O Projeto de Lei do Senado Federal 6424/2005, que deverá ser votado dentro de duas semanas na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara de Deputados, é inaceitável. Na prática, acaba com o conceito de Reserva Legal, instituído pelo Código Florestal brasileiro (Lei 4771 de 1965). A lei que instituiu o Código Florestal brasileiro é mesmo muito antiga, com mais de 4 décadas, e a situação dos recursos naturais do Brasil mudou muito nestas décadas pregressas. Mudou para pior. Muito pior. Assim, ao invés de se implementar a legislação existente, que é considerada muito boa, outras leis e projetos de lei vão flexibilizando o uso cada vez mais dramático e destruidor de nossos recursos naturais. Isso ocorre justamente no momento em que o mundo todo está preocupado com o aquecimento global, com todas suas sequelas por grande período de tempo. Também no momento em que o Brasil é apontado como o quinto maior causador de emissões de CO2 do planeta, devido eminentemente às queimadas ocorridas na Amazônia e em outros biomas brasileiros.
O quê querem nossos legisladores é que se legalize o plantio de espécies exóticas, desde dendê (para óleo biocombustivel) outras palmáceas, eucaliptos e até soja nas Reservas Legais previstas no Código Florestal brasileiro, que variam de 20 a 80% das propriedades rurais, dependendo da região do país. Claro que o intento está maquiado, pois o projeto de lei prevê estes usos naquelas áreas de Reservas Legais já desmatadas.
Ora, senhores, todo o mundo vai correr para desmatar as Reservas Legais e poder plantar sem restrições em toda sua propriedade. Alegam que os plantios só serão autorizados após vistoria das autoridades competentes. Como este país, que tem a Amazônia, maior extensão de florestas tropicais do globo, que já não consegue fiscalizar seus Parques Nacionais e que nunca conseguiu sequer fazer valer a legislação nas Áreas de Preservação Permanente, vai enfrentar este novo desafio? Ainda mais com o orçamento de 0,28% do total aprovado para este ano e com a política governamental de se produzir e até exportar biocombustíveis “ limpos”.
Como se já não bastasse a desgraça deste projeto de Lei, a ele foi apensado o PL 6840 de 2006 do então deputado José Thomaz Nonô ( PFL/BA), que permite a compensação pelo desmatamento das Reservas Legais fora da bacia hidrográfica onde se situa o desmatador. Ops! Desculpem-me, o proprietário rural. O relator, deputado Jorge Khoury (DEM/BA), em 2006 apresentou parecer favorável pela aprovação de ambos projetos de lei, com pequeníssimas alterações.
E como se comporta o Executivo, perante o assunto? Alguns ministros de pastas desenvolvimentistas, autores do PAC, devem estar exultantes. Como está o Ministério de Meio Ambiente? Bem, o diretor de Articulação de Ações na Amazônia do Ministério do Meio Ambiente, advogado André Lima, ex Instituto Sócioambiental (ISA), que no passado recente foi um ferrenho defensor das Reservas Legais na Amazônia de até 80%, diz, segundo o noticiado pela imprensa que “ o debate deve avançar para uma flexibilização da lei nas áreas já desmatadas, desde que dentro de um zoneamento ecológico- econômico”. Ele sabe que zoneamentos no Brasil e principalmente na Amazônia não funcionam no longo prazo. Mudam, conforme mudam os rumos das políticas governamentais, sejam elas federais, estaduais, ou municipais.Desmatar rapidamente, antes que percebam as autoridades ou os fiscais, também é fácil.
O senhor secretário-executivo do MMA, João Paulo Capobianco, um dos idealizadores do Chibio (Instituto Chico Mendes) disse, segundo o publicado: “ Não é nenhuma aberração”. Claro, nada para ele é aberração, quando se trata de agradar a gregos e troianos para permanecer secretário.
O MMA oficialmente informa que apresentou substitutivo exigindo cadastramento georreferenciado das Reservas Legais nas propriedades rurais particulares, proibindo novos desmatamentos e a troca das Reservas Legais para outros biomas ou bacias e permitindo a troca das Reservas Legais por regularização fundiária onde vivem populações tradicionais e aceitando a recuperação de Reservas Legais com exóticas para a Amazônia em “apenas” 30% de sua extensão. Novamente o MMA faz tudo para continuar com sua reforma agrária particular, cedendo sempre, embora não seja o ministério que oficialmente deva tratar de assunto tão sério e necessário. Além do mais, fazer cadastramento georreferenciado da Reservas Legais na Amazônia, em propriedades particulares, soa como algo muito difícil, senão impossível.
Outras instituições como a Confereração Nacional de Agricultura (CNA) e outros governos estaduais pedem ainda mais : que as Áreas de Preservação Permanentes (APPs), aquelas que garantem os serviços ecossistêmicos profundamente necessários para o homem, como a proteção de recursos hídricos e da vegetação, sejam englobadas pelas áreas exigidas como Reservas Legais. Em outras palavras, a depender dessas cabeças, o Brasil, logo logo, não terá mais ecossistemas naturais protegidos.
O medo que se tem é que a maioria das ONGs mantidas com recursos governamentais, aquelas paragovernamentais, não se pronunciem. Não estamos assistindo a nenhuma forte manifestação da sociedade e de seus representantes, que poderia impedir a aprovação destes projetos de lei que determinam o fim do conceito e da idealização das Reservas Legais e das Áreas de Preservação Permanente nas propriedades rurais particulares. Quando o PL do deputado Moacir Michelleto de 2000, que mais ou menos tinha os mesmos propósitos, foi sepultado, teve-se um alento. A sociedade protestou veementemente. Sempre os desenvolvimentistas a qualquer custo tentaram abrandar o disposto no Código Florestal brasileiro com relação às Reservas Legais e às APPs. Agora todos parecem mudos. Tudo daqui para a frente, se aprovados os projetos de lei, poderá virar plantio com exóticas e até mesmo soja nas propriedades rurais particulares. O que restará, onde já resta tão pouco?
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