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Solução final à carioca

A Governadora do Rio agora resolveu canalizar suas frustrações com a política de segurança para os pit-bulls. Quer, literalmente, acabar com a raça deles.

7 de julho de 2005 · 19 anos atrás

Corrijam-me se eu estiver errado, mas me parece que o novo decreto da Governadora Rosinha Matheus, que regulamenta a Lei 3.205/99, de iniciativa do Deputado Carlos Minc, sobre a questão dos cães “ferozes” no Estado do Rio de Janeiro, é mais um exemplo ou de preguiça, ou de crueldade estatal, além de ser, possivelmente, inconstitucional.

É a mais absoluta verdade que os ataques de cães — especialmente da raça pit-bull ou similares — têm aumentado muito no Estado, fazendo já, até onde se sabe, algumas dezenas de vítimas, entre pessoas e animais. Daí a necessidade — e disso ninguém discorda — de se tomarem medidas urgentes para estancar mais esse banho de sangue. O erro está sendo cometido, no entanto, na hora de punir os verdadeiros responsáveis por esses ataques. A culpa não é dos cães, mas de seus donos. Os ataques de pit-bull não são um problema ambiental, que deve ser resolvido com o extermínio da espécie exógena que infesta um determinado ambiente. São, pelo contrário, apenas mais um reflexo de um problema sociológico muito mais profundo, que é a agressividade, a estupidez e o descaso de seus proprietários e criadores.

Sob esse ponto de vista, a “lei do pit-bull” se equipara ao estatuto do desarmamento. Destruir as armas — de ferro ou de carne e osso —, culpando-as pelo uso que fazemos delas, é apenas uma forma de desviar a atenção das pessoas de questões muito maiores. O que deveríamos tentar entender é por que a segurança, a saúde e a vida das pessoas que nos cercam valem tão pouco para nós e porque nós temos tanta tendência a matar, agredir e mutilar nossos semelhantes. Isso sim seria buscar a solução do problema. Veículos nas mãos de irresponsáveis matam muito mais do que armas de fogo ou cães ferozes — vide o caso do aposentado assassinado recentemente de manhã, na praia, por um adolescente bêbado ao volante de uma picape. O nosso próximo passo será banir os carros? Duvido. Porque isso sentiríamos na nossa própria pele.

Por outro lado, submeter esses cães a uma cirurgia de esterilização só dói neles, não na gente. E se isso não é submetê-los a tratamento cruel ou maus-tratos — o que é vedado, inclusive, pela Constituição Federal, no §1º, VII, do artigo 225 e pela Lei de Crimes Ambientais — então por que não fazemos o mesmo com os nossos criminosos, muitas vezes mais agressivos e violentos do que bestas selvagens, com o agravante de terem consciência de seus atos? Por que traficantes, homicidas e estupradores podem procriar à vontade e os pit-bulls, não? Nesse ponto, acho importante ressaltar, ainda, que a agressividade dessas raças de cães não é, sequer, natural, mas um produto do gosto humano pela violência. O pit-bull é um dos animais mais violentos — e feios, diga-se de passagem — que existem porque nós, com muita manipulação, o fizemos assim. A culpa, portanto, é única e exclusivamente nossa. Mas agora pretendemos, através de uma legislação genocida, fazer outra espécie pagar por nossos erros, como já é de praxe.

Se não for por estes motivos, a nova legislação vai por água abaixo pela absoluta impossibilidade de se controlar o pretendido programa de esterilização. Como bem se sabe, hoje nós não conseguimos, sequer, coibir a realização de rinhas, que são eventos organizados, barulhentos, sangrentos e que acontecem em intervalos regulares de tempo, em locais determinados. Como pretendemos fiscalizar, então, as entranhas de cada um desses animais? Como vamos fiscalizar a procriação deles? A resposta é simples: não vamos.

Mas nem só de desacertos vive a nova legislação. A imposição de horários e locais para a circulação desses animais é uma excelente iniciativa, assim como a idéia de só permitir que eles saiam às ruas com focinheiras, guias e enforcadores e conduzidos por maiores de dezoito anos. Nesse ponto, palmas para o deputado Minc. Além de assegurar a segurança pública, esse tipo de conduta é de fiscalização muito mais fácil e, junto com a punição exemplar dos responsáveis pelos eventuais ataques — nada de doar meia-dúzia de cestas básicas e livrar a cara — pode contribuir para acabar com esse problema.

A solução justa, portanto, não é maltratar os animais — ao menos não os quadrúpedes — para aplacar a nossa sede de vingança, mas tornar a criação de cães ferozes o mais desconfortável possível para os seus donos, até que eles desistam de ter em casa uma besta fora de controle e que, ainda por cima, parece ter sido fabricado com peças sobressalentes de diferentes animais. Ou então, vamos esterilizar os donos dos cães. Ao menos com as outras espécies, isso ajuda a diminuir a agressividade.

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