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Em nome da ecologia

A patrulha dos ecochatos faz um desserviço à defesa consistente do meio ambiente. O ambientalismo é um trabalho sério e responsável onde não cabe amadorismo.

14 de janeiro de 2005 · 20 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Pobre ecologia! Quanta bobagem é dita e feita em teu nome! Às vezes, parece que os principais problemas para alcançar uma melhor relação entre natureza e desenvolvimento humano são os abusos, inconsequências e absurdos que impregnam o que, para muitos, é o chamado movimento ambiental. Os ambientalistas, sejam eles o que for, muitas vezes parecem empenhados em dar a razão a seus detratores.

Conservar, aproveitar razoavelmente os recursos naturais, deixar opções para o futuro, não será jamais o resultado do amadorismo e da espontaneidade.

Todo cidadão pode conferir, quase que diariamente e na própria carne, impactos “ambientais” dessa categoria: no momento em que quer cortar a mangueira que está derrubando a parede da sua casa; quando descobre que precisa de registro e até de licença para comprar uma lata de tinta pressurizada; ao adquirir e usar uma pequena motosserra; ou quando o vizinho denuncia você por supostos maus-tratos a seu cachorro. Assuntos tão banais e ambientalmente inócuos torturam a vida dos cidadãos em nome da ecologia. E ainda congestionam o trabalho dos funcionários dos serviços ambientais ou florestais estaduais e do Ibama. Escassos e custosos doutores, especialistas em contaminação sonora, são requisitados para fazer uma perícia sobre os decibéis que emitem os canários da vizinha. Engenheiros florestais são obrigados a informar sobre a poda ordenada pelo prefeito que deseja apenas que os galhos não interfiram na distribuição de energia. Os verdadeiros problemas ambientais, como os que concernem às queimadas, tráfico de lenha e carvão, desmatamento de mata ciliar, contaminação dos rios, pesca predatória e ruído infernal do trânsito podem esperar que, primeiramente, sejam resolvidas essas minúcias.

Mas nem todos os casos de abuso do nome da ecologia são minúcias. Um amplo trecho da estrada entre São Paulo e Curitiba foi paralisado por mais de um ano porque o trajeto por onde ia passar a estrada aninhava um casal de uma espécie de papagaio raro, ainda que não estivesse em perigo de extinção. Existiam, sem dúvida, várias alternativas “ecológicas” para esse problema, que teriam evitado o adiamento da obra. Muito pior é o caso de outro trecho dessa mesma estrada que não foi duplicado até hoje porque a proprietária do setor afetado alegou que sua terra era “Mata Atlântica”. Suas queixas chegaram até o Imperador do Japão e, definitivamente, conseguiram impedir a obra. Qualquer visita a essa propriedade evidenciava que ela não tinha nenhuma importância ambiental nem valor “ecológico”, sendo sua vegetação essencialmente formada por espécies florestais exóticas, frutíferas e ornamentais. A proprietária, o que merece respeito, lutava muito bravamente por defender seu negócio e sua terra. O que não foi tão respeitável foi o apoio inapropriado que ela recebeu de alguns ambientalistas famosos que nunca visitaram o local, do Ministério Público e até da Justiça. Nesses anos todos, esse trecho não duplicado da estrada cobrou dezenas de vidas humanas e ocasionou prejuízos econômicos incalculáveis.

Muito menos grave, ainda que igualmente ilustrativo, é o caso da construção de uma estrada em Goiás que implicava renovar uma ponte. A obra, como sempre, começou atrasada. Ainda assim, a ponte velha foi eliminada e o trânsito deveria passar pelo rio. Quando as chuvas começaram, essa opção mostrou-se nada fácil, especialmente por causa das rampas barrentas. Por isso, a empreiteira decidiu aprimorar os acessos. No entanto, isso desagradou a um vizinho que ficava rio abaixo, e ele, usando do pretexto de que a obra sujava a água do rio, conseguiu que o juiz local proibisse esse trabalho. Como resultado, cruzar o rio virou um suplício, uma tarefa quase impossível e que demora horas toda vez que chove. O absurdo é que esse rio carrega, a cada ano, milhões de toneladas de sedimentos, produto do mau uso da terra na bacia hidrográfica. Os sedimentos adicionais que poderiam ser produzidos pela melhoria das rampas de acesso ao rio não teriam nenhuma significação estatística. Porém, o juiz aceitou a queixa e prejudicou gravemente centenas de usuários que passaram a protestar contra os excessos “ambientalistas”.

É assim que muitos, justificadamente, começam a duvidar da sensatez dos ambientalistas. Inúmeros outros casos existem e, felizmente, nem todas as propostas malucas conseguem ser aplicadas. Teve quem pretendesse, por exemplo, no Conselho Nacional do Meio Ambiente, que todo o Pantanal e todas as várzeas amazônicas fossem convertidos em áreas de preservação permanente, impedindo todo e qualquer uso dessa terra que é a melhor ou a única disponível na região. Mas, em outros casos, houve legislação extremista aprovada, como a obrigação de reservar 80% da extensão das propriedades rurais da Amazônia, que vêm se somar às áreas de preservação permanente, apenas para efeito da lei. Trata-se de uma decisão legal tão radical, com tamanha falta de bom senso que, de fato, ninguém a cumpre.

Os casos anotados são exemplos de uma faceta, muito visível, de um problema muito maior, que inclui assuntos de solução complexa como a falta de educação ambiental ou a má qualidade desta, o despreparo em temas ambientais e a falta de assessoria de autoridades vinculadas ao sistema judiciário ou ao poder legislativo. Também são decorrentes desta Caixa de Pandora que é, na verdade, o ambientalismo. Conservar, aproveitar razoavelmente os recursos naturais, deixar opções para o futuro, não será jamais o resultado do amadorismo e da espontaneidade. Isso requer pesquisa científica, desenvolvimento e teste de tecnologias, estudos sócio-econômicos sérios e a constatação de fatos, legislação baseada na ciência e nos avanços tecnológicos e, claro, na realidade nacional, regional ou local, ou seja, em soluções que são social e economicamente possíveis, ainda que nem sempre perfeitas e nem as “mais avançadas do mundo”, que ninguém interessa cumprir.

Os conceitos de ecologia e meio ambiente obtiveram, sem dúvida, muita simpatia e apoio popular. Porém, teriam obtido muito mais apoio, mais duradouro e consistente, se fossem aplicados com mais sensatez e moderação, eliminando ou pelo menos limitando suas contradições e as aberrações.

*Esse texto foi editado em 17/06/2024 para repaginação

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