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As aves do Tocantins

Levantamento lista 720 aves no estado, com espécies típicas de Cerrado, Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica; pelo menos 43 estão ameaçadas de extinção

Duda Menegassi ·
31 de maio de 2024

No estado do Tocantins, Amazônia e Cerrado se encontram, numa mistura que se reflete na diversidade das aves, que ainda conta com espécies típicas da Caatinga e da Mata Atlântica. Ao todo, são conhecidas 720 espécies de aves no estado, o que equivale a mais de um terço de toda a avifauna brasileira. Os números fazem parte de um levantamento publicado recentemente que atualiza a lista de aves do estado após um hiato de 15 anos.

Dentre as 720 espécies, 48 são endêmicas e outras 35 migratórias. Além disso, 43 espécies, o que equivale a cerca de 6% do total, estão sob algum grau de ameaça de acordo com a avaliação nacional e global, e outras 37 classificadas como quase ameaçadas. A expectativa é que o levantamento sirva de base para a elaboração de uma lista estadual de aves ameaçadas de extinção e possa apoiar ações regionais de conservação.

A diversidade de habitats e formações vegetais presente nos limites do estado indica a expressiva riqueza e composição de espécies de aves, destacam os pesquisadores no artigo, publicado em maio no Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi – Ciências Naturais.

“O Cerrado é predominante nos limites do estado, e portanto, é de se esperar a presença de muitas aves típicas deste bioma. Podemos destacar, por exemplo, o suiriri-da-chapada (Guyramemua affine), o mineirinho, (Charitospiza eucosma) ou ainda o campainha-azul (Porphyrospiza caerulescens) e pula-pula-de-sobrancelha (Myiothlypis leucophrys). Contudo, ainda temos no Tocantins a presença de remanescentes da Amazônia, onde avifauna é representada por espécies emblemáticas do bioma, como anambé-preto (Cephalopterus ornatus), o ipecuá (Thamnomanes caesius), ou cri-crió, para o tocantinense peito-de-aço (Lipaugus vociferans)”, conta Túlio Dornas, pesquisador bolsista do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE/ICMBio) e um dos autores do estudo.

“Contudo, não para por aí! As formações savânica e florestais mais secas e caducifólias [que perdem as folhas sazonalmente] do leste e sudeste do Tocantins guardam espécies muito comuns em ambientes da Caatinga, como formigueiro-de-barriga-preta (Formicivora melanogaster) ou periquito-da-caatinga (Eupsittula cactorum), e também espécies de ocorrência comum na Mata Atlântica ou trechos do Cerrado do sudeste como surucuá-variado (Trogon surrucura) e o beija-flor-preto (Florisuga fusca)”, detalha o ornitólogo do CEMAVE. 

Nessa lista, continua ele, acrescentam-se ainda as aves migratórias, como o piuí-verdadeiro-do-leste (Contopus virens), o maçarico-pernilongo (Calidris himantopus), o caboclinho-de-barriga-vermelha (Sporophila hypoxantha) e o caboclinho-de-chapéu-cinzento (Sporophila cinnamomea). 

O estado também abriga aves migratórias, como o maçarico-pernilongo. Foto: Túlio Dornas

Túlio destaca que o número já expressivo de espécies da avifauna do estado pode aumentar ainda mais com a realização de novos estudos. “Existem muitas variedades de aves que poderiam ser mencionadas, o que de fato somente atesta essa enorme variedade de aves no estado”, resume. 

A relação das aves do estado do Tocantins foi feita com base em registros na literatura científica, espécimes em coleções ornitológicas, registros de aves em plataformas digitais de ciência cidadã, como o Wikiaves, e em registros visuais e auditivos efetuados em campo pelos pesquisadores do estudo.

A compilação anterior sobre a avifauna tocantinense havia sido publicada em 2009, quando foram listadas 628 espécies, quase cem a menos do que o contabilizado pelos pesquisadores no levantamento atual. 

Uma das novas espécies incluídas na lista é a sanã-amarela (Laterallus flaviventer). Apesar de relativamente comum, com uma distribuição que vai desde o México até a Argentina e com registros em quase todo o Brasil, a presença da sanã-amarela no Tocantins tornou-se quase uma lenda. A ave havia sido documentada uma única vez, em 1960, no município de Araguatins, pelo ornitólogo José Hidasi. Buscas intensas foram realizadas no estado, em especial nas últimas duas décadas, todas sem resultado. Até que, em agosto de 2023, 57 anos depois de Hidasi, a sanã-amarela foi redescoberta no Tocantins, num município vizinho, São Miguel do Tocantins.

Hotspots da avifauna tocantinense

Para além de destacar as aves que ocorrem no estado, o trabalho dos pesquisadores visa reforçar as áreas que necessitam de ações mais efetivas de conservação. O avanço do desmatamento do Cerrado, bioma predominante no estado, é uma das preocupações.

“As espécies ocorrentes no Tocantins e atribuídas em âmbitos global e nacional às categorias ‘Em Perigo’ e ‘Vulnerável’ revelam a perda de habitat e a degradação ambiental como as principais razões de ameaça de extinção de aves no estado”, apontam os autores do artigo.

O levantamento inclui ainda duas espécies Criticamente Em Perigo de extinção, o nível mais alto de ameaça: o pato-mergulhão (Mergus octosetaceus) e o bicudo-verdadeiro (Sporophila maximiliani).

O pato-mergulhão, hoje restrito ao Cerrado, no Tocantins ocorre exclusivamente na região do Jalapão, em um trecho de 145 quilômetros do rio Novo, com uma população estimada em menos de 25 adultos. Apesar de pequena, a população está protegida por um mosaico de unidades de conservação que tem garantido a preservação do habitat e a manutenção destes indivíduos.

Já o bicudo-verdadeiro é relatado apenas através de avistamentos nas planícies alagáveis do vale do Araguaia, entre 1980 e 2000, e os pesquisadores ressaltam a necessidade de novas buscas para determinação de uma possível população nativa remanescente no Tocantins.

Em conversa com ((o))eco, o pesquisador do CEMAVE destaca três regiões do estado que dependem de uma maior proteção legal, justamente por possuírem uma avifauna singular e bastante ameaçada. 

A primeira são as florestas estacionais, também conhecidas como matas secas, do sudeste do Tocantins. Nesta região podem ser encontradas a tiriba-do-paranã (Pyrrhura pfrimeri) e o beija-flor asa-de-sabre-da-mata-seca (Campylopterus calcirupicola), ambas espécies Em Perigo de extinção e endêmicas desse tipo de vegetação.

Leia mais: Ave restrita e ameaçada, tiriba-do-paranã já perdeu 60% do seu habitat

A segunda região destacada pelo ornitólogo são os carrascos – tipo de vegetação arbustiva e adensada que cresce em solo pobre, profundo e arenoso – situado na porção central do estado, entre os municípios de Miracema do Tocantins e Porto Nacional. Esse ecossistema é o lar do chorozinho-da-caatinga (Radinopsyche sellowi), que apesar de uma distribuição ampla no país, no Tocantins é encontrada apenas em fragmentos dessa região. “Não ultrapassando os 20 mil hectares de distribuição, condição que coloca a espécie em elevado risco de extinção em âmbito estadual”, alerta Túlio.

Por fim, ao norte do Tocantins, está a amazônia tocantinense, reduzida atualmente a cerca de 15% da sua cobertura original. “Nessa região encontramos o jacamim-do-xingu (Psophia interjecta) e o uru-corcovado (Odontophorus gujanensis), aves amazônicas conhecidas de um ou dois fragmentos florestais amazônicos no estado, indicando a urgente necessidade de proteção, pois impactos negativos, como queimada ou desmatamento, podem sucumbir essas matas onde essas aves estão abrigadas, em um ou dois dias, por exemplo, extirpando as populações dessas espécies nos limites tocantinenses”, reforça o ornitólogo.

  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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