A Tesco, uma rede de supermercados que vende um quarto das verduras consumidas na Inglaterra, anunciou recentemente que, daqui para a frente, todos os seus produtos terão para exibir, além do preço, seu custo ambiental. Os selos fazem parte de um programa que, até o fim da década, promete cortar à metade a parte que cabe à empresa na conta do aquecimento global por emissão de CO2. Mas seu efeito imediato foi pôr a Tesco no melhor lugar possível de uma corrida quase já tão global quanto a da mudança climática.
A BMW anuncia ultimamente seus futuros motores a hidrogênio como se eles estivessem sob o capô dos carros que saem agora da fábrica para as ruas. O dicionário Oxford apontou “locavore” – um enxerto de prefixo latino em sufixo grego, para designar quem só come o que cresce localmente – como o neologismo da língua inglesa mais típico de 2007. E os enófilos novaorquinos, farejando os novos tempos, discutem se é melhor, pelo menos para o gosto do planeta, tomar vinhos franceses, que atravessam o Atlântico de navio, em vez de californianos, que cruzam os Estados Unidos de costa a costa em cima em lombo de caminhão. O transporte marítimo, em princípio, solta menos fumaça pelo caminho do que o rodoviário.
Ciência e religião
No limite, onde a ciência se enrosca numa nova espécie de religião, vale tudo para acertar o passo com a moda da pegada de carbono. Esse débito, em si, não é exclusividade de ninguém. Como o pecado original, cada um tem o seu. No começo da década passada, quando pisaram a terra pela primeira vez na história da humanidade seis bilhões de pessoas, já se sabia que cada uma delas estava expirando, em média, uma tonelada de carbono por ano. No último Natal, o Instituto do Meio Ambiente de Estocolmo estimou em 650 quilos as emissões per capita, somando o que a humanidade gastou a mais em viagens, ceias, presentes e iluminação. E não faz muito tempo que a BBC calculou quanto um ser humano poderia poupar em CO2, prendendo duas em três respirações. Daria um alívio de 630 milhões de toneladas ao planeta. Pode não ser uma proposta atraente – ou mesmo exeqüível – para reduzir nosso saldo negativo na balança da desordem climática. A rigor, não passava de uma piada tipicamente inglesa. Mas nem por isso esses 630 milhões deixavam de ser didáticos.
Medir a própria pegada está na onda. A internet oferece programas que, como balanças de farmácia, avaliam automaticamente quanto nossos hábitos pesam sobre a atmosfera terrestre. Alguns sites acrescentam ao resultado a soma de árvores que deveríamos plantar para neutralizarmos nossos estragos. Outros dão o exato valor em dólares para zerar nossa dívida ambiental, mais ou menos como a Igreja medieval tinha cotação monetária para trocar nossos pecados em vida por por um vale-transporte rumo ao paraíso além-túmulo.
Toda moda tem lá seus exageros. Na revista New Yorker, o jornalista Michael Specter acaba de trilhar, sem perder o pé, essa fronteira tortuosa em que um assunto grave confina com políticas levianas. Seguiu consumidores entre as gôndolas da Tesco e viu que eles mal sabem o que querem dizer os novos selos de emissão de CO2. Registrou que fortalezas invictas da era industrial, como a Ford, podem cair na crise planetária de ajustamento entre modelos de produção e estilos de vida. Constatou entre especialistas que, na prática, uma rosa cultivada no Quênia chega à Europa, sim, com menos rastro de impacto ambiental do que uma flor importada da Holanda. Em outras palavras, quando tudo está mudando em nossa volta ao mesmo tempo, nem tudo o que parece ser ridículo é besteira.
A reportagem de Specter tem 20 páginas e quase nove mil palavras. Não cabe, portanto, em artigos como este. Quem se dispuser a visitar seu texto integral, em inglês, no site da New Yorker talvez ganhe algum tipo de indulgência plenária na vida futura. Para quem não estiver disposto a tanta leitura, vale também ouvir Specter, em entrevista. Nos dois casos, ele explica que a Indonésia e o Brasil, dois campeões do fogo no mato, geram com queimadas dez por cento da produção mundial de gases do efeito estufa. São pegadas tão grandes que, segundo ele, não deve estar longe o dia em que as economias ricas descubram ser bom negócio pagar a um caboclo na Amazônia, para tirá-lo da folha de pagamento das madeireiras clandestinas. Specter disse isso na semana em que os brasileiros ouviram da governadora Ana Júlia que o Pará não pode ficar sem sua receita do desmatamento. E essa é uma medida de como o Brasil está ficando para trás nessa conversa. Dos modismos alheios, pelo menos se pode rir por aqui. Mas nosso próprio atraso, como sempre, não tem a menor graça.
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