Um argumento muito comum que se ouve ou lê, no dia-a-dia de um ambientalista, é que “o primeiro mundo destruiu seus recursos naturais para se desenvolver e agora quer impor, a nós subdesenvolvidos, restrições no uso de nossos recursos”. Este é um argumento típico de leigos no assunto e que ademais demonstra uma profunda ignorância a respeito da história da conservação e da realidade de outros países.
É verdade que países da Europa, na medida em que aumentavam suas populações e se desenvolvia sua economia, destruíram grande parte da vegetação natural e que abusaram de seus recursos naturais. Mas, isto aconteceu gradativamente, ao longo de milhares de anos, em épocas que não se sabia a dimensão do dano causado. Neste longo lapso foram estudando e pesquisando os recursos, padecendo pelas conseqüências do mau uso feito, e ainda, mais recentemente aprendendo a recuperá-los. Quanto às extinções de espécies da fauna e da flora silvestres, foram poucas, pois é fato conhecido que os ecossistemas destes países temperados são muito mais simples e pobres em diversidade biológica que os nossos (os dos países tropicais), sendo, portanto, de mais fácil recuperação e manejo.
Alguns países europeus que até menos de dois séculos atrás possuíam tão somente 10% de sua cobertura natural primitiva, chegam hoje a ostentar 40% ou mais de cobertura vegetal. As monarquias absolutistas tinham descuidado da natureza e da população, mas os governos mais modernos que as substituíram fizeram um esforço enorme de recuperação das florestas, que continua até nossos dias. Recuperar é muito mais difícil e caro do que proteger. Nós não somos ricos e tampouco temos pesquisas suficientes para saber manejar bem nossa enorme biodiversidade, a maior do mundo. Além do mais a devastação que temos provocado está ocorrendo celeremente em poucas décadas e pelo fato de termos um número infinitamente maior de espécies que os países temperados e ricos, nossos índices de extinção de espécies são exponenciais. Um bioma como o da Mata Atlântica foi dizimado a ponto de restar tão somente 7% da cobertura vegetal original, outros como o Cerrado e a Caatinga não estão tendo melhor sorte e até mesmo os índices de desmatamento na Amazônia são assustadores.
Todo mundo parece que tem orgulho de se dizer ambientalista, mesmo não sendo especialista em ecologia, e adora dar palpite em tudo que diz respeito à área ambiental. Simpatizantes são bem-vindos, mas por mais bem intencionados que sejam, o que muitas vezes não é o caso, não podem substituir quem é profissional no assunto.
Se um de nós, por exemplo, um ecólogo, quisesse operar alguém em um hospital público seria, além de considerado louco, preso. Por que então qualquer pessoa se julga no direito de ocupar cargos e se posicionar como um especialista em uma área que não entende bulhufas? E em geral eles não têm vergonha nem receio de estar afiançando, defendendo ou decidindo sobre o meio ambiente. Às vezes parece que a ecologia e as profissões que se fundamentam nela não são percebidas como ciências, nem puras nem aplicadas. É verdade que existe muita informação na imprensa sobre isso, ainda que bem menos que sobre temas de medicina. Por que, então, alguém que não seja delinqüente não pode substituir um médico, mas todo mundo pretende substituir os profissionais do ambiente? É óbvio que todos que querem ajudar na luta pela conservação da natureza devem merecer respeito, mas não devem prescindir de suporte técnico e científico.
Uma coisa é se preocupar com os assuntos ambientais, ainda mais quando afetam diretamente as pessoas — como a poluição do ar ou das águas, ou as mudanças climáticas — e ajudar aquelas ONGs que lutam pelos diversos aspectos de nossa natureza, outra é querer mudar leis e inventar ou interpretar princípios científicos de forma arbitrária e demagógica.
Muitos dizem não compreender por que se gasta tanto para se salvar espécies da flora ou fauna silvestre, em detrimento de crianças pobres ou do desenvolvimento regional. Ah! Se soubessem o quanto as crianças dependem, para comerem e para terem saúde, da vegetação ou de animais do mato. Claro que os exemplos são infinitos, mas para colocar alguns pitorescos: criam-se cascavéis e jararacas para se extrair, de seu veneno cristalizado e comercializado, um princípio ativo usado em remédios no combate de doenças cardiovasculares. Outro exemplo é um alcalóide que se tira da “maria sem vergonha” (também conhecida por “boa noite”) para a fabricação de remédios contra a leucemia infantil. Antes do uso deste alcalóide, de cinco crianças que tinham a doença, quatro morriam. Após a descoberta e o uso deste alcalóide contra a leucemia, de cinco crianças que a tem, quatro sobrevivem. E esta planta é de Madagascar, onde se encontra praticamente extinta.
E o que dizer dos alimentos, cuja produção depende das variedades silvestres? E da água pura sem poluição? Os serviços ambientais fornecidos pela proteção da natureza são fundamentais para a qualidade de vida da nossa espécie e para a sua própria vida.
No Brasil o ritmo de extinção de espécies silvestres é, se não o mais alto, um dos mais altos do mundo e sequer conhecemos o que estamos perdendo (o planeta Terra) e ainda tem-se de ouvir que para desenvolver há que se destruir, pois os países ricos assim o fizeram! Que tal sermos originais e evitarmos dar os mesmos passos errados dados pelos países desenvolvidos até se aprender a lição?
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