Há cerca de um mês voltei de uma expedição a um dos lugares mais fantásticos do Brasil, a Chapada Diamantina. E nestes 20 anos como andarilho que fotografa, posso dizer com tranqüilidade que esta região na Bahia é de uma riqueza ímpar de cenários, não só pelas atrações naturais mas também por sua cultura secular. Xique-xique de Igatu – como conheci em 1988, agora é simplesmente Igatu, a cidade de garimpeiros. Sua história é controversa e já cheguei a ouvir teorias de que a antiga cidade, hoje em ruínas, já existia quando os primeiros garimpeiros apareceram ali nos idos de 1800. Segundo consta, esta ‘cidade-fantasma’ possui um sistema sofisticado de saneamento e escoamento de água, cuja complexidade arquitetônica vai além do que aqueles novos moradores poderiam construir.
O fato é que, depois desta expedição, comecei a questionar estas teorias, e acreditar um pouco mais nos feitos de engenharia dos garimpeiros. A viagem teve como foco principal a bioespeleologia de algumas cavernas escondidas nos vales de Igatu (clique na imagem para ver o slideshow). Organizada pela bióloga M. Elina Bichuette, do Departamento de Ecologia e Biologia Evolutiva da Universidade Federal de São Carlos, que no ano passado descobriu uma nova espécie de peixe troglóbio (denominação a espécies que vivem exclusivamente dentro de cavernas, que tendem à perda de visão e pigmentação melânica) a proposta da nossa viagem era um trabalho mais ligado à ecologia do bicho, distribuição, ocorrência e densidade da população. Além disso, a idéia da pesquisadora foi avaliar a existência de novas espécies de peixes troglóbios.
O peixinho em questão será descrito num trabalho científico nos próximos meses, mas já foi reconhecido como sendo uma Glaphyropoma sp. n.. Da família dos bagres (Trichomycteridae), sua descoberta vem sendo considerada como um pequeno ‘elo’ perdido na evolução desta família, por apresentar uma série de características primitivas até então não encontradas em outras espécies.
Memória local
As cavernas de Igatu são predominantemente em arenito e quartzito, sendo que muitas delas foram totalmente reviradas pelos garimpeiros, no auge da época do diamante. Mas havia uma engenharia de estruturação de pedras, madeiras e outras artimanhas de desbancar muita matemática de ponta de prancheta. Logicamente alguns garimpeiros lacraram sua vida embaixo das rochas. Mas muitos ficaram para contar história. E foi justamente um destes garimpeiros que trouxe a descoberta do peixe para a luz do dia.
Raimundo Cruz dos Santos, o Xiquinho, é garimpeiro desde os 08 anos de idade. Nascido e criado em Igatu, viveu sua vida atrás dos pequenos diamantes encontrados nas areias da região. Ganhou e perdeu muito dinheiro, afinal vida de garimpeiro é assim – achar a pedra para pagar a comida devida no armazém. Além do garimpo, único trabalho existente por ali, Xiquinho sempre se interessou por plantas medicinais e até hoje descobre com os velhos, novas ervas, plantas, raízes, tudo que possa ser identificado como algo bom pra saúde. Diz que têm catalogado mais de 300 plantas diferentes, cada qual com seu valor. E como se não bastasse, pegou gosto pela espeleologia e hoje conhece mais de 30 cavernas na região, aparentemente muito ricas em sua biologia.
Tanto é que Elina encontrou uma espécie de opilião (outro animal comum em caverna) e ao ser identificado pelos especialistas, foi reconhecido como uma nova espécie. Deram o nome de Eusarcus elinae, em homenagem à pesquisadora. O encontro do ‘empírico com o científico’ surgiu alguns anos atrás, quando Elina chegou na região, e pergunta daqui, pergunta dali, conheceu Xiquinho. Curioso e atento como ele é, já tinha observado alguns peixes branquinhos nadando nos filetes de águas que corriam nas cavernas dali. Pronto, estava feita a parceria. E da parceria nasceu mais uma espécie nos anais de biologia. E da amizade nasceu a certeza que o conhecimento deve andar de mãos dadas com a sabedoria.
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