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Reflorestamento à moda nativa

Nada deu certo no projeto de reflorestamento do engenheiro André Rívola, no Vale do Rio Paraíba, até que ele resolveu imitar “o caos sustentável” da mata nativa.

20 de fevereiro de 2009 · 16 anos atrás
  • Marcos Sá Corrêa

    Jornalista e fotógrafo. Formou-se em História e escreve na revista Piauí e no jornal O Estado de S. Paulo. Foi editor de Veja...

O engenheiro André Rívola abre com as mãos uma brecha nos tufos de capim-elefante e, como se acabasse de serrar ao meio o corpo da assistente num picadeiro de circo, pergunta: “Agora acredita?”.

O primeiro impulso é dizer que não. Até ali, a viagem de 80 quilômetros à Sacra Família do Tinguá, marco histórico do caminho colonial que abriu ao café o Vale do Paraíba, ainda não esclarecera por que ele tinha insistido tanto para mostrar o Novo Horizonte 1, seu projeto “para disseminar em todo o território brasileiro a prática de recuperação de áreas degradadas e aqüíferos”. E o olho precisa de tempo para enxergar o que ele está apontando, no meio do capinzal.

Dois anos atrás, Rívola ganhou, com essa proposta, o patrocínio do Programa Petrobras Ambiental. Ao todo, tinha um milhão e meio de reais para botar suas obsessões em prática. Agora, faltando receber só a última parcela desse milhão e meio de reais, ele mesmo, “retrospectivamente”, admite que “era coisa demais”. Pudera. “Entrei nessa como engenheiro eletricista”.

Ele tem 56 anos. Foi gerente na Petrobras. Trabalhando em Brasília, com a mulher e os filhos enraizados numa comunidade rural na Serra da Mantiqueira, ele cansou de ver, em suas idas e vindas, pelas janelas dos ônibus, a imensidão “do Brasil feio”, espelhado em paisagens decrépitas de beiras de estrada.

De volta aos escritórios no Rio de Janeiro, sentia-se enjaulado numa gaiola de vidro. E, no começo desta década, trocou o emprego seguro pelo projeto incerto, disposto a fazer alguma coisa para que o país não resseque de vez, pelo desmatamento, os mananciais do subsolo “onde nascem todos os rios”.

Errou muitos cálculos na travessia. Ao implantar o Novo Horizonte, convidou oito prefeituras da região para ouvir o que ele se propunha a fazer por elas, de graça. Dois municípios mandaram representantes à reunião. Uma foi em frente, concretizando a parceria como base de operações. Passou a oferecer seus préstimos aos proprietários rurais da vizinhança. Até agora, 53 se inscreveram no projeto. Só 12, contando com um condomínio de casas de campo, abriram efetivamente as porteiras a tentativas de reflorestamento. Pretendia reflorestar 140 hectares. Por suas próprias contas, não chegou ainda, um ano e meio depois de receber a primeira parcela do prêmio, a dez hectares.

A Floresta Brasil, sua Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, é hoje “uma Oscip de fato, mas não de direito”, aguardando registro no Ministério da Justiça. Emprega nove pessoas, incluindo o próprio Rívola, e dois estagiários. Funciona em oficinas abandonadas da Rodolfo Fuchs, uma escola-modelo que o governo federal abandonou, ao fechar os internatos para meninos de rua.

Vista pelos fundos, a escola é um projeto de tapera, com o mato rasteiro invadindo o imenso pavilhão abandonado. No portão da frente, uma placa anuncia que a colônia de menores virou um asilo para a “feliz idade”. Mas isso não passou de mais uma história mal contada dos governadores Anthony e Rosinha Garotinho. Duas obras se sucederam lá dentro. E a hora dos velhos nunca chegou a Rodolfo Fuchs.

Nas oficinas que a prefeitura emprestou a Rívola, computadores, mesas e arquivos, acampados sobre o piso de áspero cimento, sugerem que a Floresta Brasil é improvisada – ou mesmo provisória. Só depois de folhear os formulários, com normas para tudo, desde os requisitos para a coleta de sementes no alto de árvores, sem esquecer “corda e capacete”, até o “procedimento para limpeza adequada dos banheiros”, que recomenda expressamente um esguicho de Bom Ar ao fim da faxina, descobre-se, por trás da bagunça aparente, a disciplina que vela neste momento o destino de 70 mil mudas e 50 espécies de árvores em pequenos tubos.

Mas isso não bastaria para justificar a autoconfiança de Rívola, sem o trunfo concreto que ele aponta no capinzal, diante de suas janelas. Ali, aninhada no verde pálido e uniforme do pasto baldio, está o resultado de seu projeto. A prova de que “é possível reflorestar o Vale do Paraíba com o mínimo de recursos”.
 
Ele pegou esse caminho na contramão. De tanto cavoucar seminários e palestras sobre recuperação de terrenos, acabou se convertendo ao apostolado de Ernst Götsch, o suíço que salvou da desertificação 500 hectares na Bahia, trocando as técnicas de replantio convencionais pelas fórmulas secretas da mata nativa.

Rios permanentes

Ali, no vale onde criou a fazenda Fugidos da Terra Seca, Götsch encontrou, ao chegar, 23 cursos d’água. Três eram permanentes. Só um continuava potável. “Agora tem 23 rios permanentes e potáveis na propriedade”, diz Rívola. O segredo é reconstituir na agricultura o “caos aparente” da natureza, onde as plantas menos competem do que cooperam umas com as outras.

Em outras palavras, misturando mudas de árvores diferentes e uma infantaria de espécies pioneiras, como mamona ou araçá, introduz-se no carrascal estéril dos morros esgotados o que Rívola chama de “moita sucessional”, uma espécie de floresta em maquete. Elas são plantadas em pequenas ilhas, com um metro de diâmetro, na mais perfeita desordem. E deixadas ao relento para cuidar de si mesmas.

Ele está convencido de que nem o capinzal mais agressivo penetra nessas ilhas, depois que elas vingam. Com o tempo, as árvores pioneiras crescem, sombreiam o solo e, aí, até a braquiária, com toda sua fama de indestrutível, começa a perder espaço para a mata que rebrota. Sozinhas, essas ilhas, espalhadas pelo campo a sete metros umas das outras, aos poucos se juntam.

“Está vendo?” Com essas palavras, afasta o capim desgrenhado, que mal deixa ver o fundo da trilha, e aponta ipês, gapuruvus, orelhas de macaco e imbaúbas. Parecem saudáveis e, sobretudo, convincentes. Algumas árvores até despontam com os primeiros talos por cima do capim. Estão lá há seis meses, sem capina nem rega. Ele calcula que, feito assim, o reflorestamento fique vinte vezes mais barato que o convencional. “Se os proprietários descobrirem que reflorestar pode ser tão fácil, vão tomar gosto pela coisa como eu tomei”, conclui Rívola. Como ele queria demonstrar.

Saiba mais:
Ilhas verdes para salvar a Mata Atlântica
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