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Áreas protegidas: paradoxo no Peru

Tentativa de explorar petróleo no parque Bahuaja-Sonene, no Peru, causa abalo no governo de Alan Garcia e pode prejudicar idéia de criar área protegida na divisa com o Brasil.

17 de dezembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Uma parte do governo peruano está promovendo o estabelecimento do Parque Nacional da Serra do Divisor, para complementar o contíguo parque nacional brasileiro do mesmo nome, no estado do Acre. Para facilitar a exploração de petróleo, outra parte do mesmo governo está pretendendo tirar mais de 200.000 ha do Parque Nacional Bahuaja-Sonene, localizado no departamento de Madre de Dios e que faz parte do mesmo corredor biológico que percorre as fronteiras amazônicas da Bolívia, Brasil e Peru. Para complicar as coisas o Presidente peruano entrou na discussão com uma série de comentários imprudentes e baseados em informações erradas.

Há várias semanas a imprensa e as comunicações eletrônicas internacionais e peruanas estão alagadas com o caso Bahuaja-Sonene. Sucintamente, trata-se do fato que o Ministério de Energia e Minas do Peru propôs o corte de 209.000 ha do Parque Nacional para outorgar uma concessão para exploração de hidrocarbonetos. Este parque, estabelecido em 1996 com base em outra unidade de conservação preexistente, tem um total de 537.000 ha. Mas, os hectares que foram requeridos pelos interessados são exatamente o filé mignon da unidade, ou seja, sua área mais natural e preservada. Esse parque foi considerado recentemente pela National Geographic Society um dos sete parques emblemáticos do mundo e, há anos, teve muito apoio financeiro tanto nacional como internacional. Mas, o escândalo se deve, em grande medida, ao fato que com essa ação o Peru estaria contrariando acordos já assinados para se beneficiar do acordo de livre comércio com os EUA. O escândalo surgiu quase que simultaneamente com a aceitação do acordo pelo Congresso americano e, claro, teve muita repercussão entre deputados e senadores tanto republicanos como, especialmente, democratas. Assim é que, umas semanas atrás, o governo peruano informou que a proposta de Energia e Minas não prosperaria.

Lamentavelmente, esse fato coincidiu, quase ao mesmo tempo, com a conclusão dos estudos para o estabelecimento de mais uma área protegida, planejada faz muito tempo e que faz parte de inúmeras conversas binacionais entre Brasil e Peru. Trata-se de estabelecer a porção peruana do Parque Nacional da Serra do Divisor que, até poderia vir a ter a categoria de parque binacional. O Inrena (o Ibama de lá), que defendeu o Bahuaja-Sonene, submeteu o projeto ao Ministro da Agricultura e recebeu segundo ao que tudo indica o aval deste para iniciar os procedimentos finais de seu estabelecimento. O novo Parque Nacional teria uma superfície de 478.000 ha, que foi cuidadosamente separada de dentro de uma Zona Reservada muito maior, tirando dela todas as possíveis áreas conflitantes, inclusive as concessões de hidrocarbonetos, as terras com indígenas, concessões florestais e outras.

Também se propõe, no relatório, o estabelecimento de algumas áreas indígenas de grande porte. O trabalho da Comissão Técnica encarregada do assunto foi tão minucioso que o expediente é inclusive acompanhado de cartas das empresas de hidrocarbonetos vizinhas ao proposto Parque, indicando não tão somente sua conformidade, mas até seu desejo de que o Parque seja estabelecido, para maior segurança das suas operações.

O problema da coincidência das datas radica em que, a porção do Governo que propôs a redução do Bahaja-Sonene e que não conseguiu, pode agora se vingar se opondo ao estabelecimento do Parque da Serra do Divisor. O assunto, antes da intervenção do Congresso americano, quase virou um trade off entre um e outro: “Te dou Serra do Divisor e você me dá Bahuaja-Sonene”. O problema é que em termos ecológicos e de conservação da biodiversidade, os locais não são equivalentes. Ambos os parques são necessários, pois protegem amostras naturais significativamente diferentes. Ao Inrena e aos ambientalistas cabe agora convencer aqueles que querem a exploração de hidrocarbonetos.

Para complicar um cenário já complexo, o Presidente Alan García, provavelmente muito exasperado pela intervenção das ONGs e do Congresso dos EUA, bem como pela reduzida produção florestal da Amazônia, lançou ataques de grande porte contra as ONGs e contra os índios voluntariamente isolados que, diga-se de passagem, nada têm a ver com o problema.

Sem entrar no assunto florestal, onde comparou as exportações peruanas de produtos florestais com as do Brasil e Chile, sem perceber que os grandes volumes da exportação desses dois países não provem das matas naturais, mas dos reflorestamentos que o Peru não tem; também acusou as ONGs ambientalistas e sociais e aos índios, pelo subdesenvolvimento da Amazônia desse país. Obviamente, tão pouco ilustrada e ponderada opinião do Presidente do Peru não vai contribuir a resolver o paradoxo de criar e destruir parques nacionais. Só o tempo dirá se, no final, a razão vai primar e se o Peru sairá ganhando neste caso, ao mesmo tempo usando e cuidando de seus recursos naturais, inclusive os hidrocarbonetos.

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