A cidade de Copenhague, capital da Dinamarca, sediará entre os dias 7 e 18 de dezembro, a XVª Conferência das Partes da Convenção Quadro Sobre a Mudança do Clima. A reunião reveste-se de importância especial pois é ali que será negociado o acordo que substituirá o Protocolo de Quioto, cuja vigência termina em 2012. Também será a primeira vez em que os Estados Unidos e a Austrália sentarão à mesa mais sintonizados para os problemas – e sobretudo para as soluções – da mudança climática. Respectivamente maior poluidor absoluto e maior poluidor per capita esses dois países são peças chave em qualquer negociação séria, visando a implementar medidas que revertam ou, mais realisticamente, mitiguem o aquecimento global.
Com efeito, o problema das mudanças climáticas é cruel, pois foi gerado majoritariamente pelos países desenvolvidos, mas suas consequências serão sentidas com muito mais rigor no mundo em desenvolvimento. O fato é que, se hoje países como a China e a Índia, têm emissões relativamente altas, os países do hemisfério norte têm poluído os ares desde o início da Revolução Industrial há cerca de três séculos. Como alguns dos gases lançados na atmosfera demoram centenas de anos para se dissiparem, não é justo calcular o esforço de redução a que cada país terá que submeter sua economia baseado apenas nas emissões atuais. É fundamental tomar em conta as emissões acumuladas por cada um ao longo dos últimos 350 anos.
Nesse sentido, declarações como a que Humberto Rosa, Secretário de Estado do Ambiente de Portugal, deu em abril na abertura do Encontro Lusófono do Ambiente, em Lisboa revestem-se de especial peso político, pois vêm de autoridades de países do hemisfério norte. Humberto Rosa conclamou o mundo desenvolvido a fazer sua parte e justificou: “Portugal acredita ser injusto que os que menos poluem serão os mais afetados pelos efeitos do aquecimento global”.
Mais fácil falado do que feito. Para ficarmos apenas com os efeitos da elevação do nível do mar, o sofrimento no mundo em desenvolvimento será enorme. Muita gente chora adiantadamente pelo destino de alguns pequenos países insulares que correm o risco de submergir em grande parte, como as Maldivas no Oceano Índico, Tuvalu no Pacífico e as Bahamas no Atlântico caribenho. Mas a verdade é que o aumento de um simples metro no nível das águas oceânicas será igualmente desastroso para países grandes e populosos que têm extensas áreas costeiras pouco acima do nível do mar, como Bangladesh e o próprio Brasil. Resolver esses problemas é possível com a construção de diques, a drenagem e aprofundamento de canais costeiros e a construção de barreiras de ondas.
Essas obras, contudo, têm custo elevadíssimo, proibitivo para alguns países de economia menos consolidada, sobretudo se as previsões publicadas na Revista Nature em abril desse ano se confirmarem. Segundo a publicação, é muito provável que no próximo século o nível dos mares suba três metros, o que seria catastrófico pois, segundo o Painel Intergovernamental para a Mudança do Clima, a elevação das águas em meros 59 centímetros já provocará alagamento de áreas onde hoje vivem 150 milhões de pessoas.
Por isso mesmo, prevenir é melhor (e mais barato) que remediar. Até porque muitas medidas de engenharia acabam não obtendo o resultado esperado. Cidades como o Rio de Janeiro são exemplos de lugares onde é quase impossível resolver completamente os problemas das cheias causadas pela elevação dos mares. A capital Fluminense cresceu às expensas de aterros e diques. O Centro da Cidade está assentado sobre uma coleção de pequenas lagoas aterradas, Botafogo, Flamengo e Glória avançaram sobre as águas da Baía de Guanabara, a Cidade Universitária é o resultado de uma série de aterros que reuniram um pequeno arquipélago, o bairro da Cidade Nova só existe porque o mangal de São Diogo foi drenado, o Jardim Botânico é um aterro sobre a lagoa Rodrigo de Freitas e bairros inteiros, como a Urca, são criações do Homem em áreas antes ocupadas pelo mar. O resultado não poderia ser diferente: sempre que chuvas torrenciais caem em época de maré alta e lua cheia, lugares baixos tomados ao mar transformam-se em imensos alagados. Assim ocorre na Praça da Bandeira onde confluem o canal do Mangue e os rios Joana, Comprido, Trapicheiros e Maracanã e nos locais de deságue dos rios Cabeça e Rainha, na Lagoa Rodrigo de Freitas. Não há São Sebastião que resolva as enchentes nesses dias, problema que tende a se agravar em muito à medida que o nível do mar for subindo, conforme ditado pelas mudanças climáticas que se esperam.
Felizmente para o mundo pobre (ou não tão rico) também há cidades européias que sofrem problema semelhante. Uma delas é emblemática. Há mais de um século, Veneza enfrenta os males da chamada “acqua alta”. O fenômeno se caracteriza por enchentes periódicas em que o nível do mar sobre entre 80 cm e 1,10m, amplitude suficiente para inundar a cidade dos Doges.
Veja galeria de fotos de Veneza
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Recentemente a intensidade das marés tem aumentado, causando imensa preocupação na população do Veneto. Para minorar os efeitos das cheias o Ministério da Infraestrutura italiano criou um programa de obras para proteger Veneza. Entre as medidas implementadas, estão a construção de diques que protejam a área urbana de variações de marés inferiores a 1,10m. Além disso foi criada uma série de barreiras móveis submersas na entrada da lagoa de Veneza, que podem ser elevadas em casos emergenciais, garantindo proteção em casos de cheias ainda maiores. As medidas de engenharia estão sendo reforçadas por intervenções ambientais que incluem a renaturalização de planícies alagadas e argilosas, a drenagem de áreas assoreadas e manutenção de canais abandonados. Só há um problema. Todas essas medidas garantem a proteção de Veneza se os oceanos subirem até 60 cm. Acima disso, quando vierem as cheias, a cidade só conseguirá respirar de canudinho.
Assim como Veneza, há várias outras cidades do mundo desenvolvido que estão em áreas de risco de afogamento. Essa desafortunada situação, associada ao regime democrático, tem gerado pressão sobre os políticos europeus para que continuem buscando soluções tópicas de engenharia, como as de Veneza, mas para que também trabalhem no cenário mundial de modo a encontrar uma solução exequível e aceitável em nível global que permita mitigar os efeitos perversos da mudança do clima. Afinal como afirmou Humberto Rosa em seu discurso, “todos devem fazer a sua parte. O jogo da mudança climática não é um jogo de soma zero, ou todos ganham ou todos perdem”.
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