Há dois anos, quando faleceu o grande conservacionista peruano Carlos Ponce del Prado, o editor de O Eco me solicitou escrever algumas linhas sobre sua trajetória. Eu não pude naquele momento de tanta dor para mim, pois eu perdera um irmão, embora não por vínculos de sangue. Nada fiz a não ser chorar. Por coincidência eu estava no Peru em outubro deste ano, quando por ocasião da data de um ano da morte de Ponce, foi instituído o prêmio com seu nome pela Conservation International e pela Fundação Moon.
A cerimônia foi em um restaurante muito grande e excepcionalmente bom, que ele costumava freqüentar e que fechou para o público em geral para receber os amigos e familiares de Ponce, que lá foram para assistir a instituição e a entrega dos prêmios. São três as categorias: Jovens cientistas, trabalhos expressivos no campo, na área de conservação de recursos naturais e para projetos que fazem diferença na área de educação ambiental.
O mais interessante do evento foi o fato que todos os ambientalistas famosos do Peru, com raríssimas exceções, alguns inimigos ferrenhos entre si, lá estavam. Ponce conseguiu reunir desde guardas Parques até o Ministro de Meio Ambiente peruano, o conhecido cientista Antônio Brack Egg, bem como o ex ministro do Interior dos EUA, Bruce Babbit. Tudo foi muito bonito e emocionante e apresentaram um vídeo preparado desde seu nascimento até sua inesperada morte. A música de fundo foi a sua predileta: Meu amigo de Roberto Carlos. Muitas das fotos mostravam Ponce no Brasil em vários Parques Nacionais ou na Amazônia e ou com ambientalistas brasileiros. Coube a meu marido, Marc Dourojeanni, compadre de Ponce, falar após a apresentação do vídeo. Pela primeira vez na vida Marc, um grande orador, não conseguia começar a falar: tossia e pigarreava quase ou chorando.
Um dos agraciados com o prêmio, um guarda parque do Parque Nacional do Manu, o guarda parque mais antigo do Peru e que foi apresentado ao Manu por Ponce só chorou o tempo todo. Ver aquele senhor velhinho tão emocionado que chegou a derrubar e quebrar o troféu no chão, chorando e lamentando não poder mais contar com o “ engenheiro Ponce” fez toda a audiência se emocionar também.
Ponce não foi um cientista, embora tenha sido professor de universidade até sua morte. Teve muitos e elevados cargos na administração pública e foi vice-presidente da Conservation International por muitos anos. Sua maior e evidente qualidade era de negociador, era a diplomacia, o fato de não ter conseguido fazer inimigos. Ao contrário, ele unia os inimigos. Fez na vida o que aconteceu na cerimônia: todos estavam lá, de todas as facções ambientalistas, de todas as colorações político partidárias, de todas as religiões.
Tive o privilégio de tê-lo como contraparte todas as vezes que fui ao Peru, como delegada brasileira e em outros países amazônicos quando das reuniões do Tratado de Cooperação Amazônico. Tive a grande honra de levá-lo para conhecer os Parques Nacionais das Emas, do Itatiaia, da Tijuca, da Serra dos Órgãos, de Brasília, de Monte Pascoal e de muitas outras áreas protegidas. Também mostrei a ele e a Antônio Brack, o atual ministro de Meio Ambiente do Peru, que na ocasião era subordinado de Ponce, um pouco da nossa Amazônia.
Com ele corri o mundo em reuniões de trabalho e de férias também, pois ele foi, para mim, o lado companheiro do meu marido, quando Marc não podia me acompanhar. A última viagem que fizemos juntos foi à Caral, a cidade mais antiga das Américas, que agora completa 10 anos de descoberta. Mesmo não sendo um amante de caminhadas ou de passar algum aperto no campo, ele ia para todos os lugares que seu serviço à Nação ou à natureza demandava. Parecia uma pata choca, mas sempre estava presente nas áreas protegidas. Era muitas vezes motivo de chacota de outros. Não lhe importava. Ele cumpria sua obrigação, mesmo que necessitasse de ajuda ou que fosse bem devagar, mas fazia.
O Peru ficou para mim e para ambientalistas, bem como para a natureza, mais pobre sem Ponce; sem a sua habitual gentileza e diplomacia, sem sua força para unir o que muitas vezes parecia água e óleo. Morreu justamente quando poderia ser ministro no seu país, ou dirigir o Tratado de Cooperação Amazônico, ou outro cargo qualquer, bem importante.
Sinto-me viúva de Ponce, como muitos outros também o sentem, mas fiquei muito feliz que mesmo depois de morto ele tenha sido homenageado com um prêmio honrado pelo seu nome. Parabéns ao prêmio.
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