O que fazer quando uma hidrelétrica, ao ser construída, fez desaparecer cataratas maiores que as da Foz do Iguaçu, dizimou flora e fauna, inundou áreas de mata atlântica, uma cidade quase inteira, nichos arqueológicos e impediu a trajetória dos peixes migradores, rio acima, para a desova? Passar a vida toda tentando compensar esse mal ambiental, como tem feito Itaipu. Muitas hidrelétricas já em operação ou no papel, ainda, não demonstram a menor preocupação com seu passivo ambiental. No seu “Ecomuseu”, Itaipu, ao contrário, assume todas as culpas e explica como as tem tentado compensar. Só não mostra uma foto de Sete Quedas, que submergiu na formação do lago. Gasta perto de 15% de suas receitas pagando royalties compensatórios.
Mas a hidrelétrica também enfrenta seus próprios problemas ambientais. Os rios da Bacia do Paraná III que deságuam no reservatório estão todos poluídos e levam sedimentos e poluentes para o lago de Itaipu. Problemaço: além de reduzir a vida útil do reservatório – energia hidrelétrica não é inesgotável porque depende da qualidade da água do reservatório – aumenta dramaticamente os custos de manutenção, com paradas freqüentes das turbinas para limpeza. Fora o risco de danos mecânicos de maior monta.
Itaipu nasceu no meio de uma grande confusão diplomática, com lances que caberiam perfeitamente num filme de intriga internacional. É filha legítima da ditadura militar. O primeiro passo para sua criação foi a “Ata do Iguaçu”, de 1966, em que Brasil e Paraguai se propuseram a estudar o aproveitamento dos recursos hídricos no trecho do rio Paraná das Sete Quedas até a foz do rio Iguaçu. Todas as etapas críticas de implantação do projeto se deram no período ditatorial e, principalmente, na fase mais dura do regime, nos anos 70. O acordo entre Brasil, Paraguai e Argentina, foi assinado no final de 1979. O reservatório é de 1982. Um processo com transparência zero. A negociação diplomática foi uma obra de engenharia política comparável à da própria hidrelétrica. Provavelmente, não fosse o intenso e bem sucedido trabalho unindo diplomatas brasileiros e argentinos, para superar rivalidades e desconfianças, nem Itaipu, nem o Mercosul teriam sido possíveis.
Nem vou falar dos custos financeiros de uma obra desse porte, num regime sem transparência alguma, sem liberdade de imprensa, sem controle social. A empresa continua endividada e, para honrar essa dívida dolarizada, toda vez que o câmbio desvaloriza, tem que aumentar seus preços. Nós pagamos. Agora, está tudo bem, com o câmbio muito favorável.
Os custos ambientais mais óbvios, todo mundo sabe, vieram do afogamento de Sete Quedas – que hoje nos vale o estranho recorde de termos a maior queda d`água submersa do mundo – da perda de biodiversidade, com o desaparecimento de fauna e flora, e da mudança gigantesca no ecossistema regional. Não há notícia sobre atividades de desmatamento prévio em grande escala, para reduzir o volume de matéria vegetal a ser inundada, minimizando a emissão de gases de efeito estufa por decomposição de matéria orgânica. Há, em várias áreas do lago, os típicos cemitérios de árvores, que indicam áreas inundadas sem esse trabalho prévio. Houve um projeto de retirada de material de interesse histórico e arqueológico. A operação “Mymba Kuera” percorreu em barcos e lanchas a área do reservatório, durante o enchimento, para resgatar animais silvestres da região ameaçados pelas águas. Mas, certamente, nada em escala suficiente para evitar perdas pesadas. Até porque, dado o volume de água, o lago se formou com muita rapidez: foram precisos apenas 14 dias para inundar uma área de 1350 quilômetros quadrados. O nível de emissão de gases de efeito estufa de Itaipu, proporcional à área inundada e ao tipo e volume de matéria vegetal presente, é relativamente alto, pela medição disponível, que me parece conservadora.
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