“Não se trata de ser contra automóveis pura e simplesmente, mas sim de questionar o uso exagerado, irracional e rotineiro com o qual nos acostumamos.” |
Sempre pedalei, desde criança, mas até 2006 não tinha consciência do meu direito de ocupar a rua. Pedalava quase como se estivesse cometendo um crime, incomodando os carros. E, como tal, vivia encolhido, assustado. Pensava em caminhos como se estivesse dirigindo, buscava avenidas e os trechos mais curtos. Demorei para aprender a me locomover de bicicleta com segurança e prazer na cidade, a buscar ruas calmas, evitar alguns trechos. Aprendi a intercalar caminhadas com transporte público. E, aos poucos, fui deixando o carro mais vezes na garagem.
Em dezembro de 2010 desisti de vez de ter um carro em casa. Já não fazia mais sentido. Eu vivo no topo de um morro, em um bairro com poucas linhas de ônibus e a algumas ladeiras do metrô. Ouvi que estava sendo radical demais, que minha opção era inviável e que em pouquíssimo tempo eu voltaria atrás. Como fazer compras sem um carro? Supermercado? Como voltar para casa tarde da noite?
Todas os problemas se revelaram bem mais simples até do que eu esperava. Mesmo os que me provocavam alguma incerteza. Fazer compras mais vezes e em menor quantidade me levou a comer alimentos frescos e pensar sobre o que estou comprando. Viver mais devagar me fez viver melhor, pesar compromissos e em como e com quem eu comprometo meu tempo. A rotina de caminhadas e pedaladas me fez emagrecer e conhecer melhor meu corpo. Adquiri resistência física sem precisar de muito esforço. E, nas emergências ou momentos especiais, sempre dá para recorrer a um táxi ou alugar um carro – mesmo que isso seja feito com frequência, sai mais barato do que ter e manter um carro particular.
Não se trata de ser contra automóveis pura e simplesmente, mas sim de questionar o uso exagerado, irracional e rotineiro com o qual nos acostumamos – e ao qual somos educados a aprender como algo normal. Sem a gente perceber, a tal “liberdade” vira uma prisão sobre rodas, seja pela necessidade de buscar uma vaga para estacionar, seja por condicionar horários ao uso do veículo, seja por não poder parar para conversar com um vizinho. Hoje, sem carro, sinto muito mais liberdade quando eu dependia de um para tudo.
Após um ano desmotorizado a sensação é de que minha relação com a cidade mudou completamente. Descobri ruas e casas fantásticas que eu nem imaginava existirem – no bairro em que eu cresci e que achava conhecer muito bem. Redescobri o prazer em viver em São Paulo, em ir para o trabalho, em voltar devagar. Parar para tomar um coco ou uma cerveja no fim da tarde, no caminho de volta. Conversar com vizinhos, sorrir. Parei de me sentir constrangido em alimentar um sistema de fumaça, pressa e estresse que não faz e nunca fez sentido para mim.
Gosto da ideia de que, o modo de vida que escolhi, permite que crianças brinquem nas ruas.
Que 2012 seja um ano com menos carros, estresse, trânsito e poluição para todos os leitores do Outras Vias.
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