O texto da mensagem era tão insólito que o nome dos remetentes ficou para depois. Não é toda hora que brota em sua tela, sem mais nem menos, um e-mail só para dizer que, numa “tarde esplêndida do outono”, os resedás estavam florindo em Santo Antônio do Pinhal. Só isso, e três fotografias para não deixar dúvidas.
O cabeçalho esclarecia tudo. O e-mail vinha de Miriam Leite e Dioclésio José do Nascimento. E só quem os conhece pode fazer ideia de quanto essas flores lhes custaram. Dois anos atrás, o casal vivia no Parque Nacional do Itatiaia. Tinha alugado lá dentro em 1995 as ruínas de um hotel falido num terreno decrépito. Levaram mais de uma década para reconciliar a casa e o jardim com a mata que os donos, como é de praxe, tinham levado décadas para enxotar da propriedade.
Nas horas vagas, quando não estavam consertando tudo a mão, ela pintava e fotografava, ele tecia tapetes artesanais num tear de madeira. Os dois vendiam seus produtos numa loja na sala de casa. Era uma dessas lojas onde se podia entrar, provar o chá de capim limão colhido no canteiro junto da varanda, comer o pão caseiro ainda quente do forno e sair de mãos abanando, com a noite caindo, sem a menor idéia do que horas antes pretendia comprar.
Ou seja, não se tratava propriamente um estabelecimento comercial. Mas loja era. E estava num parque. Quando souberam que, sob nova administração, Itatiaia não queria mais conviver com eles, Miriam e Doclésio fizeram o que já tinham feito tantas vezes antes – botaram tudo no carro e foram em busca de outro canto de serra para embelezar.
Tinham tradição no ramo. O lugar por onde eles passaram em Valença no começo dos anos 90 é hoje uma reserva particular de mata sadia numa vinhança de morros esquálidos. Em Santo Antônio do Pinhal, estão desde 2008 devolvendo à floresta e aos bichos os 14 hectares que compraram em prestações a perder de vista, depois que o aproveitamento convencional os exauriu e desvalorizou. A dupla até preferiu a vizinhança da agricultura e da pecuária decadentes porque, no solo abandonado, alguma coisa da vegetação original ia ocupando os vazios.
Eles arrancaram o capim napier, a braquiária e os mourões de cerca espetados na capineira. Eram tantas estacas que encheram dois caminhões de lenha para olarias. Outros dois caminhões destinaram à reciclagem os restos de arame, lata e vidro que a dura faina da ganância agrícola havia semeado. Desmancharam um viveiro grande que, pelo porte, parecia uma velha penitenciária de aves exóticas. Limparam os córregos que, livres do assoreamento, reencontraram o caminho dos pedras.
Sobretudo, plantaram mudas, as maiores que conseguiam comprar nos hortos da Mantiqueira. Postas, uma a uma, em berços emplos e macios de compostagem, para aceleram seu crescimento. E escolheram de preferência árvores frutíferas típicas dos trópicos – como araçá, goiaba, ingá e abio. Os pássaros da região parecem reconhecê-las, pois se aboletam em seus ramos assim que as vêem de pé. O terreno já recebeu visitas de caititu, jaguatirica e veado-mateiro.
Eles gastam nisso quase tudo o que ganham. Mas nem por isso deixaram de montar, com madeira reaproveitada de postes, uma loja coberta de sapê, ao lado de um shopping na cidade. Miriam, que em Itatiaia fazia jóias de papel-machê, em Santo Antônio dos Pinhais se converteu à ourivesaria. Dioclesio descobriu o mercado de silhuetas adesivas em forma de gavião, para remediar a mortandade dos pássaros contra vidraças nas casas de campo. As vendas vão pagando o reflorestamento. E as sobras dão para viver.
Mas o que chamou mesmo a atenção no e-mail é o fato de terem feito tudo isso enquanto o país discutia se é possível sobreviver à sombra do Código Florestal ou se o Parque Nacional do Itatiaia pode ou não resolver legalmente e lealmente seus problemas fundiários. Por sorte, ainda há brasileiros dispostos a mudar de assunto.
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