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Ciclistas de São Paulo têm pressionado o poder público reclamando da ausência de infraestrutura cicloviária no projeto de duplicação da Rodovia dos Tamoios (SP-99), que liga São José dos Campos, na região do Vale do Paraíba, a Caraguatuba, no litoral norte do estado. Com base na Lei Estadual Nº 10.095, de 26 de novembro de 1998, que prevê que “todos os projetos de construção de estradas estaduais deverão incluir a criação de ciclovias”, o grupo reclama que a obra de ampliação da via deveria contemplar ciclovias e adequações que facilitem os deslocamentos de bicicleta na área, na qual se insere um dos últimos trechos de Mata Atlântica do Brasil.
Além de um abaixo-assinado com mais de 3 mil participantes, protocolado na Secretaria Estadual de Logística e Transportes do Estado de São Paulo, os ciclistas fizeram questionamentos nas audiências públicas que antecederam as obras e também acionaram o Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (GAEMA) do Ministério Público Estadual, cobrando o cumprimento da lei. Possíveis irregularidades e problemas ambientais relacionadas à obra levaram os promotores Renata Bertoni Vita e Mateus Fialdini a abrirem dois inquéritos diferentes; em um deles, o de número 57/2011, houve questionamento sobre a ausência de infraestrutura cicloviária.
Sobre a reclamação de que, por não contemplar infraestrutura cicloviária, o projeto de construção de novas pistas estaria contrariando a lei, o Outras Vias tentou ouvir o secretário Saulo de Castro Abreu Filho, da Secretaria Estadual de Logística e Transporte, e o diretor-presidente da Laurence Casagrande Lourenço, da empresa Desenvolvimento Rodoviário S/A, a Dersa. Nenhum dos dois atendeu à solicitação de entrevista. A assessoria de imprensa da Dersa disse que a lei não está regulamentada e, em nota, justificou a ausência da ciclovia em toda a extensão com base na falta de público interessado e em dificuldades técnicas para sua implantação em trecho com relevo acentuado. Clique aqui para ler a pergunta enviada e a íntegra da resposta.
Sobre o primeiro ponto, os representantes da empresa alegam que, em outubro de 2012, foi feita uma contagem de tráfego que registrou a passagem de apenas 93 ciclistas durante o dia. Para Heloisa Guedes de Alcântara, uma das ciclistas que ajudou a organizar o abaixo-assinado, o registro não pode ser considerado válido por ter sido feito logo após mudanças que alteraram a realidade do ciclismo na região. “Se este monitoramento tivesse sido feito antes de transformar o acostamento em pista, o resultado teria sido outro. Muitos não se aventuram a circular de bicicletas pois a via está perigosa. Tenho certeza que os ciclistas vão aumentar quando a duplicação estiver pronta e irão trafegar pelo acostamento, como acontece nas rodovias Ayrton Senna e Carvalho Pinto”, aponta. Ela é moradora da região há 16 anos e circula quase diariamente na pista.
“A idéia (de organizar um abaixo-assinado) surgiu depois de uma conversa com alguns engenheiros especialistas em obras em rodovias, que nos informaram a viabilidade de uma ciclovia na Tamoios. A negativa me pareceu mais falta de interesse político do que técnico. Sim, é caro e trabalhoso. Faltou um padrinho político para a causa pois, interessados (moradores e esportistas) por uma ciclovia na Tamoios tem”, lamenta.
Interesse
Em São Paulo, a Rota Márcia Prado, passeio de descida para o litoral organizado anualmente pelo Instituto CicloBR, reúne cada vez mais gente. Na última edição, a estimativa é que mais de 7 mil pessoas participaram da descida da Serra do Mar da capital até Santos em um só dia. Para Felipe Aragonez, diretor presidente do Instituto CicloBR, não há dúvidas de que existe uma demanda reprimida pelo cicloturismo no Estado. Ele reclama que não é a primeira obra de construção ou ampliação de rodovias em que os direitos dos ciclistas são ignorados no estado. “Em São Paulo, temos leis que contemplam essa estrutura cicloviária, mas nunca são cumpridas. A duplicação da Tamoios e a ausência de um planejamento cicloviário não é novidade nesse quesito. O sistema Anchieta-Imigrantes deveria ter uma ciclovia ligando a capital ao litoral sul, mas nada foi feito”, afirma. “Se o poder público não enxergar no grande potencial do cicloturismo, vamos continuar com essa falta de estrutura para aqueles que pedalam e o nosso direito de ir e vir, continuará sendo lesado por nossos governantes”, completa.
Aragonez lamenta as condições atuais que quem opta por se deslocar com a energia do próprio corpo enfrenta para trafegar. “As rodovias brasileiras são totalmente impraticáveis para aqueles que querem caminhar o pedalar por elas. Você tem que dividir o acostamento com veículos passando ao seu lado em altíssima velocidade. E muitas dessas rodovias, cortam trechos urbanos, que deveriam ter uma estrutura diferente para proteger pedestres e ciclistas”.
Apesar de descartar a construção de ciclovias durante todo o percurso, a Dersa diz que dois trechos próximos a núcleos urbanizados mais adensados no município de Paraíbuna serão contemplados. Segundo a empresa, serão criadas ciclovias em dois trechos diferentes, uma de 4,5 km que vai do km 28 ao km 32,5 e uma de 2,6 que vai do km 35,5 ao km 38,1. No total, junto a duplicação da Tamoios, rodovia de 82 km de extensão, serão implementados 7,2 km de ciclovias.
Sobre as dificuldades técnicas para a construção de tal infraestrutura em todo percurso, os representantes da Dersa alegam que “a geomorfologia da região é de relevo bastante acidentado, com sucessivos aclives de declives, muitos afloramentos rochosos, resultando em inclinações muito acima da recomendação normatizada para implantação de ciclovias. Essas características implicariam na adoção de obras adicionais de cortes/aterros, pontes/viadutos para sua atenuação”. E também apontam problemas ambientais decorrentes de tais adaptações. “Por causa dessas condições geomorfológicas, a construção de uma ciclovia nesses locais ampliaria a necessidade de desapropriações, de supressão de vegetação, de intervenções em recursos hídricos e de necessidade de Depósitos de Material Excedente (DMES) adicionais, além de obras que causam um aumento significativo dos impactos nos meios físico, biótipo e socioeconômico com necessidades de recursos financeiros adicionais ao orçamento aprovado”, diz o texto.
O Outras Vias questionou quanto seria tal acréscimo de custo da obra se fosse contemplada a demanda por ciclovia em toda extensão, mas não obteve uma estimativa.
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