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Ética nas prateleiras

Além do drama da escolha do produto, os consumidores agora precisam lidar com as dimensões morais de sua fabricação. Nada que boa publicidade não resolva.

16 de março de 2005 · 20 anos atrás

Não é à-toa que o boicote do presidente Nestor Kirchner à Shell ganhou a opinião pública na Argentina. As empresas têm cada vez mais experiência em enfrentar boicotes. Pela última pesquisa HenleyWorld, em alguns países até 70% das pessoas deixaram de comprar produtos por motivos éticos ou ambientais no ano passado. E em 1995, quando o Greenpeace denunciou a Shell por conta da sua decisão de abandonar a plataforma petrolífera Brent no fundo do Atlântico,
as vendas despencaram até 70% em alguns países. Em poucos dias, a Shell foi forçada a rever seus planos.

Mas até que ponto os consumidores estão informados sobre as transgressões do gênero cometidas por outras marcas de vestuário, cosméticos, alimentícios e outros? Eles podem estar se comportando eticamente quando compram um produto, mas não quando compram outros. O fato é que o consumidor fica cada dia mais confuso. Não sabe se segue ou não os dez mandamentos. Talvez já não saiba nem quais são eles. O respeito ao próximo perdeu sua força. O próximo, apesar me morar ao lado, se encontra cada vez mais distante. Hoje, respeitar o próximo não passa de “minha filha: diga obrigada ao garçom ou não buzine no trânsito”

Na verdade, acho que o consumidor realmente busca, além do produto em si, é o desejo de se sentir bem diante da compra e não carregar culpa para casa. Acho que não estão lá muito interessados (até porque estão todos sempre muito ocupados) em investigar detalhes que não estejam estampados no produto final (que não sejam obstáculos teimosos). A compra de drogas ilícitas é uma prova disso. Conheço poucos que resolveram se livrar da erva (maconha) para defender o futuro dos aviõezinhos. É óbvio que quando o “crime” é divulgado pela imprensa, a percepção do consumidor em relação à marca estremece.

Mas, não há nada que não possa ser colocado debaixo do tapete. E também não há nada que uma campanha publicitária muito bem direcionada não resolva. Com o tempo, o vilão passa a ser mocinho e mostra ter “aprendido” a lição. O engraçado é que o público adora o desvendar de crimes mas também se identifica com a absolvição deles.

Nos últimos tempos, principalmente aqui no Brasil, se as notícias transmitirem evolução, ou seja, se o trabalho escravo for substituído por “oportunidade de negócios”, o consumidor passa a perceber o produto de uma forma completamente diferente. Neste caso, a empresa ganha créditos por estar “civilizando” caboclos de uma forma teoricamente não predatória. E que ninguém mencione os traficantes e o trabalho oferecido aos meninos das favelas… Substituir uma marca de roupas é bem mais fácil que abrir mão de uma erva que o povo diz que não vicia.

Voltando ao que se chama de ética… Ao mesmo tempo em que os consumidores modernos são mais influentes e mais informados, eles também se sentem sufocados pelo excesso de escolhas e informações. Aí está! Talvez por isso fumem maconha. Para expandir a mente e baixar a ansiedade.

Quando as ações éticas são disparadas, elas geralmente vêm em segundo lugar, depois das necessidades e desejos dos consumidores. Mesmo quando o consumidor está ciente de que está comprando um “pecado”, quando não há nenhuma alternativa ética imediatamente disponível, a maioria se entrega e logo tira das costas o peso da responsabilidade.

Uma minoria pode muito bem mudar seu estilo de vida para eliminar a necessidade de um produto específico, mas a maioria vai simplesmente argumentar que não pode fazer nada para mudar o panorama. Eu confesso que faço parte da maioria e que não tenho a menor atração por passeatas. Adoraria ser mais crente.

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