“Vocês querem ouvir uma boa notícia?” – perguntou a equatoriana Yolanda Kakabdse, num tom de professora primária que acalma a turma agitada. Num auditório onde dezenas de latinoamericanos disputavam um torneio de derrotas ambientais, ela se levantou para anunciar uma boa história, “que vai deixar todos mais contentes”.
E falou sem desarmar o sorriso no canto da boca, com a calma de quem tinha todo tempo do mundo, nos cinco minutos cravados reservados a seu discurso. Explicou pausadamente o caso do Parque Nacional do Yasuní, onde o Equador está mais perto do que se imagina de emplacar a novidade política mais significativa a brotar em mais de duas décadas no continente, juntando conservação da Amazônia com desenvolvimento nacional.
Petróleo no parque
O Yasuní é aquele parque de quase 10 mil quilômetros quadrados, na borda oriental dos Andes, de onde a Petrobras foi enxotada há poucos anos pelos Huaorani, que foram às ruas de Quito protestar com o que consideraram a violação de seus direitos imemoriais sobre a floresta pela estatal brasileira.
A Petrobras havia tropeçado na rebelião indígena, quando escarafunchava o subsolo da Amazônia alheia, abrindo estradas na floresta primária e transportava equipamentos pesados no Tiputi, um rio até então imaculado. “O que acontecerá quando nossos filhos crescerem? Onde eles viverão?” – perguntavam os Huarani. Na dúvida, o Equador suspendeu a prospecção.
Na ocasião, o presidente Lula mandou uma carta ao colega equatoriano Alfredo Palacio, naquele estilo “o que é isso, companheiro?” tão em voga na diplomacia latinoamericana. Mas ficou por isso mesmo. Ou melhor: piorou bastante, desde que o governo passou às mãos de Rafael Correa, o sucessor de Palacio.
Correa, como reciclador do populismo bolivariano, emplacou no ano passado uma reforma constituição, que entre outras novidades celebra “a natureza, Pacha Mama”, logo nas primeiras linhas de seu preâmbulo. Seu Artigo 14 reconhece o “direito da população a viver num ambiente são” – coisa que a brasileira também diz, mas não pratica.
Tem mais. No Artigo 15 ela promete que “o Estado promoverá, no setor público e privado, o uso de tecnologias ambientalmente limpas e de energias alternativas não contaminantes e de baixo impacto”. Declara que “a soberania energética” não pode comprometer a “soberania alimentar e o direito à água”.
Isso, às vezes, não quer dizer nada. Mas, no Equador, os princípios constitucionais, por mais abstratos que pareçam, estão ajudando a costurar acordos internacionais para manter a floresta intata no Yasuní e deixar “o petróleo debaixo da terra”. Há 900 milhões de barris sob o Yasuní, no conjunto de bacias preservadas do Ishpingo, Tiputi e Tambococha. Um verdadeiro tesouro petrolífero. E a ex-ministra do meio ambiente Yolanda Kakabadse estava ali anunciar que, aos olhos do governo alemão, a floresta que está em cima da terra pode valer mais do que o petróleo no mercado mundial da desordem climática.
É, como ela disse, um “grande negócio”. Para deixar o petróleo onde está, os equatorianos pedem no mínimo 350 milhões de dólares por ano de compensações internacionais, a título de evitar a liberação de CO2 ou qualquer outro artifício da engenharia financeira. A proposta, espetada numa dívida externa de 10 bilhões de dólares, soou a blefe, quando saiu de Quito há cerca de dois anos.
Mas, de lá para cá, correndo mundo, ganhou ares de projeto. Os alemães se dispuseram a apostar 50 milhões de euros por ano na conservação do Yasuní. Desde que o Equador, em contrapartida, crie um fundo para indenizar no futuro os investidores, se vier a mexer um dia nas jazidas da reserva.
Deixando “o petróleo debaixo da terra”, poderá investir o dinheiro num programa ambiental que abarca 40 reservas naturais, cobrindo 38% do território equatoriano. E também na troca de energia suja por matrizes limpas, como as fontes termais dos vulcões. Ou no bem-estar das populações tradicionais na Amazônia.
“Comprem uma tonelada de carbono por 29 dólares para pendurar na parede do quarto de seus filhos e mostrar a eles que vocês também participaram dessa história”, ela recomendou à platéia. Talvez seja uma boa idéia. Para os brasileiros, é a maneira mais barata de investir num projeto que não é o feijão com arroz requentado do PAC.
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Indenização para não tirar petróleo
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