No coração da Amazônia, cada som tem um sentido. O barulho do remo cortando o rio, o canto da cigarra anunciando o verão, o aviso silencioso do céu pesado antes da cheia. Mas há uma voz que, por muito tempo, tentaram calar: a voz de quem vive a floresta. Agora, com celular na mão e internet chegando nos locais mais distantes, essa voz ecoa e incomoda.
A comunicação deixou de ser apenas um direito e passou a ser uma trincheira. Em tempos de retrocessos como o Projeto de Lei 364/19, a chamada “PL da Devastação”, que acaba de ser parcialmente vetado, e com a proximidade da COP30, não basta proteger o território com o corpo e o trabalho: é preciso também protegê-lo com a palavra.
E quem narra a floresta ajuda a decidir o que será dela.
A Amazônia tem sido contada por muitos, mas ainda é pouco contada por quem nela vive. Durante anos, vimos lindas imagens que tratam a floresta como um cenário exótico, misterioso e distante. Mas a Amazônia é feita de pessoas. Ela é casa, é trabalho, é sustento, é luta. E seus povos não são figurantes: são protagonistas da floresta viva. Eles pensam, cultivam, protegem, criam e transformam. São também os mais afetados por decisões tomadas de cima para baixo, sem escuta nem consentimento.

Falar de comunicação na Amazônia é falar de justiça territorial. Em cada comunidade que ganha acesso à internet, abre-se uma janela para o mundo e uma rota para a resistência. Jovens comunicadores formados pelo projeto Repórteres da Floresta, iniciativa da Fundação Amazônia Sustentável (FAS), já cobrem temas como mudanças climáticas, direitos dos povos originários e bioeconomia com a propriedade de quem vive o assunto na pele. Suas palavras carregam verdade porque carregam vivência.
Com a aproximação da COP30, o maior evento global de discussão e negociação sobre as mudanças climáticas, a disputa simbólica sobre quem representa a floresta se intensifica. Há risco real de que discursos prontos, embalados para agradar o mercado e a opinião pública, substituam a realidade das comunidades. E isso é perigoso: quando a narrativa é distorcida, o mundo acredita na mentira. E quando o mundo acredita na mentira, as decisões tomadas nos palcos internacionais ignoram quem mais precisa ser ouvido.
Por isso, iniciativas como o Banzeiro da Esperança são fundamentais. Trata-se de uma expedição fluvial que partirá de Manaus rumo a Belém, levando as vozes da Amazônia para uma das maiores conferências do mundo. O Banzeiro é uma travessia política e simbólica: a cada parada nos rios da Amazônia, promoverá escutas territoriais, eventos participativos, articulando com comunidades ribeirinhas, indígenas, quilombolas, jovens e lideranças locais para construir coletivamente a Carta da Amazônia, um documento que irá representar um chamado ético e urgente à ação climática com base na equidade, no protagonismo dos povos da floresta e na escuta das realidades locais. com propostas concretas para o enfrentamento da crise climática.
Narrar a floresta com a floresta é, hoje, uma questão de sobrevivência. A comunicação abre caminhos entre o que acontece nas margens e o que se decide nos centros. Dá voz ao que era silêncio. Dá rosto ao que tentaram apagar. Não se trata de influência. Trata-se de existência. E o poder de narrar o próprio território não se vende. Se vive.
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