Após a recente tragédia que destroçou a Ásia, voltou à moda o velho ditado popular que agradece aos céus o fato de o Brasil não ter maremotos, furacões nem vulcões. Com efeito, as ressacas da praia da Macumba, no Rio, são fortes o suficiente para arrebentar o projeto Eco-Orla do prefeito César Maia, mas não chegam a ser nenhuma tsunami. Os vendavais de Santa Catarina matam e arrebentam, mas ainda não são classificados como furacões. E os vulcões que arrasaram Krakatoa e os que aterrorizam os habitantes das Ilhas Canárias não chegam a destruir a vida dos brasileiros. Muito pelo contrário: são os brasileiros que ameaçam destruir o seu único vulcão.
Pois é, temos um vulcão, sim. Daqueles em forma de cone, com chaminé e paredes escarpadas como manda o figurino. Não está ativo, mas tem grande significado geológico, já que é único no Brasil. Está localizado na Serra do Mendanha, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, onde foi descoberto em 1979 pelos pesquisadores da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, André Calixto Vieira e Victor de Carvalho Klein, que exploraram a área durante dois anos antes de encontrá-lo. Apesar da importância do achado, passaram-se quase trinta anos até o local ser legalmente protegido, o que só aconteceu em 1998, com a criação, pela Prefeitura de Nova Iguaçu, de um Parque Municipal Natural com 1.100 hectares, englobando a quase totalidade do vulcão. Imediatamente, foi iniciada a elaboração do seu plano de manejo, que ficou pronto em 2000. Viabilizado pelo Fundo de Conservação Ambiental do Estado e executado com apoio do Instituto Estadual de Florestas (IEF), o plano ficou muito bom. Embora não escape dos excessos papelistas brasileiros de tudo querer regrar, tem consistência e, sobretudo, é executável.
Entre outros aspectos, o documento destaca a existência do vulcão e o uso e disciplinamento das trilhas do Parque, inclusive a que leva à sua cratera. O que falta, contudo, a exemplo de diversas outras Unidades de Conservação brasileiras cujos planos de manejo não passam de boa literatura, é implantar a sinalização e a gestão dos caminhos que levam à chaminé. Falta dinheiro para viabilizar o projeto de primeiro mundo previsto no documento. De fato, seria o ideal, mas na falta do perfeito, quem quiser conhecer a Pedra da Contenda, que além do vulcão abriga os restos de um quilombo e a antiga sede de uma fazenda de café dos tempos do Império, tem que se arriscar por trilhas mal sinalizadas, erodidas e cobertas de mato. Muito pouca gente empreende a aventura.
Enquanto isso, o vulcão vai desaparecendo. Extinto há 40 milhões de anos — sua cratera tem mais de um quilômetro de diâmetro e paredes de até 200 metros de desnível — resistiu bravamente às intempéries erosivas da natureza até o século XXI. Passado todo esse tempo, agora o homem começa a destrui-lo. Desde 1937, opera nas proximidades do monumento geológico a pedreira Vigné. Iniciou sua lavra longe do vulcão. Hoje está próxima. Perigosamente próxima. Em entrevista à Folha de S. Paulo, André Calixto Vieira denuncia que um dos lados da parede já foi parcialmente destruído, desfigurando a simetria da cratera. Acossados pelo Ministério Público, os responsáveis pela pedreira negam estar extraindo material do vulcão e garantem estar tomando as providências para garantir sua integridade. No momento, uma equipe de pesquisadores de quatro universidades está desenvolvendo estudo para definir se a pedreira afetou ou não os limites geológicos da cratera. Se tiver afetado, a pedreira será responsabilizada judicialmente.
O que a ação judicial, se porventura for interposta, não vai restaurar, contudo, é o vulcão como foi nos últimos 40 milhões de anos. Mais manejo e menos Plano de Manejo talvez tivesse evitado esse triste desenlace. A simples aplicação da velha máxima “conhecer para preservar” poderia ter criado suficiente massa crítica em prol da preservação do Vulcão da Pedra da Contenda o que, sozinhos, os professores Calixto e Klein não foram capazes de lograr.
Como é possível ver nas fotos aqui publicadas, sinalizar não é uma tarefa difícil. Há modelos para todos os bolsos. Parques vulcânicos de países ricos como o Crater Lakes, na Austrália, e o Hawaii Volcanos National Park (foto), nos Estados Unidos, contam com centros de visitantes dotados de grande tecnologia, trilhas com sinalização fosforescente e mirantes caríssimos. Já os países com menos recursos precisam adotar uma sinalização mais modesta, e os visitantes sabem entender essa limitação.
O Parque Nacional Rapa Nui, na Ilha de Páscoa, no Chile, o Parque Nacional Carara, na Costa Rica, e congêneres equatorianos, filipinos e africanos, cujos recursos são limitados, têm sinalização e equipamentos mais simples e condizentes com suas realidades orçamentárias. Ninguém visita um Parque vulcânico para ver seu design e apreciar seu material. O que se quer é ver os vulcões. Uma vez realizado o desejo, os visitantes juntam-se com muito mais convicção àqueles que defendem sua preservação para as gerações futuras.
No caso do vulcão da Serra do Mendanha, mantém-se a esperança. Ainda dá tempo de desenvolver um trabalho de visitação sério e ecologicamente correto que ajude a preservá-lo. É o que pretende fazer Lindberg Faria. O prefeito de Nova Iguaçu, recém-eleito pelo PT, afirma que, na sua administração, a sigla partidária também poderá ser traduzida como “Preservação Total”. Esperemos que suas promessas saiam do campo dos planos e entrem no campo do manejo. Não temos 40 milhões de anos para esperar.
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