Escrevo de Havana, Cuba. A capital cubana é uma cidade alegre e descontraída, um museu a céu aberto, constituído de casas coloniais e edifícios em art deco. A cidade velha é permeada por cafés convidativos e museus interessantes. Acabo de visitar a Fortaleza de Cabañas e entrei neste café cibernético para fugir da canícula que, no Brasil, só os cuiabanos e piauienses conhecem igual. Ainda estou embatucado com uma foto que vi na Sala da Revolução da Fortaleza-museu. Mostrava Che Guevara cercado de 5 jogadores do Madureira. Compreendo que o Che não quisesse se associar à imagem das equipes da elite carioca, tanto as assumidas, como Fluminense e Botafogo, quanto às enrustidas, como o Flamengo da Gávea e o Vasco. Ainda assim, sempre pensei que o time proletário do Rio de Janeiro fosse o Bangu. Deixa para lá! Os argentinos realmente são estranhos quando o assunto é futebol.
Vim a Cuba proferir uma palestra sobre gestão e manejo de áreas protegidas urbanas. O assunto, como se sabe, é cada vez mais premente e começa a ser encampado pela própria Organização das Nações Unidas (ONU). Falei na 6ª Conferencia do Programa Cidades Sustentáveis, evento co-patrocinado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e pelo Habitat. Na plenária, além de representantes dos Ministérios brasileiros das Cidades e do Meio Ambiente, havia uma seleta platéia de técnicos cubanos, quenianos, alemães, mexicanos, americanos, nigerianos e chineses, entre outros.
A percepção de que a batalha pelo desenvolvimento sustentável só será vencida nas cidades é cada vez mais prevalecente. Trata-se de raciocínio lógico. Hoje, mais da metade da população mundial vive em ajuntamentos humanos. No Brasil, os urbanóides já somos quase 80% da população. As cidades, além de aglomerarem as multidões, são responsáveis pela parte do leão na poluição mundial. Suas frotas de automóveis e fábricas produzem a maior parte dos gases responsáveis pelo efeito estufa; seus esgotos muitas vezes despejados “in natura” nos rios e mares são os principais poluidores dos mananciais; sua necessidade por comida impõe marca degradadora ao meio ambiente, que excede em muitas centenas de quilômetros a sua área edificada.
Mas, se as cidades são um problema, também são uma oportunidade. Concentram os agentes poluidores em uma só área, permitindo economias de escala na construção de redes de esgoto, aterros sanitários, e atividades de educação ambiental. É precisamente aí que se encaixam as áreas de proteção urbanas. Bem manejados e integrados às redes escolar, universitária e aos meios de comunicação de massa, os parques urbanos podem mostrar às grandes parcelas da população mundial, os benefícios da conservação do meio ambiente. Como afirmou Ted Trizna, são gigantescas salas de aula a céu aberto. Ted é presidente da Força Tarefa da União Mundial para a Conservação da Natureza (UICN), encarregada de estudar a interface dos meios urbano e natural. Sob seus auspícios, será lançado em agosto próximo o livro The Urban Imperative, com diversos artigos de especialistas dos cinco continentes sobre o tema. O catatau ainda não saiu do prelo, mas já é possível ler seu valioso conteúdo no site.
Quando os dirigentes de um povo podem ver o óbvio, os problemas se solucionam mais rapidamente. Nesse sentido, um dos países que mais contribuíram com soluções inovadoras nos debates da Conferência de Havana foi a Tanzânia. Seu ministro adjunto das Relações Exteriores, Abdulkadir Shareef, recentemente escalou o Kilimanjaro pela segunda vez. Ficou inconformado com as pichações que viu no pico Uhuru, o mais alto da África, com 5.895 mil metros acima do nível do mar. Imediatamente, tomou providências e ordenou a limpeza desse enorme patrimônio natural. Em um mundo ideal, teríamos mais presidentes como Fidel e mais ministros como Abdul Shareef. Em um mundo real, contudo, a luta do Pnuma e do Habitat é mais singela e pragmática. Nem todos os países podem contar com o carisma do comandante nem com a intrepidez do diplomata que o mantém sempre próximo aos parques nacionais de seu país. Eventos como a 6ª Conferência do Programa Cidades Sustentáveis objetivam mostrar as lideranças urbanas, técnicos, secretários municipais e, sobretudo, prefeitos que, agindo localmente em suas cidades, eles podem fazer uma enorme diferença na qualidade do meio ambiente mundial que legaremos a nossos filhos.
Iniciativas como a Conferência de Havana precisam se multiplicar, afinal, sem o comprometimento das autoridades locais, não salvaremos o meio ambiente. A luta contra a degradação da floresta amazônica não será vencida na Amazônia. Ela só pode ser ganha no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Belo Horizonte, em Florianópolis, em Natal, em Curitiba, em Brasília e nas demais metrópoles brasileiras. Aí é que estão sediados os grandes jornais, as redes de televisão, os formadores de opinião, as universidades. Das grandes metrópoles saem as modas e os padrões de comportamento, nelas vivem o presidente da república, os governadores e os parlamentares. Nas suas ruas, restaurantes e bares são decididos o orçamento público e os rumos da nação.
Se não formos capazes de estancar o desmatamento, a caça e a degradação nas unidades de conservação urbanas, que se sucedem à luz do dia e sob as vistas de milhões de pessoas, como poderemos sonhar em estancar a destruição da mata amazônica? Em um regime democrático, nenhum tema vira prioridade nacional sem o apoio da opinião pública. Nesse sentido, a missão prioritária das áreas de conservação urbanas deve necessariamente ser a educação ambiental e a formação de um grupo de pressão em torno da agenda verde. Caso contrário, continuaremos sempre a ser uns poucos indignados a gritar no vazio.
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