”, diz o ambientalista colombiano Ricardo Bayon, que trouxe esta semana ao Brasil histórias como a de Ahimbisibwe. E fica difícil não ouvir seus argumentos quando, para apresentá-los, ele passou a noite num vôo San Francisco ao Rio de Janeiro, desembarcou no Galeão às sete e meia da manhã, antes das nove já mandava e-mails do táxi engarrafado a Linha Vermelha para avisar estava meia hora atrasado, apresentou-se para a conversa sem passar no hotel e, movido a meia xícara de café, falou sem parar pelo dia adentro, alinhavando os sinais de que passou o tempo em que o mundo parecia dar tudo de graça.
Uma tonelada de carbono já vale 17 euros. É o primeiro aprender a pagar por ar, água e, quem sabe, canto de passarinho. Bayon dirige nos Estados Unidos o Ecosystem Martketplace. Acredita tanto no mercado que acha possível virá-lo pelo avesso.
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